De tempos e tempos o mercado editorial brasileiro retoma uma antiga discussão: o preço fixo do livro. Em muitos países, isso é lei. Durante um tempo estabelecido, que pode ser de 18 meses, como na Alemanha, ou dois anos, na França, os lançamentos não podem custar mais baratos ou mais caros do que o estipulado pelas editoras. É uma forma de garantir que livrarias independentes tenham a mesma chance das grandes redes - hoje elas têm menos desconto e prazo menor para pagar - e de manter as pequenas editoras no jogo. O assunto é controverso. Ao mesmo tempo em que pode ser encarado como uma tentativa de construir um mercado saudável é visto como uma ameaça ao livre comércio. Para o leitor final, é o fim dos descontos derivados da concorrência entre as livrarias. O tema foi debatido durante o Seminário do Preço Fixo do Livro, realizado no Rio de Janeiro, na noite desta segunda-feira (17).
Desta vez, o tema voltou ao foco dos editores brasileiros em agosto, quando as entidades do livro decidiram mandar uma carta aos candidatos a presidente com as demandas do setor. Naquela época, o Sindicato Nacional de Editores de Livro (Snel) não assinou o documento - preparado por, entre outras, Câmara Brasileira de Livros e Associação Nacional de Livrarias - por não concordar com a parte que dizia respeito à precificação do produto e preferiu conversar melhor com seus associados.
Dias depois sua carta seria enviada aos presidenciáveis, e nesta segunda-feira (17) o Snel, que já se posicionou contra a regulação do preço, reuniu editores, livreiros e outros profissionais brasileiros e estrangeiros, no Rio de Janeiro, para o Seminário Internacional Sobre o Preço Fixo do Livro. Nessa terça-feira (18), o assunto volta a ser debatido - mas desta vez pela Associação Nacional de Livrarias, que levanta essa bandeira há muitos anos. O encontro será realizado na sede da Câmara Brasileira do Livro, em São Paulo.
O cenário hoje é diferente. Se no final da década de 1980 o mercado foi sacudido pela abertura da primeira megastore da Saraiva (1996), que inauguraria um novo tipo de livraria hoje tão comum nos centros comerciais, pelo Ática Shopping (1997) livraria de vários andares que depois seria incorporada pela Fnac, pelo lançamento do site e e-commerce da Saraiva (1998), pelo início das operações do Submarino (1999) e pela chegada da Fnac (2000) com seus descontos de pelo menos 20%, hoje o que assusta é, entre outros fatores, a perspectiva de uma canibalização do mercado pela Amazon.
Comemorando seu segundo aniversário no País - mas só há três meses vendendo livro em papel - ela é criticada pela concorrência por sua postura agressiva de preço. Ela, porém, não é a única a acompanhar os preços das outras varejistas e a jogar o seu para baixo, mesmo que isso represente, e representa em muitos casos, prejuízo.
Presidente da rede de livrarias Leitura, fundada em Minas e presente em outros estados, Marcus Teles Cardoso de Carvalho disse que a internet vende ao público mais barato do que a editora vende para as livrarias. "Tem muito livro que a gente compra para revender na livraria, e a internet vira um distribuidor." A Leitura abriu sua loja virtual em 1998 e fechou em 2014, depois de 14 anos de prejuízo, conta Carvalho. Ele apresentou dados que comprovam que sua experiência não foi a única a não ter sucesso. "As livrarias e outros concorrentes das lojas virtuais passam anos e anos sem dar lucro. E quase todas as lojas virtuais que vivem de vender produto físico estão no vermelho - e há bastante tempo." Essa discussão toda vem de antes de a Amazon aportar por aqui, ele acredita, mas tende a piorar.
A gigante americana foi citada por todos os participantes em algum momento do seminário, e Sônia Jardim, presidente do Snel e vice-presidente do Grupo Record, disse que não se pode colocar a Amazon como única deflagradora da questão do preço do livro. "Há outros players envolvidos nisso, inclusive os próprios editores. Temos notícias de que para garantir a colocação inicial do lançamento em que se está apostando, editores chegam a dar 60% de desconto para o livreiro." Mas isso só acontece na relação com as grandes redes de livrarias.
