“Se tu tá acordada / Cinco horas da manhã / Significa / Que tu tá apaixonada / Ou tu tá sozinha / E eu não sei o que é pior”. Lançado em julho, Letrux em Noite Climão é o primeiro trabalho “solo” de Letícia Novaes. Antes, a carioca lançou três álbuns com o Letuce, duo que formou de 2007 a 2016 com Lucas Vasconcellos. Mas é com o pseudônimo Letrux que ela se mostra cada vez mais Letícia. A letra de Noite Estranha, Geral Sentiu acima é uma das 11 nas quais ela fala sobre flertes, envolvimentos e separações, presentes no show que faz sábado no Guaiamum Treloso Rural 2018, em Aldeia.
As muitas críticas feitas ao álbum citam todas o som disco, remetente ao embalos pop oitentistas. Já o climão, Letícia explica como um estado além do passional–romântico sugerido a princípio. “Climão é tudo, é o estado geral, não só dos flertes, paixões e separações, mas também do País. Como se apaixona num país golpeado? Como se lida com tudo isso? Dormir, dançar, acordar ou se apaixonar?”, questiona.
Apesar de aqui se apresentar como cantora, Letícia, fã de Janis Joplin, ex-aluna de teatro da Casa de Artes de Laranjeiras, essencialmente escreve. Então se expõe da infância até os 30 e poucos e mostra muito de quem enxerga em si e um tanto “de quem eu gostaria de ser. Muita coisa de quem já fui”, diz, em entrevista por e-mail ao JC. “Já me arrependi, claro (das muitas sinceridades). Tenho medo de quem diz ‘nunca me arrependi’ (risos). Viver é estar propenso a se arrepender. Acho saudável se arrepender”.
Parte do fascínio em se desprender talvez venha de pia, por isso o motivo de três projetos musicais carregarem o radical Let – Letícios, a banda da adolescência, Letuce e agora Letrux, que antes já era também apelido. “Amo meu nome, mas acho Letícia Novaes muito formal, curto apelidos. Let em inglês significa ‘deixar acontecer’. Apesar de ser capricórnio e ser cheia de planos, minha vida tem muito improviso e imprevisto e eu deixo. Letrux virou meu apelido depois que Letuce virou nome de banda. Meus amigos me chamavam assim, contanto até que meu (nome no) WhatsApp era Letrux esse tempo todo. Aí quando busquei um nome, tava logo ali, na minha cara”, conta.
Ora passional ora triste–irônica, Letícia canta como quem conta uma história a um amigo entre uma bebida e outra e às vezes lembra a cadência da voz de Marina Lima, com quem divide os vocais em Puro Disfarce. Se Letrux em Noite de Climão tem sido a trilha de muitas ‘sofrências’, ela elege a trilha das suas bads. “Tem aquela que dá pra ouvir Radiohead e cozinhar até. E tem aquela pra ouvir Bethânia e não sair do banho”.
Ela conta que à época da feitura do álbum ouvia uma mistura entre música clássica e as óbvias referências eletrônicas escancaradas no resultado final. “Ouvi muito Bach, porque meu parceiro estuda hooooras de Bach por dia e, como moramos juntos, eu ficava ali exposta àquela genialidade. Umas coisas anos 70 também, disco music, amo. Também estava me debruçando sobre a cantora italiana Mina”.
Sua música pode estar cercada por um nicho indie–pop, mas esteve entre os shows pedidos incansavelmente por um público bem jovem, tanto para o Guaiamum Treloso, quanto para outros grandes festivais do Recife. Movimentou, portanto, ouvintes pós–Letuce e gerou respostas não esperadas. “O álbum foi feito sem pretensão alguma”, diz. “Minha arte sai porque precisa sair. E que bom que as pessoas são curiosas com a minha curiosidade”.
Fruto do terceiro financiamento coletivo encabeçado por Letícia, o trabalho deve ser também o último a vir a mundo sob esse custeio, por conta do cansaço de todo o processo, opina ela, que elaborou recompensas que foram de 30 pocket shows a 30 mapas astrais. Ainda se recuperando do investimento, ela segue com os shows enquanto se desdobra em projetos que devem chegar ao longo do ano.
“Estou fazendo duas trilhas sonoras. Uma para a peça Isso Vai Dar Certo de Alguma Forma, só com mulheres, que estreia dia 8 de março aqui no Rio (de Janeiro). E também a trilha do programa Desnude, do GNT, com Arthur Braganti, que é meu melhor amigo, tecladista e um dos produtores do Climão. E quero muito terminar meu segundo livro – sucessor de Zaralha: Abri minha pasta (2015) – e lançar ainda esse ano, se possível”, encerra.