A educação domiciliar, sob tutela dos responsáveis pelas crianças e adolescentes, pode ser autorizada em Pernambuco. Isso porque o deputado estadual Pastor Cleiton Collins (PP) apresentou, na Assembleia Legislativa (Alepe), um projeto de lei que libera o "homeschooling", como a prática é conhecida em inglês, no Estado.
- Homeschooling: lei que autoriza educação domiciliar é aprovada por deputados no Rio Grande do Sul. Tema é polêmico
- Danilo Cabral critica projeto do governo Bolsonaro que pretende liberar educação domiciliar
A matéria admite a educação domiciliar, sob o encargo dos pais ou dos responsáveis pelos estudantes, desde que existindo "articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios dos sistemas de ensino".
Segundo o projeto, os pais e responsáveis passam a ter plena liberdade para decidirem entre o ensino escolar ou domiciliar, comunicando a Secretaria da Educação do município onde residem. Além disso, as famílias que optarem pela educação domiciliar devem manter registro das atividades pedagógicas desenvolvidas com os seus estudantes, bem como apresentar o relatório sempre que requerido pelo Poder Público.
A proposta do pepista prevê ainda que as crianças e adolescentes educadas no regime domiciliar serão avaliadas pelo município por meio das provas institucionais aplicadas pelo sistema público de educação.
Na justificativa do projeto, Collins afirmou que a medida "visa dar segurança jurídica aos pais que pretendem educar seus filhos em casa". O parlamentar defendeu ainda que "cabe aos pais a liberdade de escolher como os seus filhos terão acesso à educação". "Esta premissa básica deve ser um direito garantido a todas as famílias, pautando as relações de ensino sempre pelo bem-estar do aluno, da família e de sua comunidade", argumenta ele.
Ainda de acordo com o deputado, dados da Associação Nacional de Ensino Domiciliar (ANED), cerca de 7,5 mil famílias possuem registro na instituição, que centraliza os debates sobre o tema. "Entretanto, segundo alerta a instituição, o medo de represálias judiciais, pautado na enorme insegurança jurídica do tema, faz a imensa maioria dos adeptos do homeschooling evitar qualquer exposição, ficando longe de todo tipo de registro ou convênio que possam lhes causar sanções judiciais", pontua Collins, afirmando que não busca aumentar a evasão escolar ou substituir o ensino tradicional.
Para se tornar lei, o projeto precisa passar por diversas comissões da Alepe, ser aprovado em dois turnos pelos deputados e sancionado pelo governador Paulo Câmara (PSB).
Discussão nacional
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que a educação domiciliar não é inconstitucional, mas precisa de uma normatização para ser permitida. Desta forma, quem está sob o regime domiciliar de educação não está, por ora, protegido pela lei.
O Distrito Federal sancionou uma lei semelhante em fevereiro de 2021. Já a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou um projeto nos mesmo termos apresentados por Collins no mês passado.
Outras quatro unidades da federação têm projetos semelhantes em tramitação: Bahia, Goiás, Rio de Janeiro e Paraná. Entre as capitais, segundo levantamento da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), o tema está sendo tratado na Câmara de Vereadores de nove cidades: Curitiba, Rio de Janeiro, Goiânia, Natal, Porto Alegre, Manaus, Fortaleza, São Luís e Belo Horizonte.
Bandeira do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) —foi incluída nas 35 prioridades de seu governo—um projeto de "homeschooling" tramita na Câmara dos Deputados e deve ser votado neste segundo semestre do ano.
No final de maio de 2021, o Ministério da Educação (MEC) lançou uma cartilha sobre o tema. Na publicação, o atual governo, defensor da prática, ressalta que o homescholling é "um direito humano tanto dos pais quanto dos filhos". Segundo o MEC, cerca de 35 mil crianças e adolescentes do Brasil já estudam em regime de educação domiciliar, "estimativa anterior à pandemia de covid-19", ressalta.
Principal apoiadora da medida, a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) afirma ter estudos e pesquisas acadêmicas para defender o homescholling. "Ao longo de mais de 10 anos, esta Associação Nacional vem construindo e contribuindo com um rol inesgotável de referências acadêmicas, jurídicas, benchmarking internacional, eventos, debates e, principalmente, com a experiência prática da realidade da educação domiciliar que já é exercida no País. No portal da ANED na internet podem ser consultadas muitas dessas referências, especialmente aquelas voltadas para a construção de uma regulamentação urgente e justa do tema", diz a Aned.
Por outro lado, diversas entidades são contrárias ao ensino domiciliar. Para o Instituto Alana, o projeto de lei sobre homeschooling "ameaça os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes e o papel protetivo que a escola desempenha na vida dos alunos mais vulneráveis".
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação e mais 350 entidades assinam o Manifesto contra a Regulamentação da Educação Domiciliar e em Defesa do Investimento nas Escolas Públicas. No documento, as entidades consideram que a possível autorização e regulamentação é “fator de extremo risco e constitui mais um ataque ao direito à educação como uma das garantias fundamentais da pessoa humana. Tal regulamentação pode aprofundar ainda mais as imensas desigualdades social e educacional e multiplicar os casos de violência e desproteção aos quais estão submetidos milhões de crianças e adolescentes”.
O Movimento Todos pela Educação também discorda do homescholling. "O Todos reafirma a defesa constitucional e meritória do papel da escola na formação e socialização de jovens e crianças e as limitações estruturais de monitoramento e regulação de tal prática. Em vez de propor o homeschooling no País, caberia ao governo federal liderar a inserção de temas estruturantes para a educação básica, essenciais para alcançarmos uma educação básica de qualidade, especialmente frente ao cenário atual pandêmico", ressalta o movimento.
Igualmente contrária à proposta é a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). "O ensino domiciliar é a negação da educação como ciência. É a negação da educação escolarizada, da transmissão formal do saber científico e cultural acumulado da humanidade. É a negação da importância do papel dos profissionais da educação no desenvolvimento das crianças, adolescentes, jovens e adultos. E é a negação dos direitos da criança a um desenvolvimento pleno e ao convívio social", diz um trecho do comunicado da entidade sobre o assunto.