Greta Gerwig abre sua adaptação de Mulherzinhas, romance de Louisa May Alcott, da segunda metade do século 19, com uma citação da própria autora sobre contar histórias alegres. É como se a diretora achasse que deve justificar uma narrativa de aparente leveza, vinda de um outro momento do mundo. Talvez houvesse um receio que a docilidade que este Adoráveis Mulheres, com lançamento hoje no circuito comercial, soasse como algo distante das problemáticas do mundo contemporâneo, principalmente em relação a emancipações ligadas a gênero. Não é o caso desta versão de uma história já tão adaptada, mas que ganha agora uma condução cativante, perpassando por conflitos entre liberdade, amor romântico e arte.
Em uma estrutura cronológica permeada por flashbacks, acompanhamos a vida das quatro irmãs March: Jo (Saoirse Ronan), Amy (Florence Pugh), Meg (Emma Watson) e Beth (Eliza Scanlen), vivendo com a matriarca Marmee (Laura Dern) enquanto o pai está envolvido na Guerra Civil Norte-Americana. As quatro possuem aspirações artísticas, seja para a literatura, artes cênicas, pintura ou música. A vida vai passando, as pressões e os costumes vão moldando algumas dessas aspirações, tolhendo outras e o campo vai se estreitando para as definições de suas vidas adultas, enquanto precisam lidar uma difícil situação na rotina doméstica.
Com o afastamento de uma abordagem muito naturalista e um abraço ao tom terno da narrativa, o roteiro de Greta vai se debruçar sobre um jogo de concessões e desejos, assim como uma autoinvestigação de suas personagens sobre a sinceridade dessas duas instâncias. É no lidar com essas dúvidas, sobre as próprias capacidades, talentos, vontades e desígnios (vindos de si mesmas ou do mundo) em que reside a força dramática do texto de Greta. São questionamentos que passam por um "eu sou incapaz nisso que eu faço ou o mundo dos homens não reconhecerá minha capacidade?”, mas também por que "abrir mão disso é uma fraqueza?". É louvável como tudo isso é evocado sem soar raso, mas também sem precisar se entregar a uma abordagem mais pesada.
Greta e o montador Nick Houy articulam essas vidas em um bem estruturado vai e vem que costura bem os espaços e o tempo, pontuando suas rimas e seus contrastes. Se o presente é mais soturno, de planos mais longos e roupas mais escuras, como bem é ressaltado na cena de abertura com Jo, o passado no seio do lar é de uma montagem mais rápida, com a atenção dos planos sendo mais velozmente intercalada. Entre aquelas mulheres, a verborragia corre mais solta, com uma atropelando a outra. A luz também, nesses momentos, entra mais suave nos espaços, as roupas parecem ser mais leves e o mundo menos melancólico.
E toda esta potência é concretizada com a presença de cena das mulheres, razão da existência do filme. A começar por Saiorse Ronan, em seu segundo protagonismo seguido em uma obra da diretora, com quem trabalhou em Lady Bird. Na verdade, Ronan consegue ecoar inteligentemente aquela descontraída inconformidade com o mundo de sua personagem sem cair em maneirismos, adotando uma postura solta e divertida. Já Florence Pugh confere um ar pueril, às vezes quase infantilizado, para sua Amy, pontuando a versatilidade da atriz, que já trabalhou com uma energia completamente oposta em outras obras.Cabe a Emma Watson assumir o papel de irmã mais sisuda, porém não menos dotada de ternura em relação às suas irmãs. Ainda assim, a rainha da ternura é a jovem Eliza Scanlen, como a caçula das irmãs, e mesmo com um menor tempo de tela, cativa em seus modos tímidos e frágeis.
Mesmo deixando muito bem evidente as pressões da sociedade patriarcal naquelas vidas, Gerwig escolhe também por não personalizar maniqueísmos nas figuras masculinas. O jovem Laurie, vivido energicamente por Timothée Chalamet, pode até ser o protótipo de um esquerdomacho do século 19, mas passa longe de carregar algum traço de vilania ou crueldade, pelo contrário. Esse tratamento é dado para todos os personagens masculinos, que, com exceção de Laurie, estão presentes de forma muito pontual (e justa) no decorrer da narrativa.
Provavelmente será muito difícil que este Adoráveis Mulheres seja visto como apenas mais uma adaptação da obra de May Alcott, carregando tanto em uma narrativa tão simples e despretensiosa, como vem sendo a carreira de Greta enquanto diretora. Assim como em Lady Bird, fica a impressão de uma espécie de impulso autobiográfico acerca dessa ideia de liberdade de jovens mulheres, algo que também marca a obra original. Talvez a potência contida no filme venha dessas pitadas de uma narrativa escorada no próprio ato de criar outras narrativas, algo que o próprio texto evidencia espirituosamente.