Matéria atualizada às 19h30
A Polícia Federal (PF) concluiu após um ano de investigação, o inquérito sobre a aquisição de ventiladores pulmonares por empresa sediada no estado de São Paulo, que deu origem a deflagração da Operação Apneia. No ano passado, a Secretária de Saúde do Recife (Sesau) chegou a formalizar um contrato com a empresa, que não tinha certificações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para fornecer os respiradores, mas os contratos foram suspensos. A conclusão do inquérito ocorre na mesma semana em que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) julgou a contratação como regular, com ressalvas, aplicando multa apenas a uma ex-gerente da pasta.
De acordo com a PF, foram apuradas fraudes na contratação da empresa e na execução do contrato, inclusive pagamento indevido por 50 respiradores em 1º de abril de 2020, sendo que somente foram entregues 35 desses. Essa entrega somente foi iniciada após mais de 20 dias após a efetivação desse pagamento, apesar de uma servidora ter atestado erroneamente uma nota fiscal falsa antes da data do pagamento, como se a empresa já os tivesse entregue.
Apurou-se, também, que o ordenador de despesas que determinou o pagamento tinha ciência dessa circunstância. Ainda segundo a Polícia Federal, os responsáveis por um grupo empresarial paulista se utilizaram de microempresa “fantasma” para contratar com a Secretaria de Saúde de Recife, uma vez que empresas existentes de fato não poderiam contratar com órgãos públicos, por terem contraído débitos fiscais e previdenciários anteriormente. Esses débitos se aproximavam do patamar de R$ 10 milhões.
Nessa terça-feira (27), a Primeira Câmara do Tribunal de Contas julgou regular, com ressalvas, o processo de auditoria especial que apurou a compra de 500 ventiladores pulmonares pela Secretaria de Saúde a microempresária Juvanete Barreto Freire.
Para chegar ao resultado do julgamento, os conselheiros analisaram relatórios de fiscalizações feitos pelo próprio TCE e uma Representação Interna do Ministério Público de Contas (MPCO), que teria identificado falhas no processo de aquisição dos equipamentos. "O relatório da equipe técnica apontou alguns indícios de irregularidades na contratação da empresa fornecedora dos equipamentos, Juvanete Barreto Freire, entre eles, falta de habilitação jurídica, qualificação técnica e econômico-financeira, inaptidão da empresa para o desempenho da atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, bem como a inadequação e a indisponibilidade de pessoal técnico para a realização do referido objeto", afirma o TCE, através de nota.
De acordo com os técnicos, “a Secretaria de Saúde do Recife teria assumido o risco de contratar fornecedor sem capacidade operacional para executar o objeto dos contratos, levando-a a rescindi-los, em 23/05/2020”.
O processo foi relatado pelo conselheiro Carlos Neves, que entendeu que não havia nas dispensas "falhas que não possam ser ilididas, justificadas ou mitigadas à luz das circunstâncias extraordinárias vivenciadas quando, no âmbito dos presentes autos, não foram comprovados fraude, ilicitude ou danos ao erário, uma vez que durante a execução contratual houve um único desembolso, no valor de R$ 1.075.000,00 à contratada, o qual foi integralmente restituído aos cofres municipais após a rescisão do contrato", afirmou em seu voto.
No total, foram indiciados três empresários e três servidores públicos. Apesar de a maioria dos indiciamentos terem ocorrido em agosto de 2020, as investigações prosseguiram para apurar a participação de outras pessoas e a materialidade de outros crimes.
Nesta semana, a PF de Pernambuco recebeu dados de outro inquérito que tramita na cidade de Campinas, em São Paulo, no qual uma prefeitura, através de sua Secretaria de Saúde, esclareceu que chegou a utilizar os respiradores do mesmo modelo adquirido pela Prefeitura de Recife. No entanto, os técnicos verificaram a inadequação da eficácia dos ventiladores pulmonares, e devolveram os equipamentos para a empresa contratada.
Aos empresários indiciados, foram imputadas as condutas de falsificação de documentos e de terem sido beneficiados em dispensa irregular de licitação. O responsável pela empresa contratada foi indiciado também pelos crimes de sonegação fiscal e previdenciária, e ainda crime contra a saúde pública. As penas máximas, somadas, podem chegar a 35 anos de prisão.