E a parcela do editor vai além da negociação com o ponto de venda. Ele diminuiu tanto o valor dos livros - para terem, também, a tal postura mais agressiva perante os concorrentes - que já não sabem o que fazer para o mercado voltar a crescer. "Inventamos um preço e não conseguimos mudar há 10 anos", comenta Marcos da Veiga Pereira, sócio da Sextante e futuro presidente do Snel - ele toma posse em dezembro. Pereira conta que aprendeu com o pai, também editor, a dar preço a um livro. Usava-se, ele disse, uma fórmula mágica: bastava calcular os custos envolvidos e multiplicar por seis. Depois, no final dos anos 1990, as editoras criaram outro padrão e apareceram os livros de R$ 19,90, R$ 24,90, R$ 29,90 e R$ 39,90. "O mercado está estagnado. Não conseguimos vender mais livros do vendemos, há um aumento do número de lançamentos, de livrarias online."
Pereira ainda tem dúvidas sobre o preço único. "Sou um liberal, tenho dificuldade de lidar com ideia de fixar preço." Acredita, no entanto, que o mercado brasileiro é "completamente desregulado e absurdamente concentrado". Por isso a importância de retomar essa conversa.
NOVA LEI - "Aprendi nesses anos à frente do Snel que um projeto de lei é uma coisa muito lenta. Basta ver a questão do livro digital que está tramitando nos últimos três anos sem perspectiva de termos um ponto final. E começa de um jeito e termina de outro. O projeto de lei que se imagina que vai atender a nossa indústria certamente não será o projeto que será aprovado. Ele virá com uma série de emendas e outras questões que serão agrupadas, como a cota do livro do índio, do negro, do quilombola, e o livreiro será obrigado a ter o livro regional. Levaremos a discussão para o legislativo e ela virá encorpada de outra maneira. Não sinto ainda que tenhamos um assunto maduro para apresentar um projeto de lei amanhã que atenda as necessidades do mercado. Teremos um prazo grande pela frente", concluiu Sônia Jardim.
Mas tempo é algo escasso. Para o alemão Joachin Kaufmann, vice-presidente da Bonnier Books New Markets e representante de seu país no Comitê Executivo da International Publishers Association, uma lei como a do preço fixo não salvará o mercado da Amazon. "Mas pode diminuir o passo de seu desenvolvimento e evitar que ela tenha um market share tão grande", disse. A Alemanha sempre adotou essa política de precificação e lá a Amazon tem 14,9% do mercado de livro impresso e 46% do digital. Não é pouco, mas é bem menos do que a Inglaterra, que já fixou o preço do livro, mas que abriu mão dessa estratégia. Lá, a participação da empresa é de 27% e 84%, respectivamente. Para ele, se o Brasil não fizer nada nos próximos cinco anos no sentido de se proteger, autorregulamento seu mercado ou trabalhando para a criação de uma lei, pode ser tarde demais.
Ele vai além. Diz que se não houver uma organização será difícil com representantes de 30 entidades, por exemplo, fazer lobby. "Dessa forma, não levará três anos para a criação da lei, mas 50 e aí já não sei se vai ajudar em alguma coisa. O Brasil deveria criar uma única organização para pensar a lei do preço fixo e outras questões", aconselhou.
De difícil criação, a "lei", tão falada durante todo o dia, virou ao final do evento um "pacto", sobre o qual os profissionais ainda têm muito a discutir. Porque o mercado vê que pode, se unindo, sem a tal lei, decidir que os descontos dados a livreiros não ultrapassarão determinado teto e podem, se quiserem, estampar na capa o preço do produto, como ocorre na Inglaterra e em outros países. "Se formos esperar três anos para essa lei ser implementada vamos chegar a uma situação corrosiva" disse Marcos da Veiga Pereira.
Na primeira parte do encontro, os participantes ouviram sobre três experiências internacionais. Além de Joachin Kaufmann, Sam Edenbourough, presidente da Associação de Autores e Agentes do Reino Unido, contou como o mercado de lá aceitou e depois rejeitou a ideia de controlar o preço e Jean-Guy Boin, diretor do Escritório Internacional da Edição Francesa (BIEF) fez um panorama do mercado francês, beneficiado com ações protetoras, mas ainda sim em crise. O advogado especializado em diretos autorais Gustavo Machado mostrou os principais pontos da legislação brasileira no que diz respeito ao livro.