Carlos da Burra é o novo carregador oficial do Homem da Meia Noite

Depois de 30 anos no posto, Pedro Garrido repassou a missão de conduzir o místico Homem da Meia Noite no Carnaval de Olinda
Cleide Alves
Publicado em 10/11/2019 às 8:08
Depois de 30 anos no posto, Pedro Garrido repassou a missão de conduzir o místico Homem da Meia Noite no Carnaval de Olinda Foto: Foto: Filipe Jordão/JC Imagem


O que você responderia se recebesse proposta para carregar na cabeça uma criatura de 87 anos de idade, quase dois metros de altura e 49,5 quilos de peso? Carlos Roberto Fernandes da Silva, padeiro de 49 anos de idade, não teve dúvidas, entendeu o recado e aceitou na hora. O convite não se configurava um fardo, e sim um privilégio. “Carregar o calunga do Homem da Meia Noite é o sonho de todo bonequeiro de Olinda”, declara o popular Carlos da Burra.

Não é uma tarefa fácil encarnar o personagem do famoso Don Juan do Carnaval de Olinda, admite Carlos da Burra. O boneco fica encaixado na cabeça do carregador, que precisa equilibrar o peso do calunga sem perder o rebolado. Afinal de contas, o Homem da Meia Noite é um lorde. Ele não anda, ele desliza ladeira abaixo e ladeira acima com um toque de leveza e um quê de mistério. Por onde passa, esbanja charme, simpatia e distinção. “A responsabilidade é grande”, diz.

 Carlos da Burra, o novo carregador do calunga. Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem

Essa não é a primeira vez que Carlos da Burra se veste de Homem da Meia Noite. A brincadeira começou quando ele tinha 22 anos e atendeu a um pedido de Alcides Honório dos Santos (Cidinho), bonequeiro que carregou o calunga por 42 anos. “Cidinho me chamou, eu fiquei no clube três anos, me afastei e voltei há cinco anos”, relata. Mas nesse tempo todo Carlos atuava no time dos reservas e participava dos revezamentos de carregadores ao longo do desfile, que pode durar umas quatro horas.

A partir de 2019, ele é o carregador oficial do boneco. É a pessoa que abre o cortejo no apagar das luzes do Sábado de Zé Pereira. A figura sorridente que se materializa na sede do Clube Carnavalesco de Alegoria e Crítica O Homem da Meia Noite, no bairro do Bonsucesso, para alegria dos súditos. Carlos da Burra recebeu o cetro das mãos de Pedro Garrido da Silva, 60, na festa de despedida realizada pelo clube depois do Carnaval, diz o presidente da agremiação, Luiz Adolpho Alves.

“Carreguei o Homem da Meia Noite por 30 anos, acho que passou meu tempo e a idade chegou”, diz Pedro Garrido, ao explicar o motivo de ter abdicado do posto de carregador oficial do boneco. Ele também atuou como reserva nos desfiles da agremiação olindense e herdou o cargo de Cidinho. “Minha meta era ficar 42 anos no clube, igual a Alcides Honório, mas a idade pesou. Agora vou acompanhar o desfile como folião, mas não estou aposentado de vez”, afirma o bonequeiro.

Homem do bem

Nos últimos 30 anos, no Sábado de Zé Pereira, Pedro Garrido vestido de fraque, cartola e gravata borboleta, com seu dente de ouro e sorriso enigmático cortejou foliões anônimos, cumprimentou moradores de Olinda em portas e janelas, fez reverências, despertou paixões e aflorou emoções. “Algumas crianças e idosos não dormem para ver o Homem da Meia Noite passar, é preciso ser atencioso com todos eles”, ensina.

 Pedro Garrido carregou o boneco por 30 anos. Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem

Auxiliar de serviços gerais no Museu do Trem, instalado na antiga Estação Central do Recife, no bairro de São José, Pedro Garrido define o Homem da Meia Noite como um cidadão e não um simples boneco de Carnaval. “Para mim, ele é uma figura mística que traz o bem, é um senhor de idade com postura e elegância. Quando o relógio bate zero hora, com ele na cabeça, eu não sou mais Pedro, ali eu assumo o compromisso de ser o Homem da Meia Noite, sou o calunga de 80 e tantos anos”, pontua.

Ele carregou o Homem da Meia Noite pela primeira vez aos 24 anos, numa edição do Recifolia. “Quem fez essa surpresa foi João do Boneco, ele me pediu para fazer a apresentação e desse dia em diante não parei mais. Só tenho a agradecer a todas as pessoas que estiveram comigo nesses 30 anos no clube”, ressalta Pedro Garrido.

O calunga, com o bonequeiro, chega a quase quatro metros de altura. No Carnaval 2020 serão escalados o carregador oficial e mais dois reservas para o revezamento, informa Luiz Adolpho. Cada um aguenta, no máximo, uma hora e meia com o boneco na cabeça durante o desfile.

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