Seu empregador é machista? Reclame

Mercado reproduz cultura da sociedade e ainda discrimina profissionais por questões ligadas ao gênero. Mulher não precisa aceitar situação, dizem especialistas
Emídia Felipe
Publicado em 10/03/2014 às 16:30
Foto: NE10


Quando lançou o livro Faça Acontecer, no ano passado, a vice-presidente de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, foi criticada por atribuir às próprias mulheres parte da culpa da opressão do mercado do trabalho sobre elas. Sheryl teve que se explicar: a cultura machista tem que ser combatida, dentro e fora das empresas, mas essa luta começa com a mulher levantando-se e fazendo-se respeitar. Em um cenário em que elas ganham pouco mais do que 80% do que é pago aos homens, executivas de Recursos Humanos ouvidas pelo Jornal do Commercio repetem a mensagem de Sheryl: para fazer justiça, é preciso que as mulheres mostrem que estão insatisfeitas com essa situação. 

Mesmo com ganhos ao longo das décadas, a situação da mulher no mercado de trabalho ainda é desprivilegiada em relação aos homens, desde à escassez de mulheres acupando cargos de diretoria e presidência até o preconceito contra grávidas e mães. “O mercado de trabalho materializa a dinâmica das relações sociais e, nelas, as mulheres são discriminadas”, comenta a pesquisadora do Dieese em Pernambuco Milena Prado. “Precisamos mudar essa cultura e educar as pessoas, para que elas compartilhem as tarefas em sociedade, independentemente do gênero, para que, ao chegarem no mercado, essa segregação não se perpetue”. 

A sócia e consultora da Ágilis RH Eline Nascimento acrescenta que, mesmo com uma presença feminina cada vez mais marcante no orçamento doméstico, a cultura que se espalha pelas empresas é do homem como arrimo de família. “Talvez ainda exista uma imagem culturalmente ativa de que o homem precisa ganhar mais como principal ou único mantenedor, o que hoje não é mais uma realidade.” 

Um dos principais reflexos da extensão da cultura machista para dentro das empresas é a remuneração menor para mulheres. Dados recentes do Dieese mostram que a média de rendimento das mulheres na Região Metropolitana do Recife é quase 30% menor do que o dos homens. É verdade que eles trabalham cerca de cinco horas a mais por semana do que elas – o que, para a Milena Prado, pode ser atribuído principalmente à opção feminina por horários mais flexíveis, para cuidar da casa e da família. Porém, quando a remuneração é isolada por hora, extinguindo a diferença de carga horária, a diferença entre os salários feminino e masculino tem oscilado entre 26% e 29% nos últimos anos (veja o infográfico).

Infográfico

Gênero pesa sobre o salário

“A culpa é da mulher também”, dispara a gerente executiva da divisão de RH da consultoria Michael Page, Renata Wright. Ela explica que a mulher deve exigir que sua remuneração seja pautada por sua competência e seus resultados, não porque tem um útero. “Se ela está dentro de uma organização onde há esse tipo de discriminação, essa não é a empresa certa para ela estar”, diz a executiva. Renata esclarece que os resultados, a “entrega” e a produtividade são as variáveis que devem ser comparadas na hora de analisar se está havendo preconceito de gênero. “Se ela sabe que as metas acordadas são atingidas, ou até superadas, como também é comum entre as mulheres, ela precisa reivindicar”, afirma a especialista. 

Eline Nascimento complementa orientando que a profissional precisa estar consciente de quanto o mercado está pagando pela função que ela exerce. Com essas informações e certa de que está fazendo um bom trabalho, é hora de procurar o gestor quando se percebe que colegas homens em situação semelhante estão ganhando mais ou que ela não está ganhando o suficiente. “Em uma conversa franca e em particular, é preciso perguntar quais critérios a empresa está usando para remunerar as pessoas. Se esses critérios não são claros, se a empresa não se preocupa em valorizá-la como profissional, talvez seja hora de mudar de empregador”, aconselha. “A postura deve ser assertiva e a prioridade tem que ser: estar numa empresa que lhe reconheça”, diz Eline. 

Mulher é avaliada pelo que faz

A necessidade de coragem feminina no mercado de trabalho vai muito além de questionar o chefe sobre os critérios de remuneração. É preciso ter fôlego para provar que que é competente. No livro de Sheryl, são relatados diversos estudos acerca desse tema. Um deles é um relatório da consultoria McKinsey de 2011, que destacou que os homens são promovidos com base em seu potencial, enquanto as mulheres são promovidas com base no que já realizaram. 

As dificuldades existem tanto para executivas de grandes empresas, quanto para mulheres em funções de nível fundamental e médio. Levantamento recente da consultoria Salários BR, focado em atividades ligadas à venda de ovos de chocolate para a Páscoa, mostra que, entre cinco cargos – embalador, confeiteiro, auxiliar de confeiteiro, doceiro e vendedor –, quatro pagam mais para os homens que para as mulheres. “Em geral, nas áreas de comércio e serviço, onde há flexibilidade para pagamento de comissões e outros extras, a diferença é maior do que na indústria, por exemplo, que tem nível de formalização maior e jornada de trabalho bem definida”, analisa Milena Prado. 

Porém, as executivas de RH consultadas pelo JC estão otimistas quanto à mudança do mercado. “A diferença salarial existe. Mas vemos que essa discriminação está se reduzindo aos poucos, especