Em novo conto, Ricardo Lísias parte da crise da idade para falar da literatura

Na obra, vendida exclusivamente em formato digital, o autor constrói com precisão e força uma narrativa cheia de incômodos com o mundo e consigo mesmo
Diogo Guedes
Publicado em 21/07/2015 às 4:23
Na obra, vendida exclusivamente em formato digital, o autor constrói com precisão e força uma narrativa cheia de incômodos com o mundo e consigo mesmo Foto: Divulgação


Um dos convidados da programação literária do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), o escritor paulista Ricardo Lísias lançou neste mês um novo conto. Fisiologia da Idade (E-Galáxia, exclusivo em formato digital), continuação de uma série de textos do livro Concentração, traz a prosa sempre instável e marcante do escritor, aqui a partir de um narrador que acaba de completar 40 anos.

Esse Ricardo Lísias da ficção procura fugir da armadilhas de seus textos: não quer fazer um conto, não quer escrever novamente sobre os últimos 20 anos de vida. A narrativa o tempo todo brinca com as própria construções do autor em outras obras, como Divórcio e O Céu do Suicidas (“Não me reconheço com segurança em nenhuma linha desses textos”,  diz), em uma forma sempre de atualizar a verdade da sua prosa: ali, confessar a mentira (essencial no jogo da ficção) é um modo de garantir e reforçar o pacto da crença.

Fisiologia da Idade também aproveita a crise do personagem – ele quer, dessa vez, manter o controle, ter uma “crise reflexiva” – para disparar contra o cenário da literatura brasileira. Há uma pergunta de força ali: “Como o Brasil chegou a um número tão grande de romances que não incomodam ninguém?”, afirma. Em um texto que vez ou outra engole intencionalmente uma palavra, ele ainda comenta a sensação de ser estrangeiro dentro de um país de uma escrita “amorfa”. “Aliás, não paro de telefonar para os meus editores, pedindo para ser convidado para a.”, brinca consigo mesmo,

Recortes de quadrinhos – forma de tentar um retorno forçado à infância e de buscar fugir dos mesmos temas –, tuítes do autor e até um boleto bancário aparecem na obra, em jorros de realidade que a narrativa tão bem inventa. Como contista, Lísias costuma saber criar o retrato do incômodo consigo mesmo e com o mundo. Existe na obra uma espécie de instabilidade cuidadosa, que parece ser aleatória porque é na verdade muito precisa. Trata-se de "expor a exposição”, como comenta o personagem em dado momento do livro, definindo  seu projeto literário atual. Não é por acaso que chega a uma conclusão, titubeante e enferma, depois de toda a sua investigação aparentemente fracassada: “Pra mim, a literatura, a labirintite, tudo isso é o bastante”.

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