Policiais civis, militares, federais e rodoviários, além de bombeiros, agentes penitenciários, peritos e guardas municipais, terão subvenção financeira concedida pelo governo federal e condições diferenciadas de crédito imobiliário para aquisição da casa própria. É o que prevê o Programa Nacional de Apoio à Aquisição de Habitação para Profissionais da Segurança Pública, o Habite Seguro, instituído pela Medida Provisória1.070/2021.
O texto foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) dessa terça-feira (14) e tem vigência imediata. No entanto, a MP precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias para se tornar permanente. Após a publicação, houve quem discordasse da constitucionalidade da medida adotada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Os dois principais motivos seriam o uso de uma Medida Provisório, que deveria ser utilizado em situações de urgência, e o uso dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) em habitação.
- Sem ser votada, Medida Provisória do Mandante perde validade
- Medida Provisória que fixa salário mínimo em R$ 1.100 para 2021 é publicada
- Medida provisória volta a restringir acesso de vulneráveis ao BPC
- Anvisa pede a Bolsonaro que sancione Medida Provisória das Vacinas
- Medida Provisória que tornaria permanente o 13º Bolsa Família perde a validade
- Medida provisória da privatização da Eletrobras recebe 570 emendas
- Medida provisória libera R$ 20,2 bilhões para prorrogação do auxílio emergencial
- Entenda a Medida Provisória que muda regras de moderação em redes sociais
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública destacou que o Habite Seguro cumpre a Lei 13.675, de 2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que prevê o apoio e a promoção de sistema habitacional para os profissionais de segurança pública e defesa social.
A Lei aponta que os integrantes do Susp fixarão, anualmente, metas no âmbito das respectivas competências, visando à prevenção e à repressão de infrações penais e administrativas e à prevenção de desastres, que tenham como finalidade apoiar e promover o sistema habitacional para os profissionais de segurança pública e defesa social, entre outros itens.
Especialista em Direito Constitucional pela ESDC e pós-doutor em Direito pela Universidade de Messina, na Itália, Marcelo Válio disse, em entrevista à Carta Capital que a Lei 13.756/18, que dispõe sobre o FNSP, autoriza a destinação de 10% a 15% de recursos para programas habitacionais. Mas apontou que o problema está na forma escolhida pelo governo para criar o Habite Seguro.
“O instrumento jurídico utilizado não foi o correto juridicamente. Não poderia o presidente da República se utilizar deste instrumento normativo [medida provisória], pois ele só pode ser utilizado em caso de relevância e urgência”, disse Válio. Em vez de uma MP, o governo deveria ter apresentado um projeto de lei. “Ademais, a Constituição Federal veda a utilização deste tipo de norma jurídica para fins de diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares. Assim, trata-se de uma medida provisória inconstitucional e com fins oportunistas e político-partidários”, completou o especialista.
Entenda o rito das Medidas Provisórias:
O artigo 62 da Constituição Federal estabelece que as MPs podem ser adotadas pelo presidente da República “em caso de relevância e urgência”. A seguir, devem ser encaminhadas ao Congresso Nacional. Marcelo Labanca, jurista e professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), explica que as Medidas Provisórias, que deveriam ser usadas em casos excepcionais, ao longo dos anos vem se tornando cada vez mais usuais pelos governos.
"O STF vem permitindo que o presidente utilize MPs de maneira aberta, deixa ele decidir o que é urgente e relevante. Então, o Supremo normalmente respeita a discricionariedade política presidencial, dificilmente interfere", destacou. Para além disso, o professor lembra que a MP precisa ser validada pelo Parlamento, mas, antes disso, é preciso analisar essa urgência. "A constituição deu ao Parlamento o controle constitucional sobre a ausência ou não dos requisitos da MP. Se não aceitam, é arquivado e o governo precisa enviar como projeto". As medidas perdem os efeitos quando não são convertidas em lei pelo Poder Legislativo em até 120 dias.
Outro ponto trazido pelo especialista diz respeito a uma suposta falta de isonomia na Medida Provisória. "Há discussão sobre princípio de isonomia. As pessoas se perguntam: por que policiais e não outras classes? O Fundo Nacional de Segurança Pública existe para financiar projetos que melhorem a segurança pública e vejo justificativa jurídica para o uso. A classe dos profissionais da segurança, vários estudos mostram, passa dificuldade por ter membros que habitam em locais próximos a ambiente de criminalidade. Então, há relatos de policiais que precisam retirar a farda, escondem as fardas, há policiais que não podem estender a farda no varal , depois de lavada, para não ser exposto. Assim, o problema da habitação do profissional que combate a criminalidade é real. Fazer política de habitação para essa classe não é só para benefício de uma corporação. Por isso, não vejo ferir a isonomia, é necessidade concreta para fortalecer o sistema de segurança", comentou.
