Emicida traz o imperdível show de AmarElo ao Rec-Beat

Rapper paulistano canta no Cais da Alfândega as músicas de seu irretocável quarto álbum de estúdio, lançado em outubro de 2019
Nathália Pereira
Publicado em 23/02/2020 às 7:00
Rapper paulistano canta no Cais da Alfândega as músicas de seu irretocável quarto álbum de estúdio, lançado em outubro de 2019 Foto: Foto: Júlia Rodrigues/Divulgação


Dez anos é o espaço de tempo formador do elo que une Pra Quem Já Mordeu Um Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe, a mixtape de estreia de Emicida, e AmarElo, o álbum que o rapper paulistano batizado Leandro Roque de Oliveira lançou em outubro passado.

É o show desse trabalho que encerra amanhã (segunda, 24) a terceira noite de apresentações do festival Rec–Beat, que celebra 25 anos em 2020. Emicida chega através da iniciativa Frei Caneca FM Convida e será antecedido por DJ Libra (PE), Ana Frango Elétrico (RJ), Flaira Ferro (PE), DJ Dolores & Recife 19 (PE) e Guts (França).

Propositalmente ou não, há nos registros de Emicida uma linearidade para falar de morte e vida com elementos da vivência dele próprio. Em O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (álbum de estúdio, 2013), ele põe a mãe, Dona Jacira, para ler texto sobre a morte do pai, na faixa Crisântemo.

Depois, Dona Jacira aparece novamente, dessa vez, para falar de nascimento, o dele mesmo, em Mãe, do Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, lançado em 2015: “Alguém prevenia: filho é pro mundo / Não, o meu é meu / Sentia a necessidade de ter algo na vida / Buscava o amor das coisas desejadas / Então pensei que amaria muito mais alguém que saiu de dentro de mim e mais nada / Me sentia como a terra: sagrada / E que barulho, que lambança / Saltou do meu ventre, contente, e parecia dizer: ‘É sábado, gente!’ / A freira que o amparou tentava reter seus dois pezinhos sem conseguir / E ela dizia: ‘Mas que menino danado! / Como vai chamar ele, mãe?’ / – ‘Leandro’”.

Agora, em AmarElo, ele mesmo participa do intertexto, conversando com quem supõe-se ser a filha caçula, ainda bebê (na faixa Cananéia, Iguape e Ilha Comprida), em um disco que é claramente um chamado de celebração à vida que resiste.

É uma característica esperada, mas dessa vez surpreende muito mais porque escolhe o caminho de sutileza para celebrar a humanidade e as experiências que a fazem complexa: histórias, religiosidade, referências, amizades, inspirações artísticas e musicais e, também, para falar de temas pesados – a sétima música, 9nha, com participação de Drik Barbosa, por exemplo, pode passar como narrativa de um amor romântico em uma primeira escuta pouco atenciosa. Mas, na verdade, narra a sinuosa relação de um jovem eu-lírico com uma arma de fogo.

É um disco que precisa ser degustado, cada uma das 11 composições reúne entrelinhas para serem digeridas pouco a pouco. Há ainda luxuosas participações, como as de Zeca Pagodinho, em Quem Tem Um Amigo (Tem Tudo), e de Fernanda Montenegro, recitando trechos de Ismália, poesia de Alphonsus de Guimaraens de quem Emicida empresta o título.

Outro destaque vai para Pequenas Alegrias da Vida Adulta, que pode, além da homônima AmarElo, sintetizar o espírito do álbum. Com clipe no qual o ator Aílton Graça encarna um homem comum que vira o herói brincalhão das filhas pequenas, anuncia: “E ela diz: ‘Deus te acompanhe, pretin, bom dia’ / Me deu um beijo e virou poesia / ‘Deus te acompanhe, pretin’ / E um beijo de amor explodiu em alegria”.

ANTOLOGIA

O clima de aniversário pelos dez anos de Quem Já Mordeu Um Cachorro... continua com um livro lançado por Emicida no fim do ano passado, homônimo ao registro e em formato de antologia, reunindo textos de artistas, historiadores, poetas, pensadores e pessoas próximas ao rapper, além de ilustrações ligadas ao mundo das histórias em quadrinhos.

O material circula pelas histórias que rodeiam a mixtape, como o fato dos CDs terem sido gravados em casa, de modo artesanal, embalados um a um em envelopes marcados em carimbo com o "cabeça de fita" – personagem que se tornou facilmente reconhecido pelos admiradores do artista e do rap nacional – e vendidos inicialmente por R$ 2.

Há ainda o fato de o nome da mixtape ser a literal descrição de um acontecimento que Emicida hoje costuma contar aos risos: o da cadela que lhe roubou uma fatia de pão e a quem ele mordeu para recuperar a comida. O livro promete ajudar a entender os dez primeiros anos da carreira de um dos mais interessantes artistas da recente geração da música nacional.

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