O DJ Zé Pedro é dos que escrevem torto por linhas certas. Gaúcho de Porto Alegre, foi morar no Rio de Janeiro aos oito anos de idade. Adulto, trabalhou como caixa do Bradesco, em seguida foi caixa do Crepúsculo de Cubatão, uma das mais badaladas casas noturnas cariocas nos anos 80. O lugar era especializado em rock inglês, reduto dos dark. Foi lá que Zé Pedro o "DJ" ao seu nome de batismo, mas optou por tocar um set de MPB, ousadia que lhe rendeu matéria de página inteira no Jornal do Brasil. Não demorou, estava em São Paulo, trabalhando no Resumo da Ópera, com o rei da noite Ricardo Amaral. Convidado por Adriana Galisteu foi fazer o Superpop na TV, passou pela São Paulo Fashion Week, lançou uma trinca de discos de remixes, fez programa badalado de rádio, até que, em 2011, ei-lo dono de uma gravadora, a Joia Moderna. O empreendimento surgiu por acaso.
Amigo de Thiago Marques Luiz, que atuava como produtor na Lua Music, Zé Pedro passou a conhecer os meandros de uma gravadora acompanhandolhe a carreira: "Ele, apaixonado pela música brasileira, e mais jovem que eu, começou a fazer um resgate de cantoras e cantores do passado, Cauby, Ângela, e toda essa gente. Comecei a ver Thiago produzir esses discos, que fazia com músicos jovens e estúdios com preço acessível. Uma noite fomos jantar e ele me disse que estava com um problema, pois havia pago uma gravação da Cida Moreira, voz e piano, para um tributo a Taiguara, e a Lua Music não estava interessada. Eu perguntei se ele queria que eu o ajudasse a finalizar os projetos. Thiago me disse que a questão não era essa, era não ter onde lançar. Daí, eu, maluco, disse: Será que abro uma gravadora?", conta o DJ Zé Pedro, em entrevista por telefone.
Abriu a gravadora, tomando o nome emprestado de um raríssimo disco de Alaíde Costa. O conceito do novo negócio nasceu no momento da decisão. De saída, a ideia não era virar uma empresa, com escritório e funcionários. Tentaria ser uma espécie de marchand, apoiando os artistas que gravava, mas sem vínculos contratuais com eles, que seriam donos dos discos que lançassem pela Joia Moderna: "Como eu gosto de cantoras, seria uma gravadora de cantoras, uma gravadora de resgate, que procuraria os lugares escuros da música brasileira, onde o mercado não vai. Ou não vai mais, ou nunca foi". Combinou com Thiago Marques Luiz de estrear a gravadora com os discos de Cida Moreira, e o tal tributo a Taiguara que havia ficado pendente.
"Aí me Lembrei de Silvia Maria, uma cantora pela qual eu tinha uma obsessão quando eu era garoto. Estava desaparecida há 40 anos, a gente conseguiu localizá-la e fizemos um disco com ela. Depois fizemos a Zezé Mota cantando Macalé e Melodia. A Joia Moderna, então, já abriu com esses excessos, uma caixa com quatro discos. Queria só fazer girar a roda. As tiragens seriam de mil cópias, desde sempre no nome do artista, pra quem o disco retornava depois de esgotada a minha edição", continua o DJ.
A Joia Moderna não demorou a mudar o foco em direção aos artistas mais jovens, alguns inéditos, como é o caso do pernambucano Ayrton Montarroyos, que ficou conhecido no Brasil pela participação no programa The Voice Brasil, mas já havia gravado antes, em tributos produzidos por Thiago Marques Luiz. O criador da Joia Moderna esclarece o motivo de interromper a operação resgate: "Olho no Facebook, vejo um bocado de gente nova. Mas só se fala de Caetano, Maria Bethânia e Gal Costa, Não falo mais nesses cantores porque eles não precisam de mim. Acho que pra prestigiar o passado tem muita gente, no entanto, pra levantar a bandeira dos novos quem tá aí? Mas a Joia Moderna era de resgate, alguém me questiona. Sim, mas acho que os novos precisam mais de mim. Para os antigos, tem A Discobertas, gravadora de Marcelo Fróes, tem Rodrigo Faour, ou Thiago Marques".
Foi também com uma pernambucana, Ylana Queiroga, que formava quase uma dupla com Ayrton Montarroyos, que o DJ Zé Pedro acionou sua operação Jovens à Vista. Pernambuco, por sinal, parece ser alvo de um interesse especial da parte dele: "Não foi planejado, é que está vindo uma coisa muito forte daí. Quando lancei Ylana, foi a primeira virada da Joia para os mais novos. O disco dela estava para ser finalizado há muito tempo, e a gente ofereceu condições para ela terminar. Tem daí a Isadora Melo, que fez um dos dez melhores discos do ano. O disco de Isadora saiu em silêncio, eu falei para ela que se soubesse teria encaixado o disco na Joia Moderna, que virou uma espécie de farol para os jovens", ressalta DJ Zé Pedro, que lançou um songbook do petrolinense Zé Manoel (leia mais na página 15) e lança, semana que vem, a estreia solo de Felipe S, da Mombojó. Delírio de um Romance a Céu Aberto é o título do songbook de Zé Manoel, gravado por Fafá de Belém, Ana Carolina, Juçara Marçal, Elba Ramalho, Vanessa da Mata, entre outros nomes consagrados da MPB:
"Com este disco de Zé Manoel eu fiz uma espécie de malandragem. Ele estava com prestígio entre jornalistas, entre os artistas, mas o público não o conhecia. Tentei botar esses cantores importantes ali pra trazer um público pra ele. Estão pedindo o disco sem parar porque tem aqueles medalhões ali. Acabei de ter uma reunião com uma grande empresária para trabalhar com Zé Manoel a partir deste discos. O Brasil ficou muito maluco, tem uma produção vasta, mas faltam bons empresários", diz DJ Zé Pedro, sem adiantar o nome do empresário que pode alavancar ainda mais a carreira até agora cult Zé Manoel.
Comprador voraz de discos físicos, paradoxalmente, DJ Zé Pedro diz que o artista tem que estar na internet: "Se você fizer um disco e não botar na rede, não existe, como aconteceu agora com Gustavo Gallo. Felipe S me disse que vai dar o disco pra baixar. Quem quer encher a memória do seu celular, do seu computador, se tem Spotify? Não tente lutar contra a realidade. Falei pro Felipe S você fez um monstro de disco, mas ninguém vai baixar nada. Tem um cara que resiste à rede, Negro Léo, marido da Ava Rocha. Resiste, mas ninguém conhece ele!, dispara".
A Joia Moderna é uma das trincheiras de resistência da música de qualidade. Zé Pedro diz que não perde tempo em criticar o avassalador domínio do sertanejo na música brasileira. Quando está tocando, sempre lhe pedem hits sertanejos: "Na última meia hora do meu set entra alguém pra tocar sertanejo. Falar mal de sertanejo? Eu ignoro, porque não me identifico com isso. Eu faço o meu. A Joia Moderna é o meu vingador. Quando vejo o disco do Zé Manoel ser tão bem recebido, eu digo: missão cumprida."