Quem se dispuser a fazer uma caminhada pelo belo pedaço de praia entre os municípios de Tamandaré e Barreiros, no Litoral Sul de Pernambuco, vai esbarrar em duas casas construídas no meio do caminho, em Mamucabinhas. Espremida entre o mar e o mangue, parte dos imóveis fica na Área de Preservação Ambiental (APA) Costa dos Corais, sob gestão do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). A Justiça Federal já ordenou a demolição de uma delas, mas o dono recorreu e o processo está tramitando na Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF).
As duas casas impressionam pelo tamanho e localização. Construídas numa área de difícil acesso – a estrada é de terra batida e corta o manguezal – a pouco mais de 7km de Tamandaré, ambas têm dois pavimentos e piscinas. Do lado de fora, é possível ver barcos e motos aquáticas na garagem. Na frente, um muro de pedras e outro de troncos de coqueiro, amarrados com varão de ferro, com cerca de 75 metros de comprimento. Havia ainda uma espécie de palhoça em frente aos imóveis, mas o mar não deixou a intromissão impune e destruiu a estrutura. O muro de troncos também não suportou o impacto das ondas e caiu. Até hoje, as pedras do primeiro muro continuam na praia.
Nos fundos das casas, por onde o banhista é obrigado a passar se quiser continuar sua caminhada, há um muro de arrimo, feito de pedras dentro do manguezal do Rio Mamucabas. O espaço que restou para os pedestres é uma faixa de terra de cerca de dois metros de largura entre a parede do quintal e a vegetação protegida por lei.
Autuado pelo Ibama em dezembro de 2008, o empresário Antonio Claudio Cysneiros Cavalcanti Júnior, proprietário de uma das casas, admite, no recurso impetrado, que construiu o imóvel ancorado num alvará concedido pela Prefeitura de Barreiros – sem competência para tanto, pois o terreno é de marinha, propriedade da União. Não tinha autorização da Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU-PE) nem licença ambiental do ICMBio, conforme o processo nº 0011232-47.2009.4.05.8300.
No decorrer da ação civil, ele apresentou uma licença da Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH), de março de 2010, para construção de “dois flancos (muros) de contenção nas extremidades Norte e Sul, na frente dos lotes 1 e 2 na Praia de Mamucabinhas, no município de Tamandaré-PE, com 50 e 75 metros respectivamente, e revestidos com troncos de coqueiros e cascos de coco secos para conter a erosão marinha”. Esse documento foi refutado pela Procuradoria da República em Palmares por entender que somente o ICMBio poderia emitir autorização.
“Nem um muro poderia ser construído ali, pois a dinâmica do mar é muito intensa”, explica o gestor da APA Costa dos Corais, Paulo Roberto Correia, acrescentando que os recifes de coral ficam a menos de dois metros do muro da casa. “Se ele tivesse licença, teria sido emitida de forma irregular, pois a APA não foi ouvida”, completa.
A concessão de licenciamento pela CPRH para construção dos muros de contenção gerou um processo criminal contra o então diretor de Gestão Territorial e Recursos Hídricos do órgão, Nelson José Maricevich Ramirez, movido pela Procuradoria de República em Palmares. Além de Antonio Claudio Cysneiros, o documento também beneficiava o deputado federal Augusto Coutinho (Solidariedade), proprietário da outra casa, contrariando inclusive um parecer técnico da Unidade de Gestão Costeira da CPRH (antiga Gerco), que solicitou indeferimento do pedido.
Numa vistoria feita em agosto de 2009 em conjunto com o ICMBio, a Gerco constatou que parte dos imóveis estava dentro da faixa de proteção dos 33 metros a partir da linha de preamar. Já o muro de pedras, construído em 2008 e derrubado pelo mar, foi apontado como responsável por potencializar a erosão no local (Relatórios técnicos nº49/2009,fls. 108/112).
Além da demolição da casa, a Justiça Federal determinou pagamento de indenização e reparação dos danos causados ao meio ambiente. Para erguer o casarão literalmente na beira da praia, uma área de restinga foi aterrada. O muro dos fundos também está a menos de 10 metros da margem do Rio Mamucabas e o muro da frente (que desabou) impedia o fluxo da maré.
O Ibama constatou ainda que a escavação na praia para construção do muro de contenção causou dano direto à APA. Por isso, os donos foram multados pelo ICMBio. “O aumento da remoção de areia deixa a água mais turva e esses sedimentos acabam sendo depositados sobre os recifes de coral”, explica Paulo Correia.
“Agora, cabe ao TRF decidir se reforma ou mantém a decisão da primeira instância, que determina a demolição da casa e reparação dos danos ao meio ambiente”, explica a procuradora da República em Palmares, Sílvia Lopes Pontes. Se perder, o réu ainda poderá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).