Labanca destaca não ver problema jurídico na MP, mas enfatiza que, politicamente, a base eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, que é composta em parte por profissionais de segurança pública, acaba, sim, sendo beneficiada pela medida. A nova modalidade de financiamento estará disponível aos interessados nas agências da Caixa dentro de aproximadamente 40 dias, devido a trâmites burocráticos a serem realizados após a edição da MP.
Repercussão política
Crítico do Governo Bolsonaro, o vice-presidente da Câmara, o deputado Marcelo Ramos, também destacou que a MP do Habite Seguro é meritória porque protege agentes da segurança. "Jamais serei contra algo que é bom pro Brasil.Não nego o que penso ser bom pro país por questões políticas. A despeito de objetivos ideológicos ou eleitorais, não dá pra deixar de reconhecer o mérito de uma proposta que visa tirar praças da PM de favelas e áreas controladas pelo tráfico e colocar em moradias dignas e seguras", afirmou.
Já o ex-ministro da Justiça de Lula Tarso Genro afirmou ser uma "ilegalidade gritante". "Uma manipulação de verbas públicas e uma violação das leis que regulam a execução orçamentária. Seguramente, vai ter uma manifestação ou do Tribunal de Contas, ou da Procuradoria perante a Justiça, para que seja suspenso esse programa", disse Tarso em entrevista à Rede Brasil Atual.
“Mas uma eventual regulamentação não pode ampliar nem reduzir as finalidades que estão dispostas na lei. Se fizer isso, será a alteração de uma lei por um decreto, absolutamente inconstitucional. E as finalidades do fundo são claras: o projeto tem de ter vínculo com a segurança pública. Seja para a formação de policiais, seja para a instituição de projetos de segurança comunitária. Ou seja , também, de apoio material às guardas municipais, à polícia civil, às polícias militares, vinculados a projetos de segurança pública. Isso que está sendo apresentado é um projeto habitacional e eleitoreiro", concluiu Tarso Genro.
O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, admitiu a importância do programa e as dificuldades orçamentárias do governo, mas fez críticas ao modelo adotado. “Com R$ 100 milhões – considerando só policiais militares, civis e penais, sem bombeiros e guardas –, nós vamos ter cerca de 8 mil pessoas beneficiadas em 2021. Nesse ritmo, levaríamos 40 anos para fazer essa discussão", disse. Ele apontou que o programa não muda a vida dos policiais. "Qual seria o melhor desenho ou modelagem para que o investimento não seja apenas – e aí, desculpe-me a sinceridade – extremamente lucrativo para os bancos e algo que faz diferença mas não muda a vida dos policiais brasileiros?”.
Partidos de oposição têm classificado a medida provisória como esforço do governo Bolsonaro em agradar apoiadores da segurança pública. Já o diretor de políticas da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), Marcelo Moreno, explicou os critérios e as bases legais do programa habitacional, que segundo ele, estão referendados pela legislação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp).
“Para o Habite Seguro, nós fizemos um grande diagnóstico que identificou uma faixa mais vulnerável de 32% dos policiais que não têm o primeiro imóvel. E, dentro da faixa de remuneração de R$ 7 mil reais, vem a perspectiva social do programa, de tirar o policial da condição de vulnerabilidade", salientou. Segundo ele, o programa oferece uma condição diferenciada, mais favorável que a do Programa Casa Verde-Amarelo.
Ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho participou do lançamento do programa e disse ser Participei do lançamento do Habite Seguro e disse ser um "justo reconhecimento a quem dedica sua vida à nossa segurança".
Habite Seguro
O programa tem como prioridade os agentes de segurança com renda bruta mensal de até R$ 7 mil, mas é aberto a profissionais com faixa de renda maior. Será possível financiar até 100% do valor do imóvel, contando com subsídios de até R$ 13 mil, provenientes do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), de acordo com a faixa de renda do profissional. Também serão oferecidas menores taxas de juros nos financiamentos. Neste primeiro ano, foram disponibilizados R$ 100 milhões para custear as operações, a serem realizadas pela Caixa Econômica Federal.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, participou da cerimônia de assinatura da MP no Palácio do Planalto nesta segunda-feira (13). Segundo ele, o programa beneficia não só os profissionais da ativa, mas também os reformados e aposentados. “Ainda este ano, utilizamos até R$ 100 milhões em recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, para subsidiar os financiamentos. Nos próximos anos, além dos recursos desse fundo, contaremos com emendas parlamentares", anunciou.
Imóveis novos e usados
As subvenções poderão ser concedidas para a aquisição de imóveis novos e usados e para o financiamento de construção individual, com valor de até R$ 300 mil. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a aquisição ou a construção da moradia por meio do programa será concedida uma única vez para cada beneficiário e poderá ser cumulativa com outros benefícios habitacionais previstos em lei.
Com Agência Brasil e Agência Senado