Biografia de Mick Jagger se confunde com a história dos Rolling Stones

Escrito por Philip Norman, biografia pousa nas lojas às vésperas de a banda empreender mais uma turnê mundial
JOSÉ TELES
Publicado em 12/11/2012 às 8:32



O jornalista e escritor inglês Philip Norman é autor de uma série elogiada de biografias de astros do rock. A mais conhecida é John Lennon – A life. Dos Rolling Stones já realizou três. Agora lança Mick Jagger (Companhia das Letras, 619 páginas, R$ 47,60). Um livro oportuno, que pousa nas lojas às vésperas de Mick Jagger e cia. empreenderem mais uma turnê mundial (provavelmente a última, pela idade em que estão, e pelo espaço de tempo entre uma e outra turnê).

Uma tarefa desafiadora para Norman que, como o vocalista dos Stones, completa 70 anos em 2013. Poucas figuras públicas tiveram sua vida tão esmiuçada quanto Michael Phillips Jagger. Desde 1963, ele é presença constante na imprensa, na TV, no cinema e sobretudo em discos e palcos. Uma biografia de Mick Jagger não pode deixar de ser também mais uma história dos Rolling Stones. Agora, ainda é possível descobrir algo na vida do cantor que já não tenha sido assunto de matérias em revistas e jornais, ou que não esteja em outros livros sobre ele?
Norman é um escritor de talento, consegue manter interesse por capítulo exaustivamente dissecado da trajetória dos Stones, a exemplo da impagável prisão de Mick Jagger, Keith Richards e mais algumas pessoas que participavam de uma animada festinha em Redlands, a propriedade de Richards. Ele vai fundo no processo em que se envolveram Jagger, Richards e o fotógrafo Richards Fraser, que se tornou um marco na luta pelos direitos individuais na Inglaterra, com o sisudo Times estampando editorial na capa do jornal e citando o poeta Pope para protestar contra a prisão dos jovens rebeldes.

A imagem de rebeldes dos Stones, oposta a de bons moços dos Beatles, foi forjada pelo empresário Andrew Loog Oldham, personagem fascinante da era da Swinging London e da era de Aquarius nos EUA. Oldham, de maneira até irresponsável, tornou os bons moços dos Stones em abomináveis e arrogantes rapazes, com os quais nenhum pai de família queria ver filha namorando. Já o outro empresário mais famoso da época, Brian Epstein, vestiu roupas de garotos comportados nos abomináveis Beatles, todos saídos da classe operária, com estágio na zona mais barra pesada da Europa, a do porto de Hamburgo, na Alemanha.

Em comparação com os Beatles, os Stones eram escoteiros. Mas não foi assim que eles foram vendidos por Andrew Loog Oldham. Tanto fantasiaram-se de bad boys, que acabaram acreditando no personagem e tornaram-se mesmo maus. A prisão por posse de drogas, por exemplo, foi uma tentativa frustrada do establishment (uma expressão tão apreciada na época) impedir que eles continuassem contaminando a juventude sadia com seu comportamento subversivo. É difícil de acreditar que os Rolling Stones tenham provocado celeuma com canções como Let’s spend the night together (1966), ou com Satisfaction (1965), esta segunda banida por algum tempo da programação da BBC por ser considerada uma apologia à masturbação. Andrew Loog Oldham insistiu em torná-lo a face oculta do pop britânico. A face visível, obviamente, eram os Beatles.

Norman detalha a primeira investida dos Rolling Stones nos Estados Unidos, tecendo sutis comparações à entrada triunfal dos Beatles nos Estados Unidos. Enquanto John, Paul, George e Ringo hospedaram-se no mais luxuoso hotel de Manhattan, entre a Quinta Avenida e o Central Park, os Stones tiveram direito a um hotel barato, o Astor, em Times Square, dividindo quartos com roadies, enquanto empresário Andre Loog Oldham dormiu de favor no sofá do escritório de Phil Spector. Em sua triunfal chegada aos EUA, em 1964, os Beatles apareceram nos principais programas de TV, incluindo o campeão de audiência Ed Sullivan; os Stones, em alguns Estados do Sul, apresentaram-se para plateia minúsculas ou tiveram que dividir o palco com tigres e chimpanzés.

