Maria Alice Seabra, 19 anos, queria distância do padrasto Gildo Xavier, 34. O perfil controlador do mestre de obras, há 15 anos casado com a mãe dela, foi motivo de vários desentendimentos entre ele e a jovem, que culminaram com a saída de Alice de casa, no final de maio. Em uma troca de mensagens via WhatsApp com um amigo, na noite do último dia 31 de maio, a garota deixa claro o motivo para ter ido morar com a tia em São Lourenço da Mata, no Grande Recife: “Não dá certo eu conviver com Gildo na mesma casa, porque é briga direto”. Alice foi estuprada e assassinada pelo padrasto na noite da sexta-feira (19), e abandonada em um canavial no município de Itapissuma, também na Região Metropolitana. Seu corpo só foi encontrado após cinco dias, quando Gildo resolveu se entregar e mostrar à Polícia onde tinha abandonado a enteada.
Na conversa que teve com o amigo, na noite do dia 31 de maio, ela diz: “Já passei por muita coisa lá, nem sei como aguentei esse tempo todo”. O rapaz, então, alega que Alice já tinha lhe dito certa vez que Gildo era “gente boa”. A resposta da jovem dá pistas sobre a personalidade do padrasto. “Ele é legal para quem não convive com ele. Pro povo da rua, ele é uma maravilha. Agora, em casa é um saco”, é o que a garota responde.
A obsessão de Gildo em controlar todos os passos de Alice, descrita pela delegada Gleide Ângelo no depoimento dele na manhã de quarta-feira, é relatada pela própria jovem na mesma conversa. “Ele não deixa eu fazer nada. Não posso mexer no celular. Não posso atender ligação. Não posso sair. Nada, nada. A pessoa com quase 20 anos e não tem o direito nem de sair. Eu mexia no celular só que ele ficava controlando a hora. Controla tudo ele. Chega dá raiva”.
Segundo outros amigos da garota, ouvidos durante o sepultamento dela, ontem no Cemitério de Santo Amaro, área central da cidade, havia sempre dois lados do padrasto: aquele que os cumprimentava sempre sorridente era o mesmo que fazia questão de levar Alice de carro mesmo se fosse à esquina da casa deles. “Ele quase nunca deixava ela sair de casa”, relata a universitária Heloísa Melo, amiga de Alice desde os tempos em que ambas estudaram juntas no colégio Nilo Coelho, na Estância. “Ela sempre falava que ele era muito ciumento, mas para mim era uma coisa de proteção, de pai para filha”, conta Thaís Mirelle, que também estudou com Maria Alice.
O controle obsessivo de Gildo sobre Alice teria uma explicação: a atração sexual que, em depoimento à Polícia, ele confessou sentir pela garota, desde que ela completou 16 anos, e que acabou motivando o estupro e o assassinato. Mas apesar de notarem o zelo excessivo do padrasto pela enteada, nem mesmo os amigos mais próximos do mestre de obras imaginariam que ele seria capaz de cometer um crime. Em uma mensagem enviada para o celular de Gildo no sábado (20), o mesmo amigo que conversou com Alice na noite do dia 31 de maio, se desespera. “Gildo, cara, solta a coitada. Alice é uma menina indefesa, ela confiou em tu e tu fez isso (...) não faz nada com ela. Se tu tiver (sic) armado, joga fora a arma e se entrega, cara. (...) Pede perdão a Deus, pede perdão à mãe dela (...) Mano, deixa a menina viver, pelo amor de Deus. Alice é uma das poucas amigas que eu tenho, amiga de verdade. Não faz mal a ela não, na boa, meu irmão”. De acordo com ele, a mensagem sequer foi visualizada por Gildo. “Ele era meu amigo, mas Alice também era. Então hoje eu quero que ele se lasque na prisão”, concluiu o amigo. Gildo está na ala de isolamento do Centro de Triagem e Observação Professor Everardo Luna, em Abre e Lima. Até a tarde de ontem, nenhum familiar nem advogado tinha aparecido para visitá-lo.