Vereadores da Câmara Municipal do Recife e deputados estaduais da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) têm se mobilizado para tentar viabilizar a presença de vários segmentos entre os grupos prioritários para receberem a vacina contra a covid-19. A lista é grande, e vai desde pedidos de remanejamento de grupos que já são prioritários para as primeiras fases de vacinação e até a inclusão de pessoas que ficaram de fora, ao menos neste primeiro momento, do cronograma.
Os parlamentares dispõem de alguns instrumentos para pressionar politicamente o Poder Executivo e fazer solicitações para órgãos públicos e entes federativos, muitas vezes fruto de alguma cobrança do seu próprio eleitorado. São eles os ofícios, requerimentos, indicações e até mesmo projetos de lei.
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Um exemplo disso foi um ofício protocolado pelo deputado estadual Wanderson Florêncio (PSC) no Palácio do Campo das Princesas no final de janeiro pedindo a priorização de pessoas com deficiência e com doenças raras na vacinação. As pessoas com deficiência institucionalizadas e maiores de 18 anos estão inclusas na primeira fase e as com deficiência permanente severa, especificamente, na quarta fase.
"Para que isso aconteça (vacinação para pessoas com deficiência severa), nós temos que vacinar praticamente 3 milhões de pessoas em Pernambuco. Quem tem uma deficiência severa está muito passível a ter menos resistência à doença. Essas pessoas estão em um isolamento extremo e a vacina além de trazer segurança também vai trazer o convívio de volta para essas pessoas", disse.
Presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e com Doenças Raras da Alepe, Wanderson deve entrar com outro instrumento, um pedido de informação, ao Governo de Pernambuco. Neste caso, o Executivo tem até 30 dias para enviar uma resposta sobre a demanda, conforme prevê o parágrafo 3º do artigo 13º da Constituição Estadual.
Com a expectativa pela volta das aulas presenciais, começou a ganhar força um movimento em todo o País para tentar garantir os trabalhadores da educação entre os primeiros a serem vacinados. A partir disso, parlamentares passaram a se mobilizar. A Frente Parlamentar Mista da Educação no Congresso Nacional pediu prioridades aos professores durante reunião com o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, no início de fevereiro.
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Na bancada pernambucana, o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT) também encaminhou ofício ao governador Paulo Câmara (PSB) fazendo o mesmo pedido, mas ao governo estadual. O pedetista se baseou em uma recomendação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que considera os professores como "linha de frente no combate á covid-19" e, portanto, uma categoria que necessita ser priorizada.
O próprio governador Paulo Câmara (PSB) já pediu pessoalmente ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a priorização dos professores, durante reunião em Brasília em dezembro de 2020. "Solicitamos ao ministro que todos os idosos acima de 60 anos sejam vacinados na primeira fase dos grupos prioritários, e que não apenas professores, mas todos os profissionais da área de educação sejam incluídos como prioridade na vacinação", disse, na época.
O prefeito do Recife João Campos (PSB) também encaminhou ofício ao ministério fazendo o mesmo pedido, no dia 9 de janeiro, e o reforçou em reunião com o Pazuello na semana seguinte. "Eu fiz inclusive um pedido para os professores virem para a frente porque é importante a gente valorizar a educação não só no discurso, mas na prática. O ministério não tem essa mesma compreensão", afirmou o prefeito em evento da Fecomércio em 1º de fevereiro.
A deputada estadual Teresa Leitão (PT) buscou viabilizar a transferência dos trabalhadores da educação da fase 4 para a fase 1 do Programa Emergencial de vacinação para o combate e erradicação do vírus COVID-19 através de um Projeto de Lei de sua autoria, o PLO nº 1785/2021.
"A gente está querendo que o estado tenha autonomia porque isso está acontecendo no país inteiro. O plano é nacional, mas o estado, a gente admite que o estado possa mexer. Um pedido para o governador, ele podia dize que a lei não garante, por isso que eu fui por essa linha para ver se com uma lei a gente pode interferir na organização do que está vindo do plano nacional", explicou Teresa.
A Secretaria de Saúde e Pernambuco (SES-PE) se pronunciou por meio de nota, em que lembra que o Ministério da Saúde é o responsável por estabelecer os grupos prioritários, além de adquirir e distribuir as doses aos municípios.
"A SES destaca que vem dando seguimento à campanha a partir das doses já repassadas pelo órgão federal e pactuando as ações e priorizações com o Comitê técnico estadual para acompanhamento da vacinação contra a Covid-19 e a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que reúne os municípios e a sociedade civil organizada", diz trecho da nota.
Esse comitê é formado por nomes técnicos da SES-PE, de outras pastas e órgãos da administração estadual, a exemplo do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), o Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz-PE), a Sociedade Brasileira de Imunizações em Pernambuco (SBIm), a Sociedade Pernambucana de Infectologia, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade de Pernambuco (UPE).
