Animais vítimas de maus-tratos e da omissão do poder público

Recife sancionou lei proibido veículos de tração animal em 2013, mas até hoje não a regulamentou
Margarette Andrea
Publicado em 24/07/2016 às 8:45
Foto: Foto: Diego Nigro/JC Imagem


De um lado, milhares de pessoas que vivem na miséria e exploram cavalos, burros e jumentos para puxar carroças transportando materiais de onde tiram o sustento de suas famílias. Do outro, animais que conduzem cargas acima de sua capacidade, no asfalto quente (inclusive em grandes corredores do Grande Recife, na contramão e guiados por crianças), muitas vezes sendo espancados e mal alimentados até não servirem mais. E, em meio a tudo isso, a omissão do poder público.

O Recife ensaiou o primeiro passo para enfrentar a situação, ao sancionar a Lei nº 17.918, que proíbe veículos de tração animal na cidade, em outubro de 2013. Ela estipulava prazo de 120 dias para entrar em vigor, estabelecendo multa de R$ 500 para quem a descumprisse e apreensão do veículo e animal, além de uma diária de R$ 10 por animal em depósito. Previa também cursos de capacitação para os carroceiros. Na época foi acertado um auxílio mensal de R$ 500 nos três primeiros meses. Os carroceiros protestaram, a regulamentação foi adiada e nunca mais andou. 

Enquanto a regulamentação não sai, a Seda diz recolher os animais abandonados para o Centro de Vigilância Ambiental (CVA), em Peixinhos, e depois, para uma fazenda alugada ao custo de R$ 19 mil ao mês, em Gravatá. Com capacidade para receber 125 animais, o espaço abrigou, até hoje, apenas 28, além de quatro que nasceram lá. Seis foram adotados.

A nota informa ainda que a Lei Federal de Crimes Ambientais (nº 9.605, de fevereiro de 1998) prevê, em seu artigo 32, “pena de detenção, de três meses a um ano, e multa, a quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. No entanto, o município não autua, envia (as denúncias) para a Delegacia de Polícia do Meio Ambiente (Depoma) e para o Ministério Público”.

Em defesa dos direitos dos animais

“A lei tem que ser regulamentada o mais rápido possível, sendo voltada não só para proteger os animais, mas também para a situação das muitas pessoas que vivem disso. O que não pode é a prefeitura deixar esses animais serem espancados até a morte”, observa a jornalista e ativista animal Goretti Queiroz, responsável por uma petição que já colheu mais de 11 mil assinaturas na internet pela regulamentação. “Já tivemos várias reuniões na Prefeitura do Recife, mas nada foi resolvido.”

Há um ano e quatro meses resgatando, tratando e colocando para adoção equinos abandonados nas ruas (em geral desnutridos e feridos), Goretti e vários colaboradores já retiraram 24 animais das vias do Grande Recife. Desses, 12 estão adotados em sítios e chácaras e 10 acabaram morrendo ou foram sacrificados por ter mormo (doença infecto-contagiosa). “Não é só uma questão de maus-tratos. É de saúde pública e segurança do trânsito, pois esses bichos soltos podem transmitir doenças para as pessoas e provocar acidentes.” 

Cada resgate custa entre R$ 200 e R$ 500, dependendo da distância para onde são levados. Os recursos são adquiridos por meio de cota no Facebook. “Eles comem cerca de quatro a cinco quilos de ração por dia, imagina como ficam se alimentando de lixo. E precisam de espaço para pastar”, destaca a ativista.

Há quem não se contente só em resgatar os animais abandonados. A médica Andrea Coutinho revela que já anda com material no carro para socorrê-los quando pode. Já levou cinco para um terreno que tem em Gravatá, mas diz que o espaço é pequeno.

“Todos estavam em situação deplorável. Um chegou a desmaiar quando eu o libertei da carroça em Boa Viagem. Estava todo ferido, sangrando, magro, exausto. Só acordou em Gravatá. Tinham cortado uma parte da orelha dele. Pura maldade”, relata, indignada. Ela precisou chamar a polícia para resgatar o animal. “A outro carroceiro eu dei R$ 100. Também já levei um para um supermercado e comprei uma bicicleta em troca do cavalo. Outro animal achei vagando em Boa Viagem”, conta. “A sociedade deve ser informada, educada e cobrada. Temos que fazer com que Estado e municípios protejam os animais.”

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