A retirada das barracas de ervas medicinais, grãos, cereais, frutas e verduras das ruas que cercam o Mercado de São José certamente abriu espaço para a circulação de pedestres nesse trecho do Centro do Recife. Isso é visível desde domingo passado, quando a prefeitura concluiu a transferência dos vendedores para as novas áreas de trabalho e derrubou os antigos boxes. Mas a remoção dos barraqueiros não abriu apenas caminhos. Ela escancarou o prédio deteriorado do velho mercado, as calçadas quebradas ao seu redor e a situação de abandono da Praça Dom Vital.
Inaugurado em setembro de 1875 e representante da arquitetura de ferro do século 19, o mercado encontra-se com paredes externas sujas, venezianas destruídas (madeira e vidro) e placas de identificação avariadas. Com a remoção das barracas os locatários esperam que o edifício, tombado como monumento nacional, ganhe mais visibilidade. “Queremos ser incluídos no guia de turismo da cidade”, declara Zenildo Ferreira da Silva, locatário há 57 anos. “E o prédio do mercado precisa de restauração”, ressalta.
Zenildo sugere à prefeitura a criação de uma área para estacionamento de ônibus de turismo próximo ao mercado. “Sem as barracas, agora temos esse espaço”, comenta, acrescentando que o público local representa 80% dos frequentadores. “Somente 20% são turistas, os guias das agências de turismo não trazem os visitantes do Recife ao mercado, levam todos para Olinda”, lamenta Zenildo Ferreira, 76 anos. “Eu acredito que essa situação vai mudar.”
A obra de restauração do prédio foi prometida há anos pela prefeitura, lembra uma locatária que prefere não se identificar. “É um serviço necessário porque o telhado tem goteiras e chove dentro do mercado; a fiação poderia ser encoberta; algumas lâmpadas soltam fumaça, eu mesma já chamei uma pessoa para ajeitar; e o banheiro é uma calamidade”, enumera.
Ela acrescenta que há varrição interna e o imóvel é lavado uma vez por semana. “O mercado ficou com outra cara depois da retirada das barracas, seria bom se os proprietários dos prédios em volta, que também ficaram mais visíveis, reformassem as fachadas. Uma loja já está fazendo isso”, diz a locatária, citando a edificação de número 19, na esquina da Rua do Porão com a Praça Dom Vital. “Nosso casario é mal cuidado, mas é bonito. Porém, o povo daqui anda olhando para baixo e não vê a beleza dos casarões”, observa Kléber Cristiano Duarte, 46.
Locatário do mercado, Kléber propõe a criação de um roteiro turístico no Centro, incluindo Mercado de São José, Casa da Cultura, Forte das Cinco Pontas, Praça do Marco Zero e outros monumentos históricos. “Vi isso no Uruguai, é excelente, a pessoa compra um tíquete e faz os deslocamentos num ônibus com local e hora marcado para embarque. O Mercado do Porto (Montevidéu) foi reformado, ficou lindo e faz parte do circuito, precisamos de coisas assim.”
Frequentadores do comércio de São José elogiam a liberação das vias para os pedestres e cobram da prefeitura a recuperação dos passeios. “Está ótimo, as ruas estão livres para o povo, mas falta consertar as calçadas”, afirma Maria do Amparo de Oliveira, moradora do Pina, Zona Sul do Recife. “Ficamos meio perdidas, sem as barracas, mas o resultado ficou bom, só falta reformar as calçadas”, reforça Maria de Fátima, nora de Amparo.
“Uma cidade organizada é muito melhor, lembro desse lugar (Praça Dom Vital) cheio de barracas e agora tem espaço para a gente andar, é maravilhoso”, afirma Ivaneide Nascimento, moradora de Nova Descoberta, na Zona Norte da cidade. Ontem, acompanhada da filha, ela fotografou a fachada da Basílica da Penha para enviar a um amigo na Alemanha. “Não podia fazer foto antes porque só tinha barraca na frente, agora é possível ver até os detalhes da porta da igreja (entalhes na madeira)”, diz.
Ela foi ao Centro na intenção de fazer compras, mas depois de ver as ruas em volta do mercado sem as barracas decidiu passear. “A mudança deu uma leveza, a gente se sente mais leve, o andar nas ruas ficou mais leve. Os vendedores precisam trabalhar e foi ótimo a prefeitura ter arranjado um lugar para eles, porque devemos respeitar as praças”, destaca. “Ainda falta fazer muita coisa na cidade, mas essa arrumação já mudou bastante, antes a gente nem conseguia passar aqui direito”, comenta Rafaela Beatriz Nascimento, filha de Ivaneide.
A Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) disse que vai elaborar o projeto de recuperação da Praça Dom Vital, caminho de acesso ao mercado e à Basílica da Penha, que está com bancos e piso quebrados, além de pichações no pedestal da estátua de Dom Vital. A intervenção dependia da remoção das barracas.
De acordo com a Autarquia de Urbanização do Recife (URB) o projeto executivo de restauração do Mercado de São José está em fase de elaboração e deve ficar pronto em dezembro. Três anos atrás, em entrevista ao JC, a URB havia informado que uma empresa contratada estava desenvolvendo a proposta para definir intervenções no piso, banheiros, coberta, vidraçaria, estruturas de ferro, organização dos boxes, iluminação, segurança e acessibilidade. O prazo para conclusão seria abril de 2017.
Na época, os recursos para projetos e obra estavam garantidos pelo programa federal PAC Cidades Históricas. Mas o valor, de R$ 9,3 milhões, teria de ser reavaliado porque, possivelmente, não cobriria o custo da intervenção devido ao elevado grau de deterioração do prédio histórico. A verba do PAC está garantida, diz a URB em nota enviada pela assessoria de imprensa, mas a obra só começa após um planejamento para conciliar os serviços com o trabalho dos locatários.
Desde ontem, 86 barracas de ervas, grãos e cereais funcionam no anexo do mercado, entre as Ruas do Porão e Padre Muniz; 150 feirantes estão no Cais de Santa Rita, próximos ao centro de artesanato.