Ao receber o Globo de Ouro por Melhor Filme Estrangeiro (Roma) e como Melhor Diretor, o mexicano Alfonso Cuarón, que já havia arrebatado o Leão de Ouro em Veneza e desponta como favorito ao Oscar, saiu em defesa da Netflix, empresa provedora de filmes e séries via streaming, responsável por esta produção original. “Deixa eu lhe perguntar: em quantos cinemas você acha que conseguiríamos lançar um filme mexicano, em preto e branco, falado em espanhol e Mixteco, e sem estrelas? Qual você acha que seria o tamanho do lançamento convencional de um filme como esse?”, questionou Cuarón.
A pergunta, retórica, surge em decorrência do embate, cada vez mais acirrado, entre streaming e cinema. Como pano de fundo, está o argumento de que lançamentos em streaming não deveriam concorrer em pé de igualdade nos festivais dedicados a eleger os melhores filmes.
Lançado pela Netflix em 14 de dezembro, o filme Roma – que ascende a posto emblemático neste conflito porque vem ganhando nas mais relevantes categorias, nos principais festivais (também no Critics’ Choice Awards arrematou quatro prêmios, entre eles o de Melhor Diretor) – ganhará uma sessão especial hoje, às 20h, no Cinema São Luiz. O evento integra um circuito de exibições que a Vitrine Filmes realizará em algumas salas de cinema do Brasil ao longo desta semana, que contemplam, além do Recife, Fortaleza, Porto Alegre, e Teresina. Os ingressos para sessão, que custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada), podem ser adquiridos exclusivamente no site EventBrite.
A Netflix, aliás, removeu as legendas em espanhol que havia incluído em Roma depois que o diretor da obra, o mexicano Alfonso Cuarón, se queixou de que a atitude era paroquial, ignorante e ofensiva para os próprios espanhóis. O filme é falado em espanhol e em mixteco, idioma de povos nativos do país em que a trama se passa.
Ao lançar o longa na Espanha, o serviço de vídeo sob demanda resolveu legendar alguns dos termos mexicanos e outros recursos de oralidade por palavras mais formais, mais adequados ao idioma falado na Europa, como se estivesse adotando uma língua culta.
Assim, por exemplo, quando personagens falavam "mamá" (mamãe), a legenda em espanhol exibia o mais tradicional madre. Em vez de "enojarse", o texto trazia "enfadarse". E "gansito", nome de um chocolate comido no México, foi legendado como ganchito, que é na verdade feito à base de queijo. Cuarón criticou a decisão em entrevista ao jornal El País. "Algo de que gosto muito é a cor e a textura dos sotaques, disse o diretor. [A decisão é equivocada] como se Almodóvar precisasse de legendas".
Após as críticas, a Netflix removeu as legendas em espanhol e manteve apenas as em closed caption, isto é, voltadas a pessoas com deficiência auditiva, e que adotam os termos usados no filme.
A controvérsia ganhou repercussão graças a comentários do escritor mexicano Jordi Soler, autor de A Última Hora do Dia. Ele criticou as legendas por acreditar que elas resvalam em pendências históricas entre México e Espanha. "Na América Latina somos particularmente sensíveis com tudo o que a Espanha faz. E na Espanha nos tratam como se ainda fôssemos uma colônia", afirmou. Para o jornal The New York Times, a polêmica levanta a bola para a forma como a Netflix, cada vez mais global, legendará suas produções, e se respeitará dialetos e sotaques locais ou se adotará formas oficiais.