José Cláudio revisita sua trajetória em exposição na Garrido Galeria

Aos 87 anos, um dos artistas mais emblemáticos de PE continua atuante
Márcio Bastos
Publicado em 06/10/2019 às 8:00
Aos 87 anos, um dos artistas mais emblemáticos de PE continua atuante Foto: Leo Motta/JC Imagem


O ano de 2019 marcou, oficialmente, a abertura da Garrido Galeria, ambiente que reflete a paixão de seu proprietário, Armando Garrido, pela arte. A casa, localizada na Rua Samuel de Farias, 245, no bairro de Santana, antiga residência de sua família, se propõe a ser um ponto de convergência de diferentes visões artísticas e mescla, sem hierarquia, artistas contemporâneos (como os que compuseram a exposição inaugural, Cataclismo, realizada em julho) e modernos, a exemplo do mestre José Cláudio, que tem sua obra revisitada na mostra Dia Z – Um Acervo em Retrospectiva, atualmente em exibição no espaço.

Armando começou a colecionar arte há 19 anos e umas de suas primeiras aquisições foi uma tela de José Cláudio. Desde então, o artista, um dos ícones das artes plásticas pernambucana, passou a figurar como um dos principais nomes da coleção de Garrido. Tanto que todas as obras em exibição, cujo recorte temporal vai do final dos anos 1970 até a atualidade, entre pinturas, gravuras, desenhos e esboços, fazem parte do acervo pessoal do galerista.

A ideia de reunir esses trabalhos tomou corpo a partir da videoinstalação Viagem de Um Jovem Pintor à Bahia, de Pedro Coelho. O vídeo de 24 minutos, e que está em exibição no espaço, tem o mesmo nome do livro publicado por José Cláudio documentando sua viagem àquele estado em 1956 e cujo exemplar Pedro achou por em um sebo. Fascinado com a obra, pesquisou mais sobre o artista e descobriu que compartilhavam certo grau de parentesco.

“Para mim, foi uma alegria saber que ele é meu sobrinho-neto e que, além disso, alguém da minha família também estava envolvido com arte. O filme dele é belíssimo, o mais bonito que eu já vi”, afirmou, orgulhoso, José Cláudio.

A celebração de sua obra é, para o artista, que tem 87 anos e continua trabalhando diariamente, um momento de reencontro com diferentes momentos de sua trajetória. Fundador do Ateliê Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife, ao lado de artistas como Samico e Virgolino, José Cláudio contou no início da carreira com orientações de mestres como Di Cavalcanti, Mário Cravo Júnior e Carybé. Seus traços marcantes, evidenciados na pluralidade das obras expostas na retrospectiva, logo o posicionaram como um dos grandes talentos e de sua geração.

Há desde quadros que retratam paisagens, como a de sua cidade natal, Ipojuca, estudos sobre temas como a natureza, até trabalhos de conotação social, como os impactantes A Herança da Minha Avó, baseado em um cordel que ele leu na infância, e as Catadoras, que retrata mulheres buscando restos em meio ao lixo.

“Sempre pintei de tudo. O que vinha na cabeça, eu mandava brasa. Passei um tempo pintando ao ar livre porque você tinha hora para terminar, não dava para ficar pensando muito. Todo quadro meu tem uma história, seja ele nascido da inspiração ou por encomenda. Sempre tive mania de desenhar e me interessava olhar para o que ninguém estava vendo – ou para o que estavam ignorando”, explicou.

Neste movimento de retrospectiva, José Cláudio comemora também a reedição recente pela Cepe Editora, do livro Agá, de Hermilo Borba Filho, que conta com desenhos seus, lançado originalmente em 1974. Sobre o dramaturgo, José Cláudio guarda boas lembranças, atribuindo a ele um movimento importante na sua profissionalização como artista.

“Eu era praticamente desconhecido e não vendia. Trabalhava como ajudante de desenhista na Sudene. Um dia, Hermilo me pediu para produzir uns quadros para presentear a equipe de médicos que o operou. Fiz uma série de passarinhos. Meses depois, ele reapareceu com essas pessoas e fez com que comprassem vários quadros meus, por um preço muito acima do que eu tinha sugerido, porque eu nem sabia quanto cobrar. A partir daí, pude viver exclusivamente como pintor”, lembrou.

ESPAÇO DE AFETO

Com uma arquitetura acolhedora e um jardim amplo, que convida o visitante a uma pausa na correria do cotidiano, a Garrido Galeria é um projeto de amor de seu fundador. Ele encara a transformação da casa da infância em um espaço de convivência como uma formar de resistência e de estímulo ao afeto. No espaço, além da galeria, que abre de terça a sábado, das 10h às 22h, funciona um café, com menu assinado pela chef Manu Galvão.

“Quero que este espaço quebre alguns preconceitos, como o de quem consome arte moderna, não consome contemporânea e vice-versa. Desejo que esses públicos dialoguem e vejam na galeria o veículo para esses encontros”, enfatizou Armando.

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