“Nós somos mais populares que Jesus Cristo”. Essa frase, dita por John Lennon a uma repórter do jornal The London Evening Standard, em março de 1966, provocou a ira de milhares de cristãos, que nunca viram o rock´n´ roll com bons olhos. Nos Estados Unidos, onde os Beatles viraram mania após três avassaladoras turnês e domínio total das paradas de sucesso, a indignação foi tanta que milhares de americanos foram às ruas queimar montanhas de discos da banda de Liverpool. A explicação de John Lennon para sua frase, em que ele confirma que, naquele momento, seu grupo era mais conhecido que Jesus Cristo, é o momento mais tenso do documentário The Beatles – Eight Days a Week – The Touring Years, de Ron Howard, que a rede UCI exibe de quinta-feira (2/2) e a domingo (5/2) em 10 cidades brasileiras, inclusive no Recife.
Maior fenômeno da história da música pop, o grupo inglês conquistou jovens de todo o mundo com suas canções e a personalidade de seus membros – quatro jovens de classe média baixa de Liverpool. Esse documentário mostra uma fração da carreira de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Star, com foco exclusivo nos anos em que eles passaram na estrada em turnês mundo afora, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Embora seja convencional em sua forma – e também oficial, pois é produzido pela Apple Corps, a detentora da obra do grupo –, ainda assim o filme é merecedor de atenção. Os fãs, claro, devem se sentir obrigados a assistir a cenas conhecidas e outras nem tanto, que fazem parte do legado dos Beatles.
De certa maneira, The Beatles – Eight Days a Week – The Touring Years é uma versão condensada da história do grupo, mas isso não tira o seu mérito. Não é uma exaustiva visão da vida e obra do grupo, como o monumental The Beatles Anthology, que durava 10 horas e foi produzido por Paul McCartney, George Harrison e Ringo Star. Entretanto, ao se fazer esse recorte dos anos de turnês, entre 1960 e 1966, Ron Howard captura, graças a uma montagem feliz e a escolha de momentos não óbvios, como os Beatles conquistaram o coração e a mente de quem era jovem naqueles anos.
As entrevistas de arquivo de John Lennon e George Harrison, já falecidos, se misturam com novas de Paul McCartney e Ringo Star, realizadas especialmente para o documentário. Mas não são apenas eles que conduzem a história das turnês. Howard foi buscar personagens que estiveram nos shows desde o início da carreira da banda, dos inferninhos de Hamburgo, na Alemanha, e do Cavern Club, em Liverpool, até as turnês nas cidades americanas. O cineasta Richard Curtis, por exemplo, conta como se tornou amigo deles em Hamburgo. A atriz Whoopi Goldberg explica que o fato de ser negra não a impediu de se tornar fã e assistir a um show em Nova York. Há, ainda, uma pontuação bastante forte no fato de a banda ter ajudado a acabar com a segregação racial nos shows no Sul dos Estados.
As turnês americanas ocupam a maior parte do documentário. Na primeira turnê dos Estados Unidos, que durou cinco semanas, os Beatles foram acompanhados pelo radialista Larry Kane, de uma estação de Miami. O relacionamento deles com os repórteres e as entrevistas coletivas, em que se divertiam com tiradas engraçadas, também são muito valorizadas. As imagens dos concertos, misturadas às loucuras dos fãs, dão a medida exata do que foi a beatlemania, principalmente na segunda turnê, em 1965, quando os Beatles foram o primeiro grupo a fazer shows em estádios (de futebol e beisebol), como o Shea Stadium, em Nova York.
Como o filme cobre principalmente as turnês, os cinco anos finais do Beatles, quando o grupo se internou no estúdio de Abbey Road e revolucionou a indústria musical com novos métodos de gravação e discos conceituais, é quase uma nota de pé de página. Não será nenhuma surpresa se dentro em breve outro documentário contar essa história mais detalhadamente. Os fãs, claro, não perdem por esperar.