Voluntários que trabalhavam ontem na retirada de manchas de óleo de praias do Cabo de Santo Agostinho, município do Grande Recife, chamaram a atenção para a ausência dos governos federal, estadual e municipal nas ações de limpeza. “Há muitos voluntários ajudando, mas falta alguém para orientar com apoio técnico, não tem ninguém para dizer o caminho certo, a gente fica meio perdido e vai reproduzindo o que as outras pessoas estão fazendo”, declara a estudante de gastronomia Amanda Silva, 23 anos, que participava do mutirão na Praia do Paiva.
Moradora de Jaboatão dos Guararapes, município vizinho ao Cabo de Santo Agostinho, Amanda Silva chegou às 10h no Paiva e se deparou com o piche espalhado na areia. “Eram muitas camadas pretas na praia, se a gente tivesse uma orientação o resultado do trabalho poderia ser mais eficaz”, diz. “O responsável pelo derramamento de óleo deve pagar por isso e o governo federal precisa emitir um posicionamento sobre esse acidente”, acrescenta a estudante. Ela usava luvas e máscara para recolher o piche.
O assistente social Luiz Henrique Lopes da Silva Júnior, 35, entrou no mar, na Praia de Itapuama, sem luvas ou qualquer outro equipamento de proteção para tirar pedaços de óleo de dentro d’água. “Aqui está faltando basicamente tudo porque tudo o que a gente recebeu veio de doação de populares, não ouvi ninguém dizer que a prefeitura trouxe alguma coisa, a não ser os trabalhadores deles (garis), mas isso é parte da obrigação do município”, destaca Luiz Henrique Júnior.
“Resolvi fazer a limpeza sem equipamentos de proteção porque não ia ficar de braços cruzados vendo uma situação dessa no lugar onde moro há 21 anos. Isso nunca tinha acontecido e agora temos de nos mobilizar mesmo. Mas quem tem de se mobilizar mais ainda é o poder público. E é disso que a gente está sentindo falta, de uma autoridade política aqui para sentir o que a gente está sentindo na pele, para melar as mãos como a gente está fazendo”, destaca Luiz Henrique. Ele disse que encontrou peixes e caranguejos mortos.
O engenheiro ambiental Harley Belo, 39, fez as mesmas observações de Luiz Henrique e aproveitou para criticar a falta de orientação técnica na limpeza na Praia de Itapuama. “O cordão humano que você viu para facilitar a retirada dos sacos de piche das pedras e levá-los para uma área da praia onde pudessem ser recolhidos pela máquina (retroescavadeiras da prefeitura) foi organizado por mim”, informa Harley Belo, morador da Vila de Nazaré, no Cabo. “É uma tristeza isso que está acontecendo”, lamenta.
Na avaliação do ex-secretário de Meio Ambiente de Pernambuco, Sérgio Xavier, que ajudou a recolher manchas de óleo no Cabo, ontem, os governos estadual e municipais até estão tentando agir, mas esbarram na falta de um plano de contingência. “Sem modelos previamente planejados de coordenação, fica tudo nas mãos do povo, dos voluntários. Essa grande coordenação cabe ao governo federal, trata-se de uma tragédia ambiental num oceano, a extensão é gigantesca”, declara Sérgio Xavier.
O secretário de Serviços Públicos do Cabo, Raimundo Souza, disse que a prefeitura orienta os voluntários e colocou nas praias, ontem, 70% da equipe de limpeza. “Pedimos às pessoas para não manusear o óleo sem luvas e botas. Todas as máquinas da prefeitura estão disponíveis para retirar esse material, estamos fazendo a nossa parte, mas precisamos de apoio porque o desastre ambiental é muito grande, todo o litoral do município (24 quilômetros de extensão, divididos em nove praias) foi afetado”, diz ele.
De acordo com Raimundo Souza, a Defesa Civil do Estado enviou 300 kits (luvas, botas e máscaras) domingo, mas a quantidade é insuficiente para o número de voluntários. “O governo federal deveria ter colocado contenção no alto-mar para não deixar esse material perigoso chegar à praia, nosso estuário e os recifes de corais de Itapuama ao Paiva foram atingidos. Tiramos 40 toneladas só de Itapuama hoje (ontem) pela manhã.”
O Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, José Bertotti, disse que a Defesa Civil do Estado e técnicos da Agência Pernambucana de Meio Ambiente (CPRH) estão orientando a população para o uso correto de equipamentos de proteção individual (EPI). Ontem, o Ministério do Desenvolvimento Regional prometeu enviar EPIs para os voluntários que atuam na limpeza das praias do Nordeste.
De acordo com especialistas, o poluente pode desencadear doenças respiratórias e de pele. Para o médico toxicologista Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência Toxicológica da Universidade de São Paulo (USP), o contato com a substância é semelhante ao ato de inalar ou passar gasolina ou querosene na pele.
"O petróleo é resultante da decomposição de matéria orgânica presente no planeta há milhões de anos, formando uma mistura de hidrocarbonetos como tolueno, xileno, benzina e benzeno. Sendo assim, o risco se assemelha ao de inalar ou passar gasolina ou querosene na pele", afirma.