Seu João começou a brincar Carnaval aos 3 anos, nos braços do pai, na Praia de Maria Farinha, em Paulista, Grande Recife. Havia um bloco chamado Já Vai. Era a diversão do povoado. Com 79 anos, hoje, recorda aos risos que ao voltar para casa, o pai reclamava à mãe que “o menino pulava demais no bloco”. Era um indício de quem seria João da Silva Trindade, presidente do Clube Elefante de Olinda há duas décadas. O Carnaval das ladeiras entrou na vida de seu João quando ele tinha 9 anos. Na época mudou-se de Paulista para Olinda a fim de aprimorar os estudos e deparou-se com a folia. “Não era na dimensão de hoje, mas já era um Carnaval gostoso, feito com muito amor e muita vontade.”
O grande lance da festa na infância de seu João era “fazer o passo”. “A orquestra toca o frevo e a gente dança. Aí a pessoa mesmo começava a inventar seus passos, de tesourinha, quadrinho”, explicou. Nessa brincadeira, seu João foi tomando gosto pela coisa. A paixão pela folia chegou a ponto de fazê-lo perder um sapato em noitada de frevo no Centro do Recife e continuar na farra até o dia seguinte com apenas um pé calçado.
“O bloco era Madeira do Rosarinho. Vinha pela Rua Nova e quando chegou à Praça da Independência, naquela confusão, a gente brincando, eu perdi o sapato. Era por volta das 23h. Pensa que fui embora? Ainda tinha Clube das Pás e Vassourinhas. A gente esperava essas agremiações todas. Quando foi umas 4h eu cheguei em casa. Meus pais estavam indo para o Varadouro, em Olinda, atrás de mim, ver o que tinha acontecido. Eles disseram ‘o senhor chega uma hora dessas, com um sapato só. Cadê o outro sapato?’ Eu disse, perdi. Eles tiraram por menos, porque sabiam que eu gostava mesmo de brincar, como até hoje gosto.”
A turma de seu João curtia Olinda durante o dia e o Recife à noite. Nada muito diferente dos tempos atuais. Mas naquela época, era de bonde que eles voltavam da folia. Saíam atrás do Clube Carnavalesco Misto Bola de Ouro, do bairro de Santo Amaro, na área central, até a Praça da Independência. “Amanhecíamos o dia em Santo Amaro, num lugar conhecido como Barracão, na frente do Cemitério dos Ingleses, esperando o bonde. Por volta das 5h, o bonde começava a circular. Eu tinha 14 ou 15 anos.”
Anos depois – seu João já casado e com uma filha adolescente – aconteceu o encontro com o Elefante de Olinda. Entre 1986 e 1987, um dos diretores do clube, Alexandre Peixoto, amigo da família, indicou a filha de seu João para desfilar. Aldênia da Silva Trindade Terto, 46 anos, é a caçula de cinco filhos. A menina começou a sair no clube e ele foi fazendo amizade e ganhando confiança dos diretores. “Eu era um simples espectador do clube. Acompanhávamos, eu e minha mulher, porque ela era menor de idade. Depois, passei a colaborador. Por último, presidente, onde estou até hoje.”
Seu João vivenciou o período da rivalidade entre Elefante e Pitombeira dos Quatro Cantos. “São muitas histórias”, recordou. Segundo ele, Elefante saía do restaurante Zé Pequeno e Pitombeira do Hotel Samburá, os dois pontos na orla de Olinda. “A gente brincava na Avenida Getúlio Vargas. O presidente do Elefante, na época, era Brequinho. Ele querendo ganhar tempo para sair na frente da Pitombeira, passou rapidamente duas ruas para entrar na Getúlio Vargas. Mas a Pitombeira veio na carreira e passou na frente. Ele ficou doido. Gritou que era pra todo mundo correr atrás. A gente riu à vontade com as coisas dele.”
Outra ocasião, seu João e os amigos presenciaram o desentendimento na frente da Igreja do Bonfim, no Sítio Histórico. “Dei uma carreira com a turma, subimos uma ladeira que nem parecia que estávamos subindo. Descemos na Bica dos Quatro Cantos, no Varadouro, e tome pedra nas costas da gente. Foi uma confusão.”
Pelas memórias de seu João, famílias se mudaram de Olinda por causa dos problemas entre Elefante e Pitombeira. A competição era tanta que quando se aproximava o Carnaval e começavam a confeccionar as fantasias, as moças de Pitombeira colocavam um P na testa. As do Elefante, um E. Algo superado.
O conselho para as novas gerações é esquecer as diferenças e promover a folia de rua. “Não desprezem isso. Se juntem a nós, os mais velhos, para adquirir experiência e dar continuidade a essa cultura popular, porque ela é muito rica. Somos nós, nordestinos, que temos maracatu, caboclinho, frevo. É nosso. Devíamos ser mais prestigiados, valorizados. Não se pode deixar de acompanhar essas tradições.”