Núcleos de triagem para catadores de lixo sobrevivem em condições precárias

No último dia da série, levantamento mostra a situação difícil em cinco núcleos apoiados pela Emlurb
Wagner Sarmento
Publicado em 27/03/2013 às 6:31
No último dia da série, levantamento mostra a situação difícil em cinco núcleos apoiados pela Emlurb Foto: Bobby Fabisak/JCImagem


Lixões cobertos. Nenhum outro termo define melhor os núcleos de triagem mantidos no Recife. Os galpões que acolhem os catadores que atuam em cooperativas – mesmo sob a tutela da prefeitura – subsistem em condições precárias. O drama dos carroceiros não se encerra nas ruas. Vai bem além dos perigos da noite e dos riscos de remexer o lixo alheio. Entra nos centros de triagem, que funcionam longe de um padrão aceitável. A realidade de desordem urbana e insalubridade foi relatada em pesquisa realizada dois anos atrás pela arquiteta Nadja Granja e ratificada na última semana pela reportagem do JC.

O levantamento de Nadja se baseou em visitas realizadas aos cinco núcleos apoiados pela Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb): Associação O Verde é Nossa Vida, na Imbiribeira; Cooperativa da Torre, no bairro de mesmo nome; Cooperativa Esperança Viva, Cooperativa de Agentes de Gestão de Resíduos Sólidos (Coopagres) e Núcleo do Gusmão, todos em São José.

A pesquisadora encontrou nos locais uma série de problemas: carroças nas calçadas, lixo nas ruas, estrutura física deficiente, condições higiênicas inadequadas e presença de vetores de doenças. “A única diferença para os lixões é que nos núcleos de triagem não há chorume (líquido gerado pela decomposição de material) e urubus”, afirma.

A única diferença para os lixões é que nos núcleos de triagem não há chorume (líquido gerado pela decomposição de material) e urubus

arquiteta Nadja Granja

As mazelas saltam o relatório e se perpetuam no tempo. O Jornal do Commercio esteve no Esperança Viva e se deparou com um cenário que não recicla a dignidade humana. Descarta. Já na entrada da cooperativa, o retrato do descaso do poder público. A Rua do Peixoto, no bairro de São José, área central do Recife, virou depósito de lixo. Os caminhões da coleta seletiva despejam todo o material na via e nas calçadas. As carroças se amontoam. Veículos maiores ficam impedidos de transitar, como um ônibus, flagrado pela reportagem, que transportava garis e teve que dar meia-volta. Automóveis passam, mas pisando os entulhos. Crianças brincam entre as pilhas de papelão e plástico. Algumas ajudam num trabalho que é desumano até mesmo para os adultos.

Crianças brincam entre as pilhas de papelão e plástico. Algumas ajudam num trabalho que é desumano até mesmo para os adultos

“Deviam dar uma condição melhor para a gente. O caminhão descarrega tudo na rua porque o galpão é muito pequeno, não cabe mais nada dentro. Aí nós somos obrigados a catar o lixo no sol quente”, disse Antônio Zuma Monteiro, 48 anos, diretor e um dos 19 catadores do local. “A gente precisa de um lugar maior. Ninguém gosta de ter que botar carroça no meio da rua, de atrapalhar o povo, mas aqui não tem outro jeito”, completa.

Do lado de dentro do imóvel, no entanto, a situação não é muito melhor. O calor insuportável incomoda. Torna a tarefa ainda mais árdua. No inverno, o castigo é maior: telhas quebradas aos montes formam goteiras que, segundo a catadora Luciana Carneiro, 35, enchem o imóvel de água. “Seria bom se o prefeito Geraldo Julio viesse conhecer aqui e olhasse por nós. Nosso sonho é ir para um lugar melhor”, desabafa ela, esgotada de esperar.

Os catadores trabalham sem luvas, botas ou capacetes num ambiente hostil, sujeitos a contrair doenças. Um rapaz diz que a prefeitura às vezes ajuda colocando veneno de rato no local, mas há mais de mês ninguém aparece. No meio da conversa, uma catita corta o caminho e é atropelada por uma carroça, sinal de que o perigo é inquilino.

Das três prensas que operavam na cooperativa, só uma funciona. Uma está encalhada. A outra foi levada para conserto e não voltou mais. Por mês, cada catador tira em torno de R$ 250 a R$ 300. A Emlurb disse, em nota, que dá “apoio técnico e de infraestrutura” às cinco cooperativas.

Em sua pesquisa, Nadja Granja fez o projeto arquitetônico de um núcleo de triagem considerado ideal. A central funcionaria na Rua Araripina, em Santo Amaro, num espaço de cerca de 100 metros quadrados. Teria uma área de recepção de resíduos sólidos, divididos em baias. Em seguida, um ponto de triagens primária e secundária, com esteiras e reservatórios. Separada, haveria uma sala de prensagem – para plástico, papelão, alumínio e aço – e outra de trituração – para vidros. Por fim, ela idealizou o local de pesagem. O galpão teria ainda sala de treinamento, vestiários, banheiros, copa e refeitório.

 

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