O Tribunal Distrital de Roterdã definirá até 21 de setembro de 2022 se vai aceitar julgar o processo movido por moradores de Maceió contra a Braskem. A empresa, cuja sede é localizada na Holanda, é acusada de ter "afundado" cinco bairros da cidade brasileira. Representantes de áreas afetadas participaram de audiência na cidade holandesa nessa terça-feira (17).
Foram quatro horas e meia de audiência, que contou com depoimentos de três pessoas entre as 55 mil que precisaram deixar suas casas em Maceió por afundamento de solo. Mais de 14 mil imóveis foram condenados nos bairros de Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e Farol, supostamente danificados por mineração de sal-gema feita pela empresa.
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A ação pleiteia indenizações integrais pelos danos morais e materiais sofridos, e é movida pelo escritório de advocacia internacional PGMBM em parceria com os escritórios brasileiros Araújo Advogados Associados e Omena Advocacia.
“Hoje foi possível argumentar e apresentar nossos pontos para a Corte. Já temos uma data para a decisão e estamos extremamente confiantes”, afirma Pedro Martins, advogado sócio do PGMBM. A brasileira Braskem S.A. é uma das 4 rés do processo, junto a três subsidiárias do grupo sediadas na Holanda.
A expectativa do grupo é de um processo judicial mais rápido e compensações mais justas aos atingidos se a jurisdição holandesa for aceita. “No Brasil, a Braskem oferece indenizações por danos morais de valor fixo por núcleo familiar e não para cada indivíduo afetado”, diz Martins.
Para ele, a Braskem não assume sua responsabilidade pelo desastre. “Este é mais um caso de grandes empresas que não têm consideração pelas pessoas que vivem nos locais onde suas atividades são desenvolvidas, nem pelo meio ambiente, que está sendo prejudicado”, afirma.
A situação enfrentada pelos moradores de Maceió é considerada pelo Observatório da Mineração como “o maior desastre geológico em área urbana em andamento” no mundo”.
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Em maio de 2019, relatório produzido pelo Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil responsabilizou a mineração de sal-gema feita pela petroquímica (controlada pelo grupo baiano Odebrecht, agora “Novonor”) pelos danos à integridade estrutural de propriedades na capital alagoana.
Para os moradores que movem a ação contra a empresa, levar o caso àquele país é um caminho para se obter justiça.
“Até hoje eu tenho muito medo de um novo desastre acontecer, já que eu ainda vivo no bairro Bom Parto. Se eu ouço um barulho, eu fico com medo. Eu não vejo nenhuma solução justa oferecida pela Braskem, até agora, para os danos que causou ao meu negócio e para toda a comunidade. Além disso, o valor oferecido por eles é inaceitável", disse José Fernando Lima Silva, 58 anos.
A Braskem informou que vem acompanhando o processo e que tem apresentado suas manifestações nos autos.
Danos além de materiais
Nascida e criada no bairro Pinheiro, Maria Rosângela Ferreira da Silva, 58, relatou os graves impactos a sua saúde causados pelo desastre.
"Logo depois dos primeiros tremores, eu estava em pânico e comecei a morar com outros familiares. Nós revezávamos turnos dormindo, com medo de que a terra fosse afundar a qualquer momento e nós teríamos de fugir. Hoje ainda vivo com ansiedade, não consigo dormir e estou constantemente com medo de que algo similar aconteça novamente.”
O líder comunitário da associação de bairro da Gruta do Padre, José Ricardo Batista, 56, ressaltou para a corte que os danos vão muito além dos materiais.
“Eu perdi contato com meus velhos amigos e vizinhos, que eram como uma família. Eu também fiquei muito triste em descobrir que a casa da minha finada mãe, que era no local do acidente, não existe mais. Eu perdi todas as memórias da minha família com a casa. Por causa da Braskem, fui forçado a mudar para outra casa e outro bairro e agora vivo num lugar onde eu não me sinto feliz ou seguro", afirmou.