Entre muitas histórias manjadas, Philip Norman encontra pequenas pérolas que ajudam a enfeitar a biografia, por exemplo, ao contar como o radialista Murray The K, um dos mais influentes de Nova Iorque na época, indiretamente contribuiu para que finalmente se abrisse a porta do sucesso para o quinteto inglês: “Em particular os Stones consideravam Murray K uma figura ridícula, mas ele prestou um enorme favor. Aconteceu uma festa no apartamento de Bob Crewe (compositor e produtor do Four Seasons), num edifício sombrio na periferia do Central

Park, conhecido como Dakota, onde 16 anos depois a história dos Beatles encontraria um fím brusco e horrível. Durante a tarde, Murray deu de presente um disco de R&B a Andrew Oldham: It’s all over now, composto pelo guitarrista de Sam Cooke, Bobby Womack...”. Murray sugeriu que os Rolling Stones deveriam gravar a música. E mais: poderiam conseguir os direitos da canção ali mesmo, na festa, com o agente de Womack, um misto de contador e empresário pop, chamado Allen Klein. Assim como o Dakota, Klein entraria na vida dos Beatles de forma fatal”, escreve Norman.

Gasta-se muitas páginas no relacionamento de Mick Jagger com Marianne Faithfull, a descendente da nobreza decadente europeia que se gabava do parentesco com o escritor maldito Leopold Ritter von Sacher-Masoc. Várias vezes, Norman recorre ao livro que melhor tratou deste conturbado relacionamento, Faithfull – A autobiography, da própria Marianne Faithfull (lançada em 1994, inédita no Brasil). Outro livro a que recorre, é Up and down with the Rolling Stones, de Tony Sanchez, espécie de lugar-tenente de Keith Richards. Em seu livro, o espanhol Sanchez conta detalhes escabrosos do patrão, dos Stones e das pessoas que viviam em torno deles. Um livro que poderia ter sido, no mínimo, uma boa leitura – se escrito – foi o texto que o escritor Truman Capote decidiu não fazer. Embora tenha aceitado o convite da revista Rolling Stone para acompanhar os Rolling Stones, na turnê americana de 1972.

“Ele passou a acompanhar a turnê em Kansas City, o que era bastante apropriado”, visto que sua obra-prima de não ficção A sangue frio relata um crime brutal que ocorreu lá. Capote recebeu um tratamento VIP que não foi dado a qualquer repórter acompanhante da turnê, mas rock and roll não era a praia dele. Costumava chamar os Stones de Beatles. “Capote nunca entregou seu artigo à Rolling Stone, queixando-se que a turnê não tinha sido muito interessante quanto ele esperava... Os comentários subsequentes de Capote sobre Mick nos programas de entrevistas na TV fora rabugentos, mas não totalmente desatentos. Não há qualquer correlação entre um Jagger e um Sinatra... (Mick) não tem talento, a não ser um olhar de mosca morta... essa coisa unissex é uma coisa sem sexo. Acredite em mim, ele é tão sexy quanto um sapo fazendo xixi. Acho que ele poderia ser um homem de negócios. Ele tem essa facilidade de ser capaz de pensar nos recibos enquanto chicoteia o palco durante Midnight rambler”. Melhor mesmo para os Stones que não tivesse escrito.

Uma biografia de Mick Jagger não tem como ficar dissociada da história dos Stones. Norman aproveita muito do que usou nos livros The Stones (1993), Symphony for the devil: The Rolling Stones story (1984), The Stones: the acclaimed biography (2002). Mick Jagger, o livro, pode ser resumido numa expressão surrada: incendiário na juventude, bombeiro na velhice. Perto de se tornar septuagenário, Mick Jagger é um multimilionário, um homem de família, que gosta, segundo Philip Norman, de conferir os filhos alinhando-os em fila, como o capitão Georg Von Trapp, do file A noviça rebelde.

Definido pela ex-esposa Jerry Hall como um predador de mulheres, ele aprendeu com a brasileira Luciana Gimenez a pular a cerca com cautela. O affair com a apresentadora brasileira, lhe rendeu o fim de um longo casamento, mais 4,5 milhões de libras pagos a Jerry Hall, mais cem mil libras por ano, além de 25 mil para cada filho até que completem 25 anos. O sátiro, que já participou de movimentadas festinhas na Mansão da Playboy nos anos 70, mostrou-se chocado quando Elizabeth, uma de suas filhas, aceitou aparecer na Playboy (ela acabou desistindo por causa do pai).

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