Stephane é símbolo de luta: mulher, trans e guerreira

Ela se descobriu mulher aos 4 anos. Consciente do poder que tem, diz que é preciso ocupar espaços para ter visibilidade
Ciara Carvalho
Publicado em 08/03/2017 às 7:12
Ela se descobriu mulher aos 4 anos. Consciente do poder que tem, diz que é preciso ocupar espaços para ter visibilidade Foto: FOTOS: ADELCÍDIO SOARES/IFPE/DIVULGAÇÃO


Não espere dela vitimismo. “A gente pode e deve estar em qualquer espaço na sociedade. Cabe a nós irmos lá e ocupá-lo.” A dona da frase quer aceitação. Mas se ela não vier, ok. Do respeito é que ela não abre mão. “Eu vou e imponho.” Stephane Fechine Silva descobriu-se mulher aos 4 anos. Aos 13, começou a tomar hormônios. Ainda adolescente, viu na prostituição o único caminho para seguir adiante. Desistiu dele (muitos anos, viagens a Europa e perrengues depois), quando percebeu que poderia ir além. Quis estudar. Quer desnaturalizar o incômodo que o seu corpo provoca no outro. “Sou mulher. Ninguém vai me dizer que não.”

Não desistir foi uma decisão que Stephane tomou quando passou a ter consciência de que nascer mulher num corpo masculino não era uma doença, uma patologia que precisa ser curada. Não foi fácil construir essa percepção. O olhar é sempre acusatório. Com 15 anos, começou a se prostituir. Nenhum lugar parecia lhe caber. Escola, família, os espaços foram se fechando. “A transexual é quase que empurrada para a prostituição, como forma de permanecer existindo”, diz. Foram mais de 10 anos de uma vida cigana: São Paulo, Rio de Janeiro, Europa, até decidir voltar para Caruaru, no Agreste do Estado, cidade onde nasceu, e ser agredida por uma travesti, numa disputa por ponto de prostituição na rua.

“Aquilo deixou de fazer sentido para mim. Com a prostituição, coloquei prótese nos seios, fiz plásticas, comprei casa própria, mas estava me sentindo vazia, insegura. Não me orgulho, mas também não escondo. É um pedaço da minha história.” Na busca de “sentir-se segura”, descobriu a militância. Redescobriu a escola. Em 2015, foi oradora da turma concluinte do ensino fundamental, pelo Programa Projovem. Queria ter um curso técnico e, no fim deste ano, ela se forma no de Bombeiro Civil, no câmpus Caruaru, do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE). Encontrou uma sala de aula muito mais acolhedora do que naqueles primeiros anos em que o corpo e o gosto diferentes atraíam acusações, chacotas e todo o tipo de desrespeito.

Embora ainda esteja tentando na Justiça mudar o nome do registro civil, na IFPE Stephane já é reconhecida pelo nome social. Usa banheiro feminino e sente que o preconceito, aos poucos, tem cedido espaço para novas formas de relação. “Na escola, eu me sinto inserida. Mas os casos de violência e intolerância ainda são frequentes e precisam ser enfrentados, com a naturalização da nossa presença em espaços cada vez mais diversos.” Ela é a única transexual tanto no câmpus do IFPE quanto na Escola de Referência Nelson Barbalho, onde cursa o ensino médio. “É isso que precisamos mudar. É preciso ter professoras, vendedoras, advogadas, delegadas transexuais. Só assim, nossa existência deixará de ser tão incômoda.”

ACOLHIMENTO

Aos 30 anos, Stephane Fechine Silva traça planos. Quer fazer faculdade (psicologia ou assistência social), casar, adotar uma criança, ter uma família. Diz que já se sente feliz na condição de mulher, mas que será ainda mais completa quando fizer a cirurgia para mudança de sexo (ela já começou o processo). E se define assim: “Mulher, trans, guerreira, lutadora, vencedora e com muitos objetivos ainda a conquistar.” Sobre o Dia Internacional da Mulher, fala com conhecimento de causa: “Vamos à luta, nos empoderar e não baixar a cabeça nunca.” Recado dado.

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