>>Ex-secretário de Saúde do Recife e mais 3 são indiciados pela Polícia Federal
Quanto aos servidores públicos envolvidos, um deles foi indiciado pelo crime de dispensar ilicitamente licitação pública, ao passo que aos demais foi também imputado o delito de peculato. Nesse caso, a pena máxima cominada é de 17 anos de prisão.
Procurada pela reportagem, a advogada Renata Lopes Pinguelli, que representa a empresa Juvanete Barreto Freire, afirmou que "jamais houve qualquer irregularidade no processo de aquisição dos ventiladores pulmonares". Ainda segundo a representante da empresa, assim como "ficou comprovado a regularidade de todo processo perante ao TCE, da mesma forma ficará comprovado na ação acusatória", afirmou.
A defesa do ex-secretário de Saúde do Recife, Jaílson Correia, também se manifestou afirmando considerar "estranho" o fato de o relatório da Polícia Federal ter sido emitido "dias depois do TCE ter considerado a aquisição dos ventiladores regular".
"O escritório de advocacia Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla e Leitão, à frente da defesa do ex-Secretário de Saúde da Prefeitura da Cidade do Recife, Jailson de Barros Correia, informa que ainda não teve acesso ao relatório final do inquérito policial vinculado à 'Operação Apneia', tornado público pela imprensa. Estranha apenas o fato do relatório ter sido emitido dias depois do TCE ter considerado a aquisição dos ventiladores regular. Nessa linha, segue confiante de que comprovará a idoneidade de todos os atos dos ex-funcionários públicos, que trabalharam incessantemente no combate à pandemia.", declararam em nota, enviada ao JC.
A Prefeitura do Recife se posicionou, através de nota, afirmando que vem atuando no enfrentamento da covid-19 com "responsabilidade e transparência", ressaltando que o próprio TCE "atestou a regularidade do processo de aquisição dos respiradores. Veja a nota completa:
"Desde o início da pandemia, a Prefeitura do Recife vem atuando no seu enfrentamento sempre com o objetivo de salvar vidas e garantir proteção social à população da cidade. Todas as ações empreendidas foram adotadas com responsabilidade e transparência, com o compartilhamento de todos os detalhes de cada processo com os órgãos de controle. Nesta mesma semana, por exemplo, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) atestou a regularidade do processo de aquisição dos respiradores pela Prefeitura do Recife, reforçando a lisura do procedimento."
A Justiça Federal no Recife autorizou, nessa quinta-feira (29), o compartilhamento dos autos da Operação Apneia com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que apura ações do governo federal e recursos federais destinados a Estados e municípios. A informação foi publicada no Blog de Jamildo.
A decisão foi assinada pelo juiz Augusto César de Carvalho Leal, da 36ª Vara Federal da capital e contou com parecer favorável do Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco.
A CPI da Covid, como vem sendo chamada, aprovou um requerimento do senador Eduardo Girão (Podemos) para o compartilhamento das provas da operação Apneia, que teve a Prefeitura do Recife como alvo, em 2020.
As investigações se deram sobre a compra sem licitação de 500 respiradores pulmonares da microempresária veterinária Juvanete Barreto Freire, por R$ 11,5 milhões. Estes mesmos respiradores só tinham sido testados em porcos e não tinham a aprovação da Anvisa para uso em seres humanos.
Em abril de 2020, a Prefeitura do Recife pagou adiantado pelos 50 respiradores, apesar de só ter recebido 35. A compra foi desfeita amigavelmente, após o Ministério Público de Contas (MPCO) denunciar a dispensa emergencial de licitação, em maio de 2020.
Durante a Operação Apneia, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em residências de funcionários da Secretaria Municipal de Saúde, de secretários, como o da Saúde à época, Jailson Correia, bem como na sede da Prefeitura do Recife.
Os investigados negaram envolvimento em supostas irregularidades. Mesmo assim, o MPF chegou a pedir a prisão temporária de 1 dia de Saúde Jailson Correia, mas a prisão foi negada pela Justiça.
Em 2021, a PF confirmou oficialmente o indiciamento de servidores da Prefeitura, na operação. Nesta semana, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) julgou as dispensas regulares, seguindo voto do conselheiro Carlos Neves, relator do processo.