O Brasil tem um problema sério de interpretação de texto, diz Gregório Duvivier

Em seu novo livro, o humorista e ator mostra mais um lado de sua personalidade múltipla: os desenhos
Do JC Online
Publicado em 26/01/2016 às 4:34
Em seu novo livro, o humorista e ator mostra mais um lado de sua personalidade múltipla: os desenhos Foto: Renato Parada/Divulgação


Dona iPhone Lara, Like Batista, Papai do Selfie, Arnaldo iTunes. Todos esse personagens surgiram de um poço mágico da criatividade do humorista, ator, roteirista, poeta e, agora, desenhista Gregorio Duvivier: o tédio. Em formato de caderno moleskine, o seu novo livro, Percatempos – Tudo que Faço Quando Não Sei o que Fazer (Cia das Letras), traz mais uma faceta do carioca. Como Millôr, ele faz trocadilhos visuais e brincadeiras – inusitadas, criativas, infames – que forjou nos momentos de pausa, distante de computadores e celulares. Na entrevista abaixo, ele fala sobre redes sociais, influências e ilustrações.

JORNAL DO COMMERCIO – Gregório, em tempos de smartphones (inclusive com funções para desenho), manter um caderno de anotações parece cada vez mais incomum. Foram como anotações e desenhos casuais que surgiram os trabalhos de Percatempos? Por quanto tempo os fez?
GREGORIO DUVIVIER –
O trabalho surgiu daquelas anotações casuais, que os anglófonos chamam de doodling. Aquele rabisco Que faz o tempo passar mais rápido. Percebi que o tempo morto morreu com o smartphone. Antigamente matávamos o tempo de forma mais criativa.
 
JC – Você sempre gostou de desenhar? Nos agradecimentos, você cita o cartunista André Dahmer. Estudou ou treinou algum aspecto (com ele e com outros) para criar o livro?
GREGORIO –
O André, de quem sou fã, me apresentou o bico de pena. É um grande desenhista e um grande poeta. Aprendi com ele que liberdade é mais importante que qualquer técnica. A dificuldade é exatamente essa: conquistar a liberdade total, aquela das crianças.

 
JC – Millôr foi um dos entusiastas da sua poesia lá no começo. É a sua principal inspiração nesses Percatempos? Até pela multiplicidade de meios que você utiliza, ele é um autor com que você sempre se identificou?
GREGORIO –
O Millôr é o maior. Se expressava de mil maneiras, sem perder o estilo, que ele chamava de ausência de estilo, mas que era inconfundível. Certamente uma influência, assim como o Dahmer e a Laerte. Cresci correndo atrás das tiras no jornal. Temos cartunistas brilhantes. O Brasil tem uma tradição maravilhosa de humor gráfico.

JC – Teatro, TV, filme, poesia, crônica, desenhos (e posso ter esquecido um ou quinze outros trabalhos). Ainda há algum formato ou linguagem em que você ainda sonha em criar?
GREGORIO –
Todos. Não tem nenhum formato que não me seduza. Aqueles que eu menos domino são os que mais me atraem. A música, por exemplo.
 
JC – Em uma coluna, você fez uma carta – não como a de Temer – para o Facebook e, desde então, não postou no seu perfil pessoal. Tem sido libertador ficar longe da rede social? Realmente “nenhuma obra da literatura pode competir com treta e com nudes”?
GREGORIO –
Nenhuma. A internet, assim como a televisão (mas ainda mais), quer sua atenção integral. Não se contenta com um pedacinho. É tudo ou nada. Nessa batalha, a literatura perde. O livro não pisca e vibra quando você está longe dele. O livro precisa de uma calma que a internet não dá.
 
JC – Nesse mesmo texto, nos comentários, alguém sugere, quase aleatoriamente, que a carta para o Facebook pode servir para realizar uma separação de “Dilma, Lula, Eduardo Cunha, Edson Fachin, Dias Toffoli, Lewandowski”. Você ainda fica assustado em ver comentários surreais – cheios de ódio ou que fazem associações bizarras como essa – nos seus textos e nas redes sociais?
GREGORIO –
Sempre fico assustado. O Brasil tem um problema muito sério de interpretação de texto. As pessoas entendem o que elas querem. Acho que é falta de hábito de leitura mesmo. É um país cuja média de leitura é de um livro por ano. E, geralmente, esse livro é a Bíblia. Que, aliás, é a obra mais incompreendida da história. Que pena.

Leia um trecho do livro Percatempos.

TAGS
Gregorio Duvivier
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory