Chácara Asa Branca, em Campina Grande do Sul, no Paraná. No local, um grupo formado por uma cantora e seus músicos, um arranjador e um produtor, todos imersos na feitura de um álbum durante seis dias ininterruptos, em fevereiro de 2015. No final, um sonho realizado. Quando a cantora paranaense Janaina Fellini, de 31 anos, teve o projeto de seu disco, o segundo da carreira, selecionado pelo programa Rumos Itaú Cultural (ao lado de outros 100, entre 15 mil inscritos), ela não podia prever que conseguiria ir tão longe com a nova empreitada. A ideia da residência em uma casa, onde todos os envolvidos se instalassem e ali permanecessem dedicados na elaboração e na gravação do disco, veio depois da aprovação do projeto. Houve outras conquistas: a presença do produtor Beto Villares e um espaço na agenda do maestro Letieres Leite. Foi dessa forma, e com esse time, que nasceu o álbum Casa Aberta, que Janaina Fellini apresenta nesta sexta-feira (22/1), no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, com participação de Letieres.
Músico, arranjador e compositor, Beto Villares produziu discos de nomes como Zélia Duncan, Céu e Pato Fu, além de compor para trilhas sonoras de TV e cinema, como os filmes Cidade Baixa e O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias. Já o músico Letieres Leite, requisitado arranjador, é criador da Orkestra Rumpilezz, composta por percussão e sopros. Até então, Janaina só conhecia o trabalho dos dois, mas nunca havia trabalhado com eles. Mesmo assim, eles aceitaram a proposta: Villares como produtor e Letieres como arranjador.
"Eles são as duas maiores referências para esse projeto", aponta a cantora. "O Beto é meio guru, é mais quieto, vai observando e, de repente, faz um comentário que muda tudo. O Letieres é o cara do ritmo, do afro-baiano, pega o que é da raiz e transforma no contemporâneo. Para o meu trabalho, isso é fundamental."
Foi importante também a imersão no projeto. Janaina lembra que foi inspirada, e "sensibilizada", por textos que descobriu em suas leituras e pesquisas. Os escritos do neurobiólogo chileno Humberto Maturana sobre o amor; José Saramago e seu O Conto da Ilha Desconhecida; o trabalho da artista performática Marina Abramovic; a pedagogia moderna abordada por Jorge Larrosa Bondía; entre outras fontes.
"Foram coisas que fui conectando. Todas elas falavam sobre a importância da convivência, para que a gente transforme alguma coisa e para que esse processo fique orgânico e vivo", conta ela.
"Pensei: 'como vou fazer esse processo musical separado de todo mundo?'. Porque a gente poderia fazer isso: o Letieres mandaria os arranjos, o Beto faria a pós-produção. No início, seria assim, inclusive. A gente ia gravar aqui em Curitiba. Mas e aí, e essa convivência, essa conexão? Pensei que essa convivência podia potencializar a música que existia dentro da gente. E, de fato, foi o que ocorreu", conta.
Casa Aberta é um disco de intérprete. Janaina chegou à residência com nove músicas escolhidas, com a combinação de que uma décima canção seria composta dentro da casa - e sem saber ao certo como as coisas se dariam ao longo desses seis dias.
Mas, aos poucos, eles foram se adaptando àquela breve nova rotina. Quem acordava primeiro preparava o café da manhã. Todos comiam e, depois, subiam para o estúdio. A hora para a próxima refeição, fosse ela almoço ou jantar, dependia da fluidez do dia. Havia um cronograma a ser cumprido, mas o processo em si corria livremente.
"Foi uma surpresa muito boa, porque podia ter, sim, dado tudo errado. A gente chegou com a nossa bagagem, com a nossa 'casa'. Não a casa no concreto, mas o que a gente tem guardado dentro de cada um, e generosamente a abriu", diz Janaina.
Nessa fase de entrega coletiva, Janaina viu diretrizes que ela já tinha planejado previamente tomarem outros rumos. Como no caso das nove faixas que levou para a gravação. Duas delas saíram e deram lugar a Promessa, de Bruno Capinan e Luisão Pereira, que chegou até ela um dia antes da residência, e Quem, de Alice Ruiz e Itamar Assumpção.
Das inéditas, além de Promessa, o disco traz Infinito Efêmero, de César Lacerda, e a citada canção criada durante a residência, no estilo working in progress, que leva o nome de Árida, uma parceria de Janaina com Bernardo Bravo, Beto Villares, Estrela Leminski, Téo Ruiz.
Das releituras, surgem canções de autores que são referências para ela, como Gilberto Gil, em O Seu Amor; Lucas Santtana, em É Sempre Bom Se Lembrar; e o já mencionado Itamar Assumpção, em Quem (com Alice) e Sutil.
Há ainda outras regravações pouco óbvias: Varanda, de Alessandra Leão; Preta, de Lirinha, e a bela Sol das Lavadeiras, de Zé Manoel e Mavi Pugliesi. Janaina foi feliz na escolha das músicas do cancioneiro brasileiro, do referencial ao contemporâneo. Muito disso se deve a Beto Villares, que a dissuadiu da ideia de fazer "um disco mais pop", com um tipo de repertório familiar à primeira audição.
"Naquele momento, eu pensava que essa era minha última oportunidade. A gente tem essa questão da dificuldade de acesso às grandes mídias às vezes. O Beto me pegou no flagra", confessa. "Ele me deu mais uns nomes, dei outros nomes para ele e, assim, a gente foi se conquistando até chegar a esse repertório".
O toque de Midas de Letieres deu ainda mais frescor a faixas que já não são tão banalizadas em muitas regravações. Uma obra embalada pelas sutilezas em letra, música e voz.
Filha de pai sanfoneiro, e todo esse lado da família formado por músicos e cantoras, Janaina Fellini nasceu na pequena Vitorino, no interior do Paraná, onde só ouvia música no rádio e, mesmo assim, com um número restrito de artistas no dial, como Elis Regina e Vanusa. Ela só aprofundou seus conhecimentos na área após se mudar para Curitiba, onde fez faculdade de Jornalismo e se dedicou ao canto.
E, para a sua música, deseja a leveza. "Gosto do caminho da sutileza para o meu trabalho. Prefiro não ter canções de reivindicação, prefiro outros caminhos."