A comunidade do Arco-Íris se chama assim por causa de uma tubulação da Compesa, em formato de arco, que a população usa como ponte para atravessar até o bairro da Campina do Barreto, no Recife. Fosse pelas cores, definitivamente, não teria este nome. Este Arco-Íris tem tons de cinza, da cor da pobreza do lugar, que choca e entristece.
Só quem conhece o local consegue encontrar o Arco-Íris, uma rua estreita 'escondida' na Campina do Barreto. É um beco comprido, que a vista não consegue alcançar até o final. Quem entra lá tem a sensação de se desconectar da cidade e penetrar em um universo particular.
Crianças nuas e descalças brincam na rua sobre a terra preta e o esgoto. Chama atenção as raríssimas casas de alvenaria. De um lado e do outro da rua, barracos improvisados, construídos com restos de madeira, desafiam as leis da gravidade e mal se equilibram. Lixo, muito lixo toma conta do lugar. Bichos mortos apodrecendo dentro do canal arrematam o cenário desumano.
Silenciada e invisibilizada, a comunidade do Arco-íris pede socorro. A presença do Poder Público no lugar é vagamente lembrada por duas ironias. Uma bandeira de Pernambuco desbotada e rasgada, tapando a entrada de um barraco e cartazes da Prefeitura do Recife dizendo que a PCR esteve ali.
O material da PCR é para lembrar a possibilidade de obter informações sobre o Auxílio Emergencial por QR Code. Em um lugar que não tem banheiro, saneamento, água e comida (em muitos casos) é, no mínimo, improvável, celulares com QR Code. A tentativa de um diálogo tecnológico com a população destoa do ambiente.
O Arco-Íris é um bolsão da extrema pobreza em Pernambuco. O local tem cerca de 3 mil habitantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
A pandemia, a inflação e a perda de renda deixaram um número ainda maior de pessoas sem ter o que comer. Muitas famílias vivem da reciclagem para conseguir algum dinheiro.
"Parece que estamos em um país pobre da África, como a Etiópia. Aqui a população é carente de tudo. Estão precisando de alimentos, não tem saneamento, a maioria das casas não têm banheiro e a água é puxada por mangueiras de uma residência para outra", diz o líder comunitário Carlos Alberto Veridiano.
Dario, como é conhecido, confessa que se surpreende com a situação da comunidade do Arco-Íris.
Há 18 anos atuando como líder comunitário em várias localidades, ainda se assusta com a precariedade do lugar. Ele carrega esse apelido por conta do craque brasileiro Dadá Maravilha, porque já foi jogador do Santa Cruz e porque tem um trabalho de futebol com jovens na Campina do Barreto.
A mesma percepção tem a presidente da Central Única das Favelas (Cufa) em Pernambuco, Altamiza Melo.
Ela diz que das andanças da Cufa pelas comunidades para distribuir cestas básicas e realizar programas de empreendedorismo e capacitação, espantou-se com a condição do Arco-Íris.
"Estamos acostumados a lidar com situações de pobreza, mas o Arco-Íris nos espantou. Parece realmente que nos transportamos para a África. Quase nenhuma casa de alvenaria, crianças nuas e barrigudas pelas ruas, muita miséria. Um cenário que estava mais difícil de encontrar, mas que voltamos a presenciar", conta, dizendo que também chamou negativamente sua atenção a comunidade 13 de Maio, em Casa Amarela.
Moradora da comunidade há 13 anos, Hosana Francisca da Conceição, 47, reclama da ausência do Poder Público no local e das condições subumanas que se perpetuam.
"Durante todo esse tempo que vivo aqui com meus dois filhos, a situação do Arco-Íris é a mesma. Vivemos no meio do lixo, do esgoto, não tem banheiro, não tem água. Essa tubulação da Compesa que fazemos de ponte não é uma ponte e as pessoas vivem caindo. Esses dias morreu um jovem que abriu a cabeça na queda e não resistiu. Foi horrível", conta.
Nos últimos anos, com o avanço da extrema pobreza, a comunidade foi aumentando de tamanho.
Na próxima semana, o Instituto Vizinhos Solidários, com sede no Pina (Zona Sul do Recife), vai fazer uma ação na favela do Arco-íris. A data exata está sendo definida. A presidente do Instituto, Eduarda Fernandes, sensibilizou-se com a história da comunidade e vai fazer uma doação de alimentos.
O pessoal do Instituto será acompanhado pelo líder comunitário Dario. A ação está prevista para começar a partir das 7h. Criada durante a pandemia para minimizar a situação de quem estava passando fome, o grupo de voluntários cresceu e se transformou em um Instituto.
Hoje os Vizinhos Solidários atendem a 8 mil pessoas por mês em Recife, Olinda, Jaboatão e mais 22 municípios de Estado. São 32 voluntários e 7 funcionários, além de 870 doadores pessoa física e 34 empresas parceiras.
O Instituto distribui 200 marmitas por dia. Além disso, faz a distribuição de 1.300 cestas básicas e atendem a 611 famílias no Mercado Solidário.
Dados do Mapa da Nova Pobreza, realizado pela FGV Social, mostram que Pernambuco foi o Estado em que a pobreza mais avançou no Brasil em 2021, com taxa superior a 8%. Hoje são 1,6 milhão de pobres e outros 500 mil extremamente pobres entre a população total. A comunidade do Arco-Íris faz parte desta estatística, condenada à invisibilidade.
No final de 2020, 19,1 milhões de pessoas não tinham o que comer no País. No ano seguinte, a nação viveu um revés e, em menos de uma década, voltou ao vergonhoso Mapa da Fome da ONU, depois de sair desta condição em 2014.
Em 2022, o Brasil viveu outro retrocesso: a fome alcançou 33,1 milhões da população, um recorde nacional, atingindo 15,5% das pessoas. Isso quer dizer que 14 milhões de novos brasileiros foram empurrados para a situação de fome em pouco mais de um ano. É como se quase toda a população da Bahia não tivesse o que comer.
Os dados estão no II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
Ao longo da história, a fome mantém algumas peculiaridades. Ela é maior no Norte e Nordeste, entre a população negra, nos lares chefiados por mulheres, nas residências com crianças, quando o chefe de família tem baixa escolaridade e a renda vem do trabalho informal.
No Nordeste, quatro em cada dez famílias convivem com a fome. Nas residências comandadas por pessoas negras, a fome saltou de 10,4% para 18,1% entre 2020 e 2022. Nos lares em que a mulher é a pessoa de referência, a fome passou de 11,2% para 19,3%. Nas casas com crianças menores de 10 anos, a falta de comida praticamente dobrou de 9,4% para 18,1%.
Nos casos em que o chefe de família tem baixa escolaridade, o problema cresce de 14,9% para 22,9%. Quando o trabalho de quem comanda a família é informal, a insegurança alimentar avança de 14.3% para 20,3%.