“Tente não se entregar à bebida, pode até beber, mas não muito. Fique longe do cigarro, é um vício caro e não lhe fará bem algum. Se fumar, fume cachimbo, é melhor e mais respeitável”, trecho de uma carta que o pai do baterista inglês Ginger Baker, que morreu na Segunda Guerra Mundial, escreveu para ele. A carta só lhe foi entregue pela mãe quando Baker estava com 14 anos.
Peter Edward Baker, cuja morte foi anunciada domingo, não pautou sua trajetória pelos conselhos do pai. Bebeu, fumou e foi viciado em várias drogas pesadas, incluindo heroína. Mesmo assim conseguiu chegar aos 80 anos, completados em 19 de agosto de 2019. Considerado um dos grandes bateristas da história do rock, Ginger (por causa dos cabelos ruivos) passou por três bandas que fizeram história: a Graham Bond Organization, Cream e Blind Faith, todas nos anos 60.
Teve a sua própria banda no inicio da década de 70, a Ginger Baker’s Air Force. Além disso, gravou e tocou com uma infinidade de músicos e bandas, do nigeriano Fela Kuti ao Public Image Ltd, Bill Frisell e Hawkwind. Porém, o que o tornou um dos bateristas mais conhecidos no mundo foi ter integrado o Cream, com o baixista Jack Bruce e o guitarrista Eric Clapton. O Cream é tido como o primeiro supergrupo do rock and roll. O que não é exatamente verdadeiro. Do trio o único que era já uma celebridade e considerado o melhor guitarrista da Inglaterra era Eric Clapton.
O Cream foi fundado em 1966, por Ginger Baker e Eric Clapton. Foi Baker que convidou Jack Bruce, com quem tocou em diversos grupos, desde o início da carreira. Os dois viviam brigando mas interagiam no palco como se fossem os melhores amigos. Em sua autobiografia Hellraiser, Ginger Baker conta as muitas rusgas entre ele e Bruce, o principal compositor do Cream, ao se acreditar no que conta o baterista, pelo menos nos créditos dos discos.
“Um dia Jack veio com um riff, que tocava muito rápido. Eu disse a ele, cara tá muito ligeiro, toca mais devagar. Ele tocou, eu fiz um acompanhamento na bateria e, bang, lá estava Sunshine of Your Love. Eric fez a parte do meio da música. Achei que Jack fosse lhe dar o crédito. E que Eric dissesse a ele pra me creditar, porque eu mudei a música”. Clapton entrou na parceria, com o letrista Pete Brown. Ginger Baker conta que foi para um bar, e encheu a cara até passar a vontade de “matar” Jack Bruce.
As desavenças chegaram ao palco. No final de um show, Ginger Baker confessou a Eric Clapton que estava cheio com a banda. Eric também estava. Mas o que acabou o Cream, tão bem sucedido em vendas de disco quanto em turnês, foi uma crítica de Jon Landau, no ainda jornal Rolling Stone, sobre Eric Clapton: “Longo e maçante solos cheio de clichês”. O grupo ainda gravaria um álbum, apropriadamente batizado de Goodbye. Com o fim do Cream, Eric e Ginger formaram mais um “supergrupo”, o Blind Faith com Stevie Winwood e Ric Grech.
O Blind Faith durou apenas um álbum. Em seguida, Ginger Baker formou o Ginger Baker’s Air Force, aí sim, um supergrupo, já que todos seus integrantes vinham de grandes bandas, Stevie Winwood, Ric Grech (baixista do Blind Faith), Graham Bond e o guitarrista Denny Laine, que veio do Moody Blues e mais tarde tocaria no Wings, de Paul e Linda McCartney (que foi namorada de Ginger Baker). Ginger Baker, cuja causa mortis não foi divulgada, continuava em atividade e viveu mais que suficiente para ver respondida uma pergunta que o citado Jon Landau fez na matéria que contribuiu para o fim do Cream: “Será que a banda passará pelo teste do tempo?”. Não apenas a banda passou, como seus três integrantes,individualmente, também passaram. Do trio resta apenas Eric Clapton. Jack Bruce morreu em outubro de 2014.