Aprovada no Senado com votação maciça da oposição e pela comissão especial que a analisa na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 01/2022 - que vem sendo chamada informalmente de PEC Kamikaze - tem potencial para impulsionar significativamente a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, segundo cientistas políticos entrevistados pelo JC. O texto prevê um aporte de mais de R$ 40 bilhões até o fim deste ano para custear medidas que visam ajudar camadas vulneráveis da população, como beneficiários do Auxílio Brasil, caminhoneiros e taxistas, por exemplo.
Relatada no Senado pelo pernambucano Fernando Bezerra Coelho (MDB), a PEC estabelece um estado de emergência no País e, com isso, possibilita a criação de uma série de medidas assistenciais que normalmente não poderiam ser viabilizadas em um ano eleitoral. Ainda que tenha votado a favor do projeto, a oposição tem dito que a ação é eleitoreira e pode comprometer as contas públicas.
O texto aprovado na Casa Alta amplia de R$ 400 para R$ 600 mensais o valor do Auxílio Brasil e incluiu 1,6 milhão de novas famílias no programa; cria um voucher de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos; aumenta de R$ 53 para o valor de um botijão a cada dois meses o valor do vale-gás; compensa os Estados pela gratuidade para idosos no transporte público; repassa R$ 500 milhões para o programa Alimenta Brasil, entre outras ações.
Em artigo publicado na última terça-feira (5), FBC afirma que o Senado aprovou a PEC para "minimizar a crise que aflige o País e aliviar o sofrimento das famílias vulneráveis", e que a matéria "enfrenta o desafio inadiável de oferecer alento e dignidade para 33 milhões de brasileiros que estão passando fome". O senador cita, ainda, dados do Mapa da Nova Pobreza, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que apontam que 62,9 milhões de brasileiros vivem com menos de R$ 497 por mês, dos quais 4,8 milhões moram em Pernambuco.
O cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, porém, enxerga a medida como uma espécie de drible à legislação eleitoral, além de uma tentativa do presidente Bolsonaro e dos próprios parlamentares de contabilizar lucros políticos.
"A vulnerabilidade da população não surgiu hoje. Se o governo tivesse feito propostas ou ações estruturantes, com educação, com requalificação profissional, com um combate efetivo da pandemia, valorizando a vacinação - pois quem está vacinado poderia voltar a trabalhar antes -, isso tudo não estaria acontecendo agora. Essa proposta demonstra que no Brasil infelizmente fugir das regras, das leis, compensa. O desejo do presidente ser reeleito é um fato. O Senado ter aprovado a PEC com apenas um voto contrário mostra a dimensão do problema em que nós nos encontramos. Porque político, independentemente de coloração partidária, acaba, em período eleitoral, assumindo pautas que são absolutamente populistas e eleitoreiras", observou o analista.
De acordo com pesquisa Datafolha divulgada no final de junho, o ex-presidente Lula (PT) estaria 19 pontos percentuais à frente do segundo colocado no levantamento, o presidente Bolsonaro. Na visão do cientista político Roberto Gondo, a pressão que o militar da reserva estaria sofrendo diante desse cenário seria outra razão para o empenho de alas do governo pela aprovação da PEC.
"Do ponto de vista da comunicação estratégica, essa proposta foi uma tentativa clara de se criar um paliativo para amenizar a insatisfação da população frente à atual gestão. Há uma movimentação do governo Bolsonaro diante da sua base, tentando desesperadamente gerar dois ou três meses de uma pseudo segurança, um viés de assistência maior à população mais desamparada, mas nós sabemos que isso vai gerar um problema grave no orçamento, que já está estourado. Estão jogando todas as fichas para tentar reverter os estratos eleitorais", pontuou Gondo.
Entre deputados federais pernambucanos, os possíveis impactos da aprovação da proposta dividem opiniões. Daniel Coelho (CID), por exemplo, diz que "tudo o que o governo faz tem impacto eleitoral", sobretudo quando esses movimentos ocorrem perto da eleição. O parlamentar afirma, no entanto, que a análise que precisa ser feita pelo Congresso sobre o tema deve estar ligada à "agenda real da vida do cidadão", não a questões eleitorais.
"O brasileiro está sofrendo, com desemprego em alta e pagando caro a conta da inflação. A Câmara dos Deputados foi protagonista da diminuição do ICMS. Deputados estão em contato direto com a população e sabem que não dá para lavar as mãos num momento de tamanha crise. Evidente que essas medidas são paliativas, pois o País continua sem planejamento para um crescimento econômico sustentável. Desde a consolidação do Plano Real que os governos brasileiros correm atrás das crises sem liderar caminhos para o futuro. Já são duas décadas com um país em crise, quase permanente", observou.
O deputado Carlos Veras (PT), por sua vez, crê que a parcela da população que avalia mal o atual governo não vai mudar de ideia por conta da mudança na Constituição. "Pesquisas mostram que retrocedemos 30 anos com este governo. E o que está em discussão é o mínimo; o Brasil merece e pode oferecer muito mais às pessoas. Além disso, o povo brasileiro sabe muito bem que essa medida é apenas eleitoreira. Bolsonaro nunca se preocupou com as pessoas, negou a ciência na pandemia, dificultou a vacinação, desmontou todas as políticas de combate à fome. O Brasil está cansado de Bolsonaro", disparou o petista.