Há exatamente um ano, Pernambuco anunciava a confirmação dos dois primeiros casos de transmissão de chicungunha no Estado. Antes disso, as confirmações da doença eram de pessoas que tinham contraído a doença em outros Estados e países. Ambos os registros foram de pessoas infectadas no município de Iati, no Agreste, por onde a arbovirose se espalhou de forma acelerada e surpreendeu por afetar de forma incapacitante os doentes, que geralmente se queixam de dores nas articulações que parecem não cessar, o que tem sobrecarregado os serviços de saúde. Ao longo desse primeiro ano, foram confirmados 25.960 casos da doença, que está associada a 77 mortes. Oito delas são de 2015. O restante é deste ano, que acumula 53 óbitos relacionados ao vírus, além de outros 16 que tiveram infecção por chicungunha e dengue.
Ainda durante esses 12 meses, pesquisadores correram contra o tempo na tentativa de entender comprometimentos causados pelo vírus que jamais havia sido descritos na literatura médica, nem mesmo nos países (como a Índia) em que a epidemia de chicungunha já tinha deixado rastros. De modo inesperado, Pernambuco assistiu a um pico assustador de óbitos decorrentes de uma doença que era conhecida por rara letalidade, bem menor do que nos casos de dengue, segundo diziam os especialistas. Mas a história mudou de rumo. O Estado, ainda não se sabe o porquê, lidera no ranking das mortes associadas à chicungunha. Fica na frente até mesmo da Bahia, onde a doença já era transmitida desde 2014 (primeiros registros foram de Feira de Santana).
“Acredito que a percepção que temos da chicungunha ainda é pequena do ponto de vista de intensidade e gravidade. Os dados continuam subnotificados e há muita confusão de diagnóstico com dengue. Mas só pelos números oficiais, a situação é alarmante. Basta ver que o balanço dos óbitos por chicungunha foge de todo o histórico de mortes relacionadas a arboviroses”, ressalta o médico Carlos Brito, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Além das mortes associadas ao vírus, os comprometimentos neurológicos causados pela doença fugiram do padrão do que se observava nas outras arboviroses. “A infecção por chicungunha levou a menos casos da síndrome de Guillain-Barré, em comparação com dengue, mas trouxe miosite (síndrome neurológica caracterizada por inflamação nos músculos que causa fraqueza muscular), que não era comum estar associada à doença e nem tem histórico de relação com dengue e zika”, frisa a chefe do Serviço de Neurologia do Hospital da Restauração, Maria Lúcia Brito Ferreira. A médica ainda não conclui o balanço dos pacientes atendidos com complicações neurológicas causadas pelo vírus ao longo desse primeiro ano, mas não duvida de que há “dezenas de casos”.
Além disso, algumas das pessoa afetadas pelo vírus teve a saúde mental afetada, segundo relata a psiquiatra Kátia Petribú, professora da Universidade de Pernambuco. “Há casos de pacientes que, dias após terem iniciado um quadro sugestivo de infecção por chicungunha, apresentaram confusão mental. Também vi pessoas que desenvolveram depressão após a doença.”
Por ser tão incapacitante pelas dores articulares que se tornam crônicas em muitos casos e impedem a realização de atividades simples no dia a dia, a chicungunha requer atendimento especializado e contínuo. A arquiteta Renata Berenguer, 37 anos, faz parte do grupo de pacientes que permanecem com acompanhamento médico meses após a infecção viral. “Tive a doença no Carnaval. Começou com dor na articulação e muita dificuldade para me locomover. Passei três dias internada no hospital e, após a alta, fiquei duas semanas sem trabalhar. Não tinha forças para abrir uma torneira e vestir uma roupa. Passado o período crítico, ainda tive recaídas, mas agora estou bem e sendo acompanhada por reumatologista. Ainda tomo remédios para controlar os efeitos da doença”, conta Renata.