''A pandemia pode ser um incentivo para que mais mulheres busquem se candidatar'', afirma cientista política

Para Luciana Santana, da Ufal, devem tentar "discutir políticas públicas que possam contribuir com a melhora da qualidade de vida e melhor distribuição de funções sociais do trabalho com os homens"
Renata Monteiro
Publicado em 07/03/2021 às 9:15
Luciana Santana Foto: DIVULGAÇÃO


Doutora em ciência política, Luciana Santana é professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde coordena o curso de licenciatura em Ciências Sociais. Em entrevista ao JC, a docente falou sobre os desafios que as mulheres com mandatos tiveram que enfrentar durante a pandemia, disse não acreditar que a covid-19 vá afastar mulheres da vida pública e defendeu que legisladoras reivindiquem seu direito de atuar em áreas que não se restrinjam aos chamados "direitos femininos".

JORNAL DO COMMERCIO - Professora, pesquisas divulgadas nos últimos meses mostram que as mulheres estão entre as mais afetadas pela pandemia no Brasil, pois, entre outras coisas, foram elas que perderam mais empregos, que têm que ficar em casa com os filhos que não estão indo pra escola, e muitas vezes ainda precisam cuidar de pessoas que estão com o vírus, mas não com a gravidade necessária para serem internadas. E na política, como isso se reflete? Na sua concepção, existem desafios pandêmicos vividos particularmente por mulheres que possuem cargos políticos?

LUCIANA SANTANA - Os desafios da mulher na política são tão intensos quanto os problemas vivenciados pelas mulheres em outras esferas. Além de ter que compatibilizar questões domésticas, demandas maternas, cuidados com os idosos, as mulheres ainda precisam tocar todas as suas demandas profissionais. Além disso, o tempo de dedicação que essas mulheres têm que disponibilizar para a atividade política é enorme, pois normalmente o processo de barganha, de negociação demora, e elas acabam sofrendo desse acúmulo de atividades. Outra questão é que você também tem que provar o tempo inteiro, num mundo extremamente masculino, que é competente e que as suas demandas precisam ser inseridas também na agenda política.

JC - A senhora acredita que, de alguma maneira, o momento que estamos vivendo hoje pode vir a impactar na presença de mulheres em espaços de poder? A pandemia pode afastar ainda mais as mulheres da política?

SANTANA - Eu acho que o movimento deve ser inverso. A pandemia pode ser um incentivo para que mais mulheres busquem se candidatar para, de alguma maneira, conseguir estar em espaços de representação e tentar discutir políticas públicas que possam contribuir com a melhora da qualidade de vida e melhor distribuição de funções sociais do trabalho com os homens. A pandemia deve estimular mais mulheres a participar. Agora, se tendo mais candidatas a gente vai ter maior representação, isso é uma incógnita, porque depende de outros fatores. E é claro que existirão mulheres que vão acabar não tendo tempo para se disponibilizar para a atividade política, eu só não acho que isso vá ser predominante.

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JC - Quais as causas e consequência da relativa baixa representação feminina em espaços como o Congresso Nacional? Esse cenário pode atrasar a recuperação econômica das mulheres no pós-pandemia?

SANTANA - A lei de cotas e a decisão de que 30% dos recursos deveriam ser direcionados a candidaturas femininas melhorou o número de mulheres no Congresso Nacional, mas ainda não é possível comemorar o quadro. Como melhorar essa representação? A gente precisa sensibilizar a sociedade quanto à importância do papel da mulher na política, principalmente quando a gente pensa que a maior parte da população do País é composta por mulheres, portanto elas são as principais usuárias das políticas públicas que são elaboradas pelo Estado. Por isso tudo é necessário que elas estejam próximas da tomada de decisões, que participem, que possam opinar, possam tentar agregar preferências relacionadas ao universo das mulheres.

JC - Nas casas legislativas, as mulheres geralmente têm espaço garantido na composição da Comissão da Mulher. Muitas delas têm entre os projetos de sua autoria iniciativas relacionadas à pauta feminina, como políticas afirmativas, combate à violência, etc. Mas quando falamos de temas universais, a maioria das discussões são reivindicadas pelos homens. Como a senhora acredita que é possível equilibrar essas duas frentes de atuação, se inserindo em temas da sociedade, mas ao mesmo tempo sem deixar de discutir sobre políticas para as mulheres?

SANTANA - Esse é um grande problema em termos de representação. Muitas mulheres acabam ficando apenas em algumas comissões porque seus pares homens, e até algumas mulheres, acham que algumas pautas são exclusivamente femininas, o que é algo extremamente equivocado. Mulheres e homens têm possibilidade de legislar sobre todos os temas, desde que tenham conhecimento sobre ele ou uma equipe especializada que possa assessorá-los. Isso é um desafio, que é alertar e sensibilizar as mulheres de que elas podem e devem participar da representação nesses espaços e conseguir barganhar junto aos seus pares a participação em outras comissões, que são tão estratégicas quanto as demais, especialmente porque nós estamos falando de discussões sobre políticas públicas, que vão atingir a vida da maioria da população. 

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