Na faixa Here’s To Never Growing Up, do disco que leva seu nome, lançado em 2013, Avril Lavigne propõe um brinde àqueles que não querem crescer. A letra é reveladora: ela não nega o envelhecimento (na época, já tinha 29 anos), mas enfatiza o estado de espírito da juventude, quando a vida parece infinita. Agora, em 2019, o cenário é outro: após enfrentar a Doença de Lyme, em 2015, e também ter se divorciado do músico Chad Kroeger, do Nickelback, ela diz ter passado por um processo de autoconhecimento e revisão de suas prioridades. Ela tenta expressar essa nova fase da vida em Head Above Water, disco recém-lançado que quebra um hiato de seis anos longe da música.
A ideia de juventude é quase indissociável da imagem de Avril Lavigne. Quando foi revelada ao mundo, com o álbum Let Go (2002), ela se converteu em um fenômeno instantâneo e foi alçada pela mídia como uma anti-Britney Spears. Sua atitude ligada à cultura skatista e pré-emo, além do fato dela escrever suas canções, eram consideradas sinais de autenticidade. Ela se tornou um símbolo de adolescentes em busca de uma rebeldia com um quê de domesticação.
De fato, Avril capturou um zeitgeist que já começava a bombar com músicos homens, como o Blink 182, e encontrou nela a voz e a atitude que dominariam as rádios e a MTV. Ainda que construídas em cima de uma atitude mais roqueira, pós-grunge, suas canções tinham também uma forte sensibilidade pop, como demonstram os primeiros singles Complicated e Sk8er Boi.
Era uma adolescente falando para seus contemporâneos de maneira acessível e o retorno foi imediato: mais de 14 milhões de cópias vendidas. Sua habilidade como compositora, diga-se de passagem, nunca foi devidamente valorizada, mas já brilhava em faixas como a balada I’m With You.
A canadense refinou seu trabalho com o segundo disco, Under My Skin (2004), com temas mais melancólicos e baseados em experiências recentes de abandono e desilusão, a exemplo das ótimas Nobody’s Home, My Happy Ending, Forgotten e Fall To Pieces. Foi um momento, também, de transição. Saíram as roupas “roqueiras” que mais pareciam figurinos e entra um visual mais sóbrio, com inspirações góticas.
Ela deixaria a reflexão mais aprofundada e abraçaria o hedonismo com força em The Best Damn Thing, disco mais pop e que produziu Girlfriend, um dos singles mais vendidos da década passada. É um momento interessante da carreira dela, que por tanto tempo foi apontada como uma oposição de artistas como Britney. A própria artista transformou seu discurso público, retirando as críticas que tinha feito à colega.
Os dois álbuns seguintes, Goodbye Lullaby (2008) e o já citado Avril Lavigne (2013), ainda flertavam com temáticas adolescentes, com momentos interessantes. No disco autointitulado, ela faz um dueto com o então marido Chad Kroeger em Let Me Go, mas o destaque é Bad Girl, com Marilyn Manson. A canção tem um quê de rock industrial e glam e mostra uma Avril desinibida, brincando com suas próprias contradições. Nela, ela une sua admiração ao movimento riot grrrl à sua imagem quase ninfeta (apesar da idade). Não por acaso, a faixa é seguida por uma intitulada Hello Kitty, um EDM que poderia muito bem estar em um disco do início da carreira de Katy Perry ou Selena Gomez.
É interessante observar essa dicotomia da imagem da canadense. Os adolescentes para quem ela cantava há 17 anos já cresceram e ainda que tenha conseguido emplacar hits ao longo de quase duas décadas, Avril já não tem uma audiência específica para quem se comunica (questão, aliás, pela qual passa toda cantora pop que iniciou a carreira muito jovem – e a esta altura podemos muito bem enquadrá-la nesta categoria).
EMERGIR
Nesse sentido, Head Above Water busca um tom mais sóbrio. Em sua maioria, as letras tratam do reconhecimento das fragilidades, dos medos, e a tentativa de superação. A exceção é Dumb Blonde, parceria com Nicki Minaj que parece uma tentativa de replicar o sucesso de Girlfriend, com sonoridade à la cheerleader. Apesar de divertida, a faixa soa deslocada no álbum, com uma letra um pouco datada sobre enfrentar o estereótipo da loira burra. Olhando atentamente, é uma declaração até insensível em um momento em que grupos desprovidos dos privilégios que Avril carrega tentam lutar por respeito, oportunidades e justiça.
Já a faixa-título é uma das melhores lançadas por ela nos últimos anos e fala diretamente de sua batalha contra a Doença de Lyme. A canção tem inspirações no rock cristão e dialoga diretamente com essa nova percepção de mortalidade – e a busca por forças seja na medicina, no divino ou dentro de si. É um dos momentos de maior versatilidade vocal que ela apresentou em sua carreira.
A doença só aparece diretamente referenciada aqui e em Warrior, que encerra o álbum. São canções sobre resiliência, superação. Mas, ao longo do disco, é o crescimento – finalmente entender que o tempo passa e isso não é ruim, o grande tema.
Em Birdie ela relata a jornada de libertação de um relacionamento abusivo. A temática continua em Fell In Love With The Devil, desenvolvida com o piano como base. A tentativa de se libertar desses padrões destrutivos, entendendo também as inseguranças e contradições que a fazem continuar aparecem ainda em Tell Me It’s Over, com pegada soul.
Souvenir soa como uma faixa que poderia estar nos dois primeiros álbuns da canadense – o que é bom. Na vulnerável Crush reforça a vontade da cantora de explorar novos territórios, flertando com o r&.b. O ritmo aparece novamente em Goddess, na qual ela fala sobre um relacionamento saudável (finalmente!) e de como ela não sabia como queria/precisava se sentir amada e respeitada.
Mais uma vez, é bom observar com Avril se soltou e borrou as fronteiras que a “separavam” de suas companheiras do pop-rock americano e em faixas como Bigger Wow é possível imaginar outras cantoras, como as novatas Bebe Rehxa e Dua Lipa nos vocais.
Um dos momentos mais emblemáticos do disco é a balada It Was In Me, na qual ela reflete sobre sentir-se bem sóbria e ainda jovem, reconhecendo-se também mais velha. Aos 34 anos, Avril Lavigne oferece um brinde ao amadurecimento.