De vez em quando se prevê a extinção do frevo. Tudo bem, o gênero há anos não é mais a música predominante no Carnaval pernambucano, mas está longe de acabar. O micróbio do frevo, nome de um sucesso de Jackson do Pandeiro, em 1954 (de Genival Macedo), passa de pai para filho e filhas facilmente, um contágio contra o qual não existe vacina. Que o diga o cantor e compositor André Rio. Ele é filho de Alírio Moraes e sobrinho do maestro José Menezes. Falecido em 1999, o pai de André Rio foi um advogado bem-sucedido, mas sempre ligado à música. Autor de frevos canção e de blocos, alguns em parceria com Zé Menezes, um dos principais maestros da história do frevo.
André foi contaminado pelo micróbio do frevo ainda de calças curtas. “Me vi cercado por este ambiente musical desde muito cedo. Meu pai e meu tio faziam encontros musicais no bairro de São José, onde fui criado, onde toda nossa família viveu. Era um convívio com música, músicos, amigos feito Capiba, Moacir Santos. Comecei cedo, amadoristicamente, tocando e cantando as canções do meu irmão, que também se chama Alírio e concorria nos festivais”, conta André Rio.
“Meu pai desconfiava que eu tentaria a carreira. Até que fui convidado pra fazer um disco, por ter participado desses festivais. Um convite de Jota Raposo, da Rede Globo, para gravar um compacto. Comuniquei a meu pai. Ele só fez uma ressalva, que não abandonasse o curso de direito. Eu tinha passado em direito na Federal e na Católica. Ele queria que eu terminasse o curso e, ao mesmo tempo, tentasse fazer música, porque via em mim potencial. Sempre deu força. Aliás tanto pai quanto minha mãe, talvez porque a família sempre foi muito musical. Enfim, deu no que deu. Estou aí há 30 anos, com 20 CDs e composições gravadas por mais de 60 cantores”, recorda.
Ele tem duas irmãs e um irmão, todos de alguma forma envolvidos com a música. O irmão Alírio é advogado, mas também compositor. Das irmãs, Carla é cantora e Paula empresaria a carreira de André Rio.
Se família que canta unida permanece unida, a mais conectada de Pernambuco é a Queiroga, um clã musical iniciado por Luiz Queiroga e Meves Gama. Ele compositor, radialista, ator. Ela cantora, uma das mais bemsucedidas do rádio local. Dos filhos do casal, quem não canta é compositor ou músico. Lucky Luciano (baixista), Tostão Queiroga (baterista e produtor), Mevinha Queiroga e Nena (cantoras). Esta última atua na linha de frente do frevo, também é compositora e mãe da cantora e compositora Ylana e do músico, compositor e produtor Yuri Queiroga.
Da “Queirogada”, o nome mais conhecido é o de Lula Queiroga, parceiro de Lenine, autor requisitado, e do clássico do frevo, Energia. Com um clipe lançado em janeiro, do frevo de bloco Pirata José, em dueto com o autor Alceu Valença, a bandolinista Bia Villa-Chan pegou dos avós a paixão pela música.
Neta de Heitor Villa-Chan, bandolinista e compositor, e da pianista Augusta Villa-Chan, também compositora de frevos: “Ele morreu em 1998, aos 90 anos, e herdei o bandolim com que ele tocava, um Giannini Tranquilo, fabricado em 1935” conta Bia. Porém ela é a única da família que se profissionalizou”. Não é o que acontece com Rafael Santos, do naipe de metais da Spokfrevo Orquestra. Ele é neto do maestro Duda, de quem herdou não apenas o talento para a música, como também um saxofone com mais de meio século de serviços prestados ao frevo: “Meu avô é meu ídolo, e ele sempre me incentivou. Comecei a aprender aos seis anos, aos 10 eu já tocava na orquestra dele”, diz Rafael, filho de Dora, a filha mais velha do maestro. Nino e Marquinhos, dois dos filhos de Duda, também são músicos. O maestro José Ursicino não lega apenas o dom da música aos descendentes. Lega também canções. A mais conhecida é Nino O Pernambuquinho: “Como eu não nasci no Carnaval, não ganhei um frevo. A minha música é um baião, que faz parte de uma suíte dedicada aos netos – eu, Gizelle, Melissa e Bruno. O filho de Rafael, que ainda não toca, ganhou um frevo do bisavô, Rafael Bis.
Em 2019, Nonô Germano completa 35 anos de carreira, contados da primeira gravação, Recife Capital do Frevo (Geraldo Medeiros). A partir daí surgiram os convites para cantar. Ainda adolescente foi crooner da Orquestra do maestro Guedes Peixoto, e passou a cantar com o pai e o irmão, tabém cantor, Paulo da Hora na Frevioca, que circulava pelo Centro do Recife nos carnavais dos anos 80. Atualmente, é um dos principais animadores da folia pernambucana.
Claudionor Germano, que aos 86 anos está se aposentando dos palcos, passou o cetro para Nonô, numa cerimônia na Câmara de Vereadores em 2015. Um momento que o filho sabia que inevitavelmente aconteceria: “Já convivo com essa responsabilidade, com esta cobrança há bastante tempo, na verdade desde que comecei a carreira. Encaro com a maior seriedade do mundo. Sempre tenho dito por onde tenho passado que o frevo pra mim não é sazonal. Depois que o Carnaval passa, não vou botar uma camisa quadriculada, um chapéu de couro e vou cantar São João, forró. Penso alternativas pra dar uma chacoalhada no frevo, pra que ele possa tocar o ano inteiro. Mas não se faz o novo sem beber na fonte”, diz.
“Sei que as vezes o pessoal até ‘entroncha’ a cara para o que a gente está fazendo de novo, mas o objetivo que busquei há muito tempo foi ver o frevo ser falado depois do Carnaval, com o projeto Frevo de Balada, que estou fazendo. Eu encaro com muita responsabilidade, até porque papai sempre procurou inovar, ele está aqui presente, vibrando com tudo isso, me fazendo saber que estou certo para percorrer este caminho”, finaliza.
Feito todos os “herdeiros” do frevo, César Michiles cresceu com som ao redor numa casa constantemente visitada por músicos, maestros, intérpretes, que se reuniam com o pai dele, o compositor Jota Michiles. Começou a aprender música com sete anos, sob a supervisão do pai. Aos 13, fez uma participação numa apresentação de Luiz Gonzaga, no Geraldão. Estudou flauta doce no Conservatório Pernambucano de Música. Uma bolsa de três meses nos EUA estendeu-se por dois anos, hospedado no apartamento de Naná Vasconcelos. Na volta ao Brasil, passou cinco anos no Rio, tocando com Geraldo Azevedo. Atualmente, César dirige a Transversal Orquestra, que inovou na formação ao introduzir um naipe de flautas. A família Michiles é bastante musical, um dom que vem dos anos 50, com José Adauto Michiles, tio de Jota Michiles. Usava o nome artístico de Orlando Dias, e foi um do maiores vendedores de discos de final dos anos 50 até meados dos anos 60, com um repertório de boleros, tangos, sambas-canção.
Pelo visto, a trajetória dos Michiles continuará pelas próximas décadas. Os três filhos de César Michiles já se iniciaram na música: Aisha, 15 anos, toca violino; Chiara, 10 anos, estuda canto; Tom, oito anos, toca percussão.
Num Estado em que o frevo é herança de família, paradoxalmente, o maior dos autores do gênero, Lourenço da Fonseca Barbosa, o lendário Capiba, não teve filhos.