Apesar de leis assegurarem o direito das mulheres, elas convivem, dia a dia, com diversas situações de desrespeito e violações ao seu corpo. Na última quarta-feira (5), uma jovem de 21 anos foi vítima de importunação sexual dentro de um ônibus enquanto seguia para o trabalho, em São Paulo. Ela chegou a gravar um vídeo do momento em que um desconhecido passava a mão nela. Casos como esses, infelizmente acontecem em todo lugar, muitas vezes não chegam nem a ser denunciados pela vítima, seja por medo, vergonha ou por não saber que determinados comportamentos por parte do agressor trata-se de um crime.
Sancionada em 24 de setembro de 2018, a Lei da Importunação Sexual, de número 13.718, alterou o Código Penal e configurou como crime "praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro". A pena para o crime é de reclusão de 1 a 5 anos, caso o ato não constitua crime mais grave.
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Na prática, entende-se como crime de importunação sexual cantadas de forma invasiva, beijar a pessoa à força, sem consentimento, passar a mão em partes íntimas, esfregar o órgão sexual na outra pessoa sem seu consentimento.
"A Lei tem como objetivo proteger as mulheres em espaços públicos, em especial nos coletivos, onde tem maior ocorrências e maior constrangimento da vítima", explicou a cofundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha, Regina Célia.
Uma pesquisa realizada pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, em parceria com a Uber, em 2019, constatou que 97% dizem já ter sido vítimas de assédio sexual em meios de transporte. Apesar do assédio se configurar dentro de uma relação de hierarquia, a pesquisa revela que entre as situações pelas quais as mulheres já passaram nos transportes estão receber comentários de cunho sexual, ser encoxada (situação em que o homem esfrega o órgão sexual nela) e passarem a mão em seu corpo, sendo este último o caso da vendedora Ingrid Silva Calomino, de 21 anos.
Segundo a queixa registrada na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) em São Paulo, na quarta-feira (5), a jovem pegou um ônibus em direção ao seu trabalho e se sentou em um banco na penúltima fileira de assentos. Um idoso estava sentado atrás.
A jovem informou ao portal G1 que, durante o trajeto, sentiu a mão do homem em seus cabelos, depois nas suas costas, na lateral do seu corpo e tocou em seu seio. Apesar de nervosa, a vendedora não se intimidou e resolveu gravar a cena pela câmera de seu celular. Veja o vídeo gravado por Ingrid:
A vendedora afirma que havia mais pessoas no ônibus, no entanto, ninguém a apoiou. Ela desceu do transporte e foi para o seu local de trabalho. Após isso, prestou queixa na DDM e a Polícia Civil do Estado investiga o caso.
Segundo Regina Célia, quando a vítima sofre uma violência sexual a tendência é que ela fique paralisada pelo constrangimento, não saiba como agir no momento, e fique se perguntando se aquilo está acontecendo com ela mesmo. "Em casos de importunação sexual ou estupro, que é um outro tipo de crime e pode ser caracterizado quando o homem usa a força física para prender a mulher e ejacular nela, é necessário que o motorista parem o ônibus e prestem socorro à vítima, levando ela para uma delegacia mais próxima", falou a especialista.
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À reportagem do JC, Regina também explicou que muitos homens já entram dentro dos coletivos com o propósito de vitimizar mulheres. Portanto, para ela, é recomendável que o sistema de transporte utilizasse câmeras para intimidá-los. Além disso, ela acredita que educação seja uma saída para sensibilizar os trabalhadores e usuários dos transportes.
"É necessário que as empresas abram as portas para treinamento e palestras com o objetivo de sensibilizar os usuários dos transportes sobre importunação sexual, que além de mulheres também pode vitimizar crianças e idosos", disse.
Um outro fator que assombra mulheres vítimas de crimes sexuais é a questão da grande exposição que ela sofre após denunciar o caso, sem saber, ao menos, se o criminoso será de fato punido pelo crime. Nessa semana, o resultado do julgamento do empresário André de Camargo Aranha, que foi inocentado da acusação de ter estuprado a influencer Mariana Ferrer, em 2018, em Florianópolis causou revolta nas redes sociais.
Imagens do julgamento do caso, mostram o advogado do acusado utilizar fotos de Mariana para dizer que Mariana "não é santa". Além disso, o homem também fala que "Graças a Deus não tem uma filha do nível dela" e que "também pede a Deus que seu filho não encontre uma mulher feito ela”. Na ocasião, aos prantos, Mariana pediu por respeito.
Uma questão muito importante dentro de toda essa problemática é que se o caso de Mariana, que repercutiu nacionalmente, foi tratado dessa forma, como fica a situação de tantas outras mulheres anônimas que decidem denunciar um crime de violência sexual? Apesar do medo, da vergonha e de toda dúvida, é importante, sim, que o crime seja denunciado.
"O silêncio fortalece impunidade e a ignorância garante a injustiça. A gente precisa acabar com isso. O autor espera da vítima que ela fique desconfortável, constrangida, que queira enterrar a cabeça e fugir do mundo. É importante reverter as regras do jogo, quantos mais pessoas souberem da situação menos espaço de locomoção o agressor vai ter. Ele também deve ser intimidado e responder pelo crime que cometeu", concluiu Regina Célia.
O Ligue 180 é um serviço disponibilizado pelo Governo Federal que realiza o enfrentamento à violência contra a mulher. Através do número é possível realizar denúncias de violações contra as mulheres. A central responsável por realizar o atendimento encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos. O telefone também pode ser utilizado por mulheres que estejam enfrentando situação de violência e buscam orientação, elas serão direcionadas para os serviços especializados da rede de atendimento. No Ligue 180, ainda é possível se informar sobre os direitos da mulher, a legislação vigente e a rede de atendimento e acolhimento de mulheres em situação de vulnerabilidade.
Mulheres que forem vítimas de violência devem procurar uma delegacia de polícia mais próxima, podendo ou não, ser especializada em crimes contra as mulheres. Ao realizar a denúncia, as mulheres podem solicitar medidas protetivas. É dever do responsável pela delegacia encaminhar o pedido em até 48 horas. A solicitação deverá ser julgada por um juiz no mesmo prazo, 48 horas. Caso o pedido seja aceito, a mulher deverá ser comunicada.