Chico Science: 20 anos após sua morte, mangueboy é cada vez mais mito

Duas décadas depois, o músico é onipresente na paisagem do Recife e Olinda pelas mãos dos fãs e artistas anônimos
Gabriel Albuquerque
Publicado em 02/02/2017 às 9:00
Foto: Foto: JC Imagem


No início da noite do domingo, no dia 2 de fevereiro de 1997, um Fiat Uno chocou-se contra um poste, no Complexo de Salgadinho, na divisa entre o Recife e Olinda. Francisco de Assis França, que estava sozinho, morreu no local. Uma hora mais tarde, tambores e clarins silenciavam em Olinda, que já vivia o Carnaval. A consternação apoderou-se das duas cidades. Em Olinda ele nasceu e cresceu. No Recife fez-se famoso, ao liderar uma renovação na música popular brasileira, como não acontecia desde o tropicalismo, 30 anos antes. O manguebeat foi o primeiro movimento de alcance nacional surgido e difundido no País sem que seus agentes estivessem no Rio ou São Paulo. 

Chico Science gravara, com a Nação Zumbi, o primeiro disco, Da Lama ao Caos, há apenas quatro anos. Afrocibederlia, o segundo álbum, chegou às lojas em 1996. O grupo fizera duas turnês internacionais, pelos Estados Unidos e Europa. Preparava-se para a terceira. A fama de Chico Science já havia ido além das fronteiras do País, era um nome emergente na world music. Seu necrológio no New York Times ocupou um quarto de página, assinado pelo editor de música Jon Pareles.

Chico Science foi velado no Centro de Convenções, por milhares de pessoas, incluindo entre estas o escritor Ariano Suassuna, então secretário de Cultura do Estado, que chorou publicamente ao reverenciar o cantor, que insistia em chamar de Chico Ciência. Mas uma dúvida pairava no ar. Continuaria ele na memória do pernambucano com o passar do tempo?

Vinte anos depois, pode-se afirmar categoricamente que o mangueboy está muito vivo no Recife e em Olinda. Não apenas por que a prefeitura batizou um túnel ou uma rua com seu nome. Mas, sobretudo, por causa dos fãs e dos artistas de rua. Graças aos grafiteiros a imagem de Chico Science está espalhada pelos mais diversos recantos, sob as mais diversas óticas e perspectivas. Em cada uma delas é explícita a admiração, a exaltação ao mito. Chico vive. Na Rua da Moeda tem, desde 2005 (uma escultura assinada por Demétrio Albuquerque).

- Foto: JC Imagem
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As grafitagens representando Chico Science podem ser vistas na Via Mangue, em Boa Viagem, no Pina, em lugares ermos, ou bem movimentados. O chapeuzinho de pescador, popularizado por ele, óculos escuros, e as patolas de caranguejos são comuns a quase todas, porém não há um padrão. Os artistas plásticos anônimos dão vazão à imaginação. Pouco antes da entrada de Olinda, Science dás boas vindas em alemão, no Cais de Santa Rita. O grafiteiro pensou um Chico Science ecumênico, com traços das gravuras do Armorial e chapéu de cangaceiro. Em Peixinhos, berço de integrantes e ex-integrantes do Nação Zumbi, grafites de Chico Science decoram um muro inteiro do espaço cultural Nascedouro. 

Curiosamente, não há indícios da passagem de Chico Science pela ONG Daruê Malungo, na Campina do Barreto, onde estão fincadas as raízes do manguebeat. Ali um dia, levado pelo colega de trabalho Gilmar Correa, o ainda Francisco de Assis França cantou pela primeira com um grupo chamado Lamento Negro, que fazia ijexá e samba reggae. Voltou trazendo um guitarrista, Lúcio Maia. A conselho do Mestre Meia Noite, que dançava com o Balé Armorial, foram incentivados a trocar o ritmo híbrido baiano pela centenário maracatu pernambucano. O resto é história, mas que não está preservada fisicamente na casa que abriga o Centro de Educação Cultural Daruê Malungo.

COMEMORAÇÕES A CHICO SCIENCE

A Nação Zumbi normalmente tem por hábito não celebrar, pelo menos publicamente, a partida de Chico Science. Prefere evocar o nascimento do mangueboy, como ocorreu no ano passado com a passagem dos 50 anos de idade e os 20 do lançamento de Afrociberdelia.

Hoje, contudo, a banda vai estar no palco do projeto Território Incomum, na Marina da Glória, no Rio de Janeiro, fazendo um show. Mas a homenagem é para Gilberto Gil, com quem ensaiou ontem à tarde. Um show que com certeza evocará Chico Science, de quem Gil foi um admirador de primeira hora e com quem dividiu o palco do Summer Stage, em Nova York, na primeira turnê da banda aos Estados Unidos. Gil também faria uma apresentação apoteótica no Abril Pro Rock. A noite tem ainda a participação de Jorge Mautner, que quem a banda gravou uma versão definitiva de Maracatu Atômico.

Por falar em Nação Zumbi, seu projeto carnavalesco A Troça Elétrica faz sua primeira prévia no Recife no próximo dia 23, no Baile Perfumado, com Bexiga 70 e Orquestra de Frevo Henrique Dias.

A Prefeitura do Recife, no final da tarde de ontem, anunciava que o Memorial Chico Science lembrará o músico exibindo o dia inteiro, ou melhor das 9h às 17h, o documentário O Caranguejo Elétrico, de José Eduardo Migliolia. Uma funcionária do memorial disse que, talvez, na semana que vem, o espaço realize um evento para celebrar os 20 anos sem o malungo sangue bom.

Em sua homenagem, o Grupo Experimental apresenta hoje o espetáculo Zambo, às 20h, no Espaço Experimental, criado no mesmo ano da partida de Chico, sob a concepção da bailarina e coreógrafa Mônica Lira em parceria com Sonaly Macedo.

A montagem de hoje recebeu o título Uma Dança para Chico e terá no palco os bailarinos do grupo Lilli Rocha, Gardênia Coleto, Jorge Kildery, Márcio Filho, Rafaella Trindade e Rebeca Gondim, com participação de Daniel Silva e parte da trilha executada ao vivo por Tarcísio Resende, Paula Caal e Jennyfer Caldas. “Ela acontece com a força e a união de artistas e colaboradores”, diz o grupo, que não conta com apoio regular de nenhum órgão ou instituição. Os ingressos custam R$ 40 (inteira), R$20 (meia) na bilheteria.

A editora Panda Books pega carona nos 20 anos de morte de Chico Science para lançar o livro-reportagem Manguebeat, escrito pelos jornalistas jornalistas Júlia Bezerra e Lucas Reginato. O livro faz parte de uma trilogia que abarca O Fino da Bossa e O Funk. Júlia e Lucas apresentam o início da carreira de Chico Science, Fred Zero Quatro, Renato L. e Jorge du Peixe. 

A Sony Music, que lançou os dois discos que ele gravou com o Nação Zumbi – Da Lama ao Caos e Afrociberdelia –, não anunciou nenhum lançamento para marcar a efeméride. Mas o malungo Chico Science continua cada vez mais vivo, cada vez mais mito. 

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