"Juntos, esses entes auxiliam o Estado na tomada de decisões e nas estratégias que serão implementadas para garantir a segurança de todo o processo e a acessibilidade de todos aqueles que fizeram parte dos grupos prioritários", finaliza a pasta na nota.
Na Câmara do Recife, também houve iniciativas voltadas para os professores. A Casa aprovou, por exemplo, dois requerimentos de autoria de Liana, um para mudar os professores do grupo 4 para o grupo 1 da vacinação e outro para incluir os trabalhadores do transporte público - ônibus, transporte complementar, motoristas de táxi e por aplicativo - no grupo 2. Mas vale lembrar que um requerimento não tem força de lei e é apenas uma indicação sobre alguma demanda.
Liana se reuniu nesta semana com a secretária de Saúde do Recife Luciana Albuquerque e o secretário de Educação do Recife, Fred Amância. "Nós conversamos sobre a questão da autonomia do município para determinar o calendário de vacinação e o quanto é negativo sobretudo dentro do cenário de retorno das aulas presenciais reproduzir o calendário nacional do Ministério da Saúde. Sabemos que se nós aguardarmos uma modificação do calendário nacional, essa mudança não ocorrerá e ai a importância de que o município assuma esse protagonismo", afirmou a petista.
Procurada pelo JC, a assessoria da Secretaria de Saúde do Recife reafirmou que o próprio prefeito João Campos solicitou ao governo federal prioridade para os professores e que quem define os grupos prioritários é o Ministério da Saúde. O gabinete de imprensa da PCR foi procurado para saber, entre outras questões, se houve uma resposta do governo federal quanto ao pedido, mas não recebeu retorno até a última atualização desta matéria.
Esses pedidos esbarram em uma questão de competência dos entes federativos em determinar quais serão os grupos prioritários e qual ordem será obedecida no cronograma, visto que estados e municípios vem seguindo o que está estabelecido no Plano Nacional de Vacinação, elaborado pelo Ministério da Saúde.
A primeira fase englobou os profissionais de saúde na linha de frente da covid-19, indígenas aldeados, idosos com mais de 60 anos que vivem em instituições de longa permanência e pessoas com deficiência institucionalizadas. Depois deles, vem outros grupos considerados prioritários, como pessoas de 60 anos ou mais, pessoas em situação de rua e população privada de liberdade.
Mas a partir daí começaram a surgir as particularidades de cada local. No Recife, por exemplo, começou a vacinar pessoas com mais de 80 anos na sexta-feira (12)."Os grupos prioritários são aqueles que estão com mais vulnerabilidades de contrair a doença, seja vulnerabilidade social, pelo trabalho, seja por comorbidade e idade. O que se preconiza é exatamente isso", explica a médica sanitarista e especialista em saúde pública, Bernadete Antunes.
É fato que esses conflitos de demandas acabam sendo potencializados por conta da escassez de doses suficientes para vacinar a todos. Pernambuco recebeu 427.560 doses até o momento, e vale lembrar que é preciso uma segunda aplicação para que o imunizante surta o efeito desejado.
Bernadete também critica a falta de coordenação nacional. "Quando não tem uma coordenação nacional, eles podem fugir um pouco disso. O Rio de Janeiro por exemplo desde o começo está vacinando os profissionais de saúde que recife está vacinando agora que trabalham em situação privada. Nssa campanha a distribuição foi diferente, a compra foi atrasada, se negociou vacina ainda em número insuficiente, com situações diversas de gestão. Você precisa ter muita legitimidade de governo para isso, o que a gente não tem hoje. Isso é mito ruim porque não vai ser cumprido que devia estar sendo cumprido e acaba deixando grupos mais vulneráveis", afirmou.
Em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu darautonomia para os governadores e prefeitos tomarem medidas de prevenção e combate à pandemia do novo coronavírus. Segundo explica o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Pernambuco (OAB-PE), essa norma é mais geral, mas pode também englobar questões relativas à vacinação.
"Não há a principio nenhum entendimento para que o município possa estabelecer uma outra ordem de vacinação. Mas você imagina que o município recebe um número insuficientes para todos os idosos, e eles vacinar primeiro os mais idosos. Sempre é bom ter como balizador os princípios da razoabilidade e a proporcionalidade, porque o critério principal é o risco aumentado às pessoas em razão da sua condição", afirma Bruno.
Para o presidente da OAB-PE, uma eventual mudanças entre grupos já considerados prioritários seriam mais facilitadas do que a inclusão de segmentos que estavam de fora. "Se for já dentro dos grupos prioritários, que já são reconhecidos no plano nacional, ai fica até mais fácil porque já há uma conformidade, porque eles são prioridade; O que teria algum problema seria você inserir alguém que a princípio não estaria o grupo de risco e incluir uma prioridade. Uma norma dessa eu acredito que seria inconstitucional", afirmou o presidente.