O pequeno Luiz Felipe fez o primeiro aniversário no último dia 24, exatamente um ano depois que o JC noticiou, pela primeira vez, a explosão de casos de microcefalia associados ao zika vírus. Naquela ocasião, a situação despontou com várias interrogações para médicos, imprensa e famílias, já que o mundo nunca havia registrado dezenas de recém-nascidos, num curto período de tempo, com uma malformação congênita que continua a desafiar a ciência.
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“Dois dias após ele ter nascido, comecei a ver os casos aparecendo na televisão. Mesmo depois de passado este primeiro ano, muita coisa ainda precisa ser esclarecida. Tem hora em que eu acho que é só o mosquito, tem momentos em que eu acredito em algo mais. Onde eu moro, por exemplo, outras mulheres engravidaram no mesmo período que eu e não tiveram filhos com microcefalia. Às vezes, continuo sem saber como responder muitas perguntas”, conta a dona de casa Rafaela Oliveira dos Santos, 21 anos, mãe de Luiz Felipe.
As dúvidas não são exclusivas dela. E nem ficam limitadas às famílias das crianças impactadas por um vírus que era conhecido como o primo da dengue que causava só uma leve virose, inclusive nos países por onde já havia deixado rastros. Até mesmo os especialistas que chamaram a atenção das autoridades de saúde, há um ano, continuam a carregar incertezas. “Hoje perguntamos: que complicações podem vir mais adiante? Há bebês que estão evoluindo para hidrocefalia, por exemplo. E outra coisa: por que há casos de gêmeos em que um tem comprometimento e o outro não? Será que existe algum fator, no próprio indivíduo, que faz ele resistir à infecção pelo zika? São questões desse tipo que a gente ainda não tem resposta”, destaca a neuropediatra Ana Van der Linden, que fez um dos primeiros alertas sobre o nascimento de bebês com microcefalia acima da média.
Mesmo com os avanços para detecção do zika nos bebês, a médica ainda vê dificuldades para se ter o diagnóstico seguro. “Ele só tem como ser feito se houver suspeita e forem realizados exames precocemente. A gente pode até dar o diagnóstico por exames clínicos e tomografia, mas (se não for feito exame laboratorial no tempo adequado) não tem comprovação para associar ao zika. Acho que há muitos casos que ainda ficarão sem diagnóstico porque chega um momento em que não há como se ter positividade nos exames. Então, pode acontecer de não termos como garantir que aquela alteração encontrada na criança seja decorrente do zika ou não”, relata Ana, ao citar uma realidade vivenciada pela mãe de Luiz Felipe.
“Primeiramente, soube que o zika foi encontrado no exame do LCR (sigla para líquido cefalorraquidiano, aquele que circula na medula e vai até o cérebro), mas tive a informação, na última quinta-feira, que o resultado era inconclusivo. Mas o que me faz acreditar que a microcefalia do meu filho seja associada ao zika são as condições que ele apresenta e que são diferentes da microcefalia relacionada a outras causas. Ele tem espasmos musculares (contrações involuntárias) e disfagia (dificuldade de deglutição com risco de broncoaspiração)”, relata Rafaela. São complicações que se manifestam em boa parte dos bebês, à medida em que vão se desenvolvendo. “Cerca de 60% deles evoluem com algum tipo de crise epiléptica, como os espasmos. E os casos mais complicados têm disfagia grave, o que dificulta aumento de peso por causa de problemas com a alimentação”, explica Ana Van der Linden.
Para afastar as dificuldades decorrentes da disfagia, Rafaela conseguiu que Luiz Felipe passasse a ser acompanhado pelo Serviço de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. “Além do acompanhamento dos médicos, recebi a orientação para usar espessante (produto usado para melhorar consistência dos alimentos), que facilita a ingestão. Uma lata custa R$ 102 e preciso usar quatro por mês. Vou tentar solicitar à Secretaria Estadual de Saúde”, diz Rafaela, que também precisa comprar remédio para controlar os espasmos do filho: o Keppra, que não faz parte do rol de medicamentos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Assim como outras mães de crianças que nasceram com a malformação, ela abriu mão do emprego para se dedicar ao filho. E nesse primeiro ano de dúvidas, rotina intensa de exames e terapias, Rafaela guarda uma certeza: “Ser mãe de uma criança com microcefalia é uma bênção; é um amor inexplicável”, finaliza.