“Lutamos contra uma epidemia que mata frente à indiferença geral”. Essa sentença representa um dos momentos mais marcantes de 120 Batimentos por Minuto, drama do francês Robin Campillo que fala sobre a invisível guerra contra a aids na França do início dos anos 1990, onde as batalhas eram travadas contra a indústria farmacêutica e um governo omisso, mas sobretudo em prol da vida. Vencedor do Grand Prix do Festival de Cannes, o filme chega hoje aos cinemas brasileiros como um tapa na cara de parcela da sociedade, que quase 30 anos depois ainda insiste no preconceito.
A frase que abre este texto é dita no longa por Thibault (Antoine Reinartz), presidente do Act Up (Aids Coalition to Unleash Power) Paris, grupo não-violento que combate o descaso governamental frente ao avanço da epidemia. Tudo o que eles querem é democratização. Tanto da informação, para que a sociedade reconheça a importância da prevenção e passe a fazer uso de camisinha e seringa limpa; quanto do acesso ao tratamento, aos remédios que os laboratórios tanto tardavam a viabilizar. O que acarretou na morte lenta e dolorosa de muita gente, sobretudo das minorias - dos prostituídos, drogados e veados, como dizem os próprios ativistas, libertos de julgamentos e censura.
As palavras de Thibault vêm à tona durante um ato político e provocador no meio das ruas de Paris, onde os voluntários e integrantes do grupo se juntam para fazer uma grande passeata e depois se deitam no chão. “Juntos podemos resistir a essa epidemia e aos problemas sociais que ela causa”, acrescenta o presidente e orador do Act Up enquanto ocorre a ação. O tom da sequência é de denúncia, mas também de esperança. O plano aberto e plongée deixa tudo ainda mais tocante e comovente.
Nos primeiros minutos da trama, o filme mostra uma estética hiperrealista que chega a flertar com o documental. Isso porque o próprio diretor do longa fez parte do Act Up e reconstrói a história do grupo por meio das suas lembranças. De cara, somos introduzidos a uma reunião do órgão, comandada por mulheres como Eva (Aloïse Sauvage) e Sophie (Adèle Haenel). Apesar de estarem em um número gritantemente menor, eram elas também as responsáveis por organizar as ações e instigar os debates, nos quais os ouvintes eram orientados a estalar os dedos no lugar de bater palmas quando aprovavam algum comentário para dar dinamismo e fluidez às sessões.
Fora o grande ato na rua, outro que merece destaque ocorre quando o grupo decide invadir o prédio do laboratório Melton Pharm. Sob o bordão, “Melton Pharm mata a gente! Tratamento é urgente!”, eles jogam uma tinta vermelha caseira semelhante à espessura do sangue por todo o escritório. A reivindicação é para que o laboratório divulgue o quanto antes o resultado de uma nova molécula, uma esperança para os soropositivos. É que os executivos já tinham esses dados, mas haviam ficado de anunciá-lo somente dentro de um ano, numa conferência em Berlim. E enquanto se importavam com o mercado, os doentes ficavam com os desagradáveis efeitos colaterais dos pouco eficazes antirretrovirais AZT e DDI.
Dentre os membros mais engajados está Sean (Nahuel Pérez Biscayart), um jovem que foi infectado na primeira vez que fez sexo, aos 16 anos, por um homem casado e mais velho, seu professor de matemática. Aos poucos, a obra vai deixando o tom de manifesto e adentrado no drama pessoal da vida de Sean. Pois conviver com a aids é antes de tudo uma batalha existencial. É viver com medo.
É de cortar o coração acompanhar um militante vivaz e tenaz se tornar uma pessoa apática e desesperançada. E tempos depois inválida. Sean é diagnosticado com Kaposi, um tipo de câncer que provoca lesões na pele e acomete pessoas com deficiências imunológicas, como os portadores do HIV. Ele morre aos 26 anos, na cama do apartamento que dividia com Nathan (Arnaud Valois), seu par romântico e um dos poucos soronegativos do grupo.
É entre os dois que acontece o diálogo mais impactante do filme: "Estamos todos mortos e vivos", diz Sean. Entre uma pílula e outra, eles vivem um bonito romance, mostrado na grande tela sem pudores. O título do filme parece remeter justamente à vida intensa e frenética que eles vivem, nas esferas pública e privada. Esta última regada ao consumo de ecstasy nos clubes voltados à comunidade homossexual.
É esse momento de escapismo e catarse em meio à música eletrônica envolvente e dançante que faz o contraponto do filme, inclusive servindo de desfecho, onde escutamos os corações pulsando a todo vapor. Essas imagens da festa são mescladas ao último desejo de Sean, o de ter suas cinzas jogadas a uma seguradora. O que mostra como a luta os eleva como indivíduos. 120 Batimentos por Minuto é uma obra-prima. Daquelas de estalar os dedos.