Uma lição de vida

Professora vence adversidades de quem mora em uma comunidade pobre. Fez faculdade, mestrado e vai concluir o doutorado
Margarida Azevedo
Publicado em 14/12/2013 às 17:12
Professora vence adversidades de quem mora em uma comunidade pobre. Fez faculdade, mestrado e vai concluir o doutorado Foto: Clemilson Campos/JC Imagem


A professora Sandra Cristina da Silva, 36 anos, pode ser chamada de doutora a partir de amanhã. Vencendo as adversidades de morar em um local pobre, a comunidade Entrapulso, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, e fazer parte de uma família humilde, ela concluiu a educação básica, fez faculdade de história, cursou especialização e mestrado, tudo em instituições públicas de ensino. Amanhã, defenderá sua tese de doutorado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Com persistência, ela mostra que o contexto social não é desculpa para se acomodar e mudar de vida.

Não à toa o tema que escolheu para o doutorado foi como a educação proporcionou a emancipação da mulher. “Concluir o doutorado é para mim uma satisfação sem precedentes. Moro em uma comunidade pobre, mas extremamente diversa. Algumas vezes sofri discriminação, pois muitas pessoas julgam os outros pelo lugar em que moram, pelo saldo da conta bancária, pela roupa que vestem e não pela essência. Valorizam o ter em detrimento do ser”, ressalta Sandra, que nos fins de semana estudava com protetores de ouvido para não escutar o som alto das casas vizinhas.

Trabalhando desde os 14 anos, quando estava no último ano do ensino fundamental, Sandra tinha que conciliar a rotina de labuta diária com a escola. “Foi meu maior desafio. Trabalhava durante o dia, numa escola longe de casa, e estudava à noite. Sou a caçula de quatro irmãos e fui a primeira da família a cursar universidade. Passei no vestibular na terceira tentativa. Meus pais, apesar da pouca instrução que receberam, nunca mediram esforços para que estudássemos. E cobravam isso de nós. Desde pequena, sempre fui obstinada e dizia que iria ‘fazer faculdade’”, conta a professora de história, que leciona na rede estadual de ensino.

Sua determinação motivou os três irmãos mais velhos a seguirem o mesmo caminho escolar. Um dos irmãos é formado em administração e o outro em direito, ambos cursados em faculdades privadas, pagas com bolsas. A única irmã vai concluir pedagogia ano que vem na UFPE. “Minha mãe era empregada doméstica e meu pai, fotógrafo. Uns oito anos atrás consegui bancar a casa e fazer com que ela parasse de trabalhar fora e se dedicasse apenas a fazer artesanato, coisa de que mais gosta”, explica Sandra. O pai está aposentado e é separado da mãe dela, mas sempre foi um grande incentivador da caçula.

“Não tenho palavras para dizer o quanto estou orgulhoso de ter uma filha doutora. Estudei pouco, meu pai era da zona rural e não tinha essa mentalidade da importância de estudar. Nunca abri mão de que meus quatro filhos estudassem”, afirma Antônio Francisco da Silva, pai de Sandra. “No início do ano dizíamos a eles que quem fosse reprovado ficaria como vigia da casa no fim do ano. Viajávamos todos para o interior. Uma vez um dos meninos repetiu de ano e teve que ficar cuidando da casa. Depois disso, nunca mais nenhum deles foi reprovado”, relata Antônio.

Para fazer o doutorado, Sandra teve bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o que lhe proporcionou viagens a Natal (RN) e São Paulo (SP) para complementar a pesquisa. A professora foi também às cidades de Porto e Gaia, ambas em Portugal, onde ficou seis meses, entre março e agosto do ano passado.
 
Se deseja com sua história influenciar outras pessoas da comunidade Entrapulso? “Digo sempre aos meus alunos um pensamento de Mandela: O sonho é impossível até que alguém o torne realidade. Independentemente das circunstâncias, mesmo com dificuldades, ir atrás dos sonhos depende do primeiro passo e de seguir adiante. Como eu consegui, qualquer pessoa pode”, diz Sandra, que planeja tornar-se professora universitária. Com a garra que tem não será difícil realizar mais esse desejo.

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