Ele nasceu no Ceará, de pai argelino, e hoje vive em Berlim. Além disso, diz ter o “green card” pernambucano, já que convive com a terra desde os anos 1990, quando conheceu o cineasta Marcelo Gomes, seu parceiro em Viajo porque preciso, volto porque te amo. Para Karim Aïnouz, que acaba de lançar Praia do Futuro, seu quinto longa, o cinema deve tratar de questões relevantes para o mundo. Ele está no Recife desde ontem (16/5) para participar de um debate pós-exibição do filme e de um seminário hoje, pela manhã, no Cinema da Fundação (Derby). Antes de chegar aqui, ele falou com o JC por telefone.
Confira, a seguir, trechos da conversa e leia entrevista completa no Caderno C do Jornal do Commercio deste sábado (17/5).
JORNAL DO COMMERCIO – Onde você está morando atualmente, Karim? Existe o verbo morar na sua vida ou a sua casa é em vários lugares?
KARIM AÏNOUZ – Não, estou morando Berlim, é lá onde pago aluguel e morar para mim é isso, onde pago aluguel (risos). Mas por conta de um trabalho no Dragão do Mar (CE), venho com frequência. A cada três meses, estou no Brasil.
JC – A questão do deslocamento, real e simbólico, é tema que você persegue na sua vida e em quase todos os filmes. Por quê?
KARIM – Não sei, difícil decifrar isso. Acho que pela curiosidade, inquietação, desassossego. Acho estanho uma pessoa que vive eternamente na zona de conforto, no mesmo lugar. Viagem é um vício para mim. Sou do mundo, acho fascinante poder compreender o mundo. Metafisicamente falando, é o confronto com a alteridade e isso é tão bom; o encontro e a convivência com o outro. E a singularidade da experiência humana também; é a melhor coisa.
JC – Já ouvi você falar que seus filmes são autobiográficos, como um pintor, que no fundo sempre se pinta. Praia do Futuro também é?
KARIM – Não acho que sejam autobiográficos. Meu cinema é feito de uma caligrafia da qual me utilizo, porque não pode ser genérico, tem que ser singular. Pintura tem isso, grandes mestres, como Picasso, por exemplo, têm a coisa do olhar. Mais do que ser autobiográfico, tenho um jeito de olhar o mundo, essa é a graça da coisa. Mas tenho cuidado com isso, porque soa um pouco narcísico. Minha vida não é tão interessante assim e o cinema é um grande investimento.
JC – Por que sua vida não é tão interessante assim?
KARIM – (risos) Até é interessante, mas tem vidas mais interessantes do que a minha, é chato falar de si, legal é olhar pro outro.
JC – Por que você faz filme?
KARIM – Nunca pensei em fazer cinema, fiz arquitetura, pintei durante muito tempo, fui fazendo outra coisa, e outra coisa, e outra coisa. Filmar é um grande prazer, um jeito de se conectar com o mundo. Não fui um menino que ganhou uma câmera Super-8 do meu pai, sabe? Quase ninguém tem esse percurso do Nordeste. E hoje me surpreendendo com essa escolha. Meu primeiro filme (Seams) nem foi um curta-metragem, foi um filme de 30 minutos sobre a minha avó. Quer mais autobiográfico do que isso? Na verdade, uma “autoetnografia”. Então, filmo porque me dá um enorme prazer, e é uma linguagem que sei falar hoje em dia.
JC – Como começou?
KARIM – De maneira artesanal, filmando a minha avó. Eu fotografava pra caramba, em diferentes formatos. Talvez para documentar coisas muito queridas, quase cinema como acervo próprio do mundo. Não estudei, não sou formado, vou experimentando, sou autodidata e cada projeto de filme é uma aventura nova. Estou longe de dominar essa gramática, mas isso é bom, traz certa leveza.
JC – Como nascem suas histórias, seus roteiros?
KARIM – De um misto de duas coisas: dos assuntos importantes a serem falados e dos personagens que podem falar sobre esses assuntos. Tem sempre mil coisas que quero falar e penso com que filme vou querer conviver durante uns dois anos; o que vai me manter apaixonado nesse tempo longo.
JC – E Praia do Futuro, como nasceu?
KARIM – Da vontade de fazer um filme que tivesse este título e que fosse sobre um herói comum, com falhas e tal. Meus filmes trazem personagens comuns e tinha vontade de falar sobre um salva-vidas, que está entre as imagens que me marcaram na Praia do Futuro, adolescente. É uma figura de generosidade e coragem, uma profissão bonita. E filme é uma questão de vida ou morte. O salva-vidas sempre me comoveu e queria homenageá-lo.