Às vésperas de completar 40 anos, o artista e fotógrafo Gilvan Barreto se deparou com uma das cinco ou seis situações que, numa vida, são capazes de revelar a um homem quem ele realmente é. Diante de si mesmo, esse pernambucano radicado no Rio de Janeiro se despiu de todos os excessos e seguiu em busca daquilo que podia lhe reconstituir o cerne. Voltou no tempo, foi à infância, e decidiu que era um bom momento para recontar sua própria história, narrar fatos e desvelar sentimentos como foram vivenciados por ele. Desceu ao inferno e voltou de lá com Moscouzinho, livro fotográfico lançado no ano passado. Parte dessas imagens compõem a mostra Arqueologia de ficções, com curadoria de Geórgia Quintas, que o público pode ver a partir de amanhã na inauguração do Capibaribe Centro de Imagem – espaço de arte localizado na Rua da Aurora.
Durante essa viagem – mais no campo do afeto, que no geográfico –, o artista se viu diante da criança Gilvan Barreto, que antes dos 10 anos de idade fazia textos de escola e discursos no palanque do pai em defesa da igualdade social. As narrativas, entretanto, começam muito antes de ele nascer, na Jaboatão dos anos 1940, quando a cidade elegeu o primeiro prefeito comunista do Brasil, sendo envolta de um inédito entusiasmo vermelho e ganhando o apelido de Moscouzinho. Mas a Moscouzinho de Gilvan é como a Utopia de Thomas More, uma ilha que não tem latitude no mundo real. Ela nasce com a necessidade de o artista reinventar o passado.
As histórias desse socialismo infantil, do engajamento político e afetivo do seu pai, do terror do golpe militar de 1964 e da violência velada que pairava como uma sombra densa na vida do menino foram revisitadas e reelaboradas. Gilvan leu arquivos militares que citavam o nome do pai, fotografou documentos, cartazes, impregnou-se da literatura russa e dos textos de Graciliano Ramos.
Não foram apenas as amarras geográficas que Gilvan conseguiu romper ao criar livro e mostra. No percurso de reelaboração de história e memória, ele se permitiu também romper com a sua própria fotografia. As obras presentes na exposição são de suporte fotográfico, mas foram criadas através de um processo também artesanal de colagem e (re)captura de imagem sobre imagem.
Leia matéria na íntegra no Caderno C desta quarta-feira (25/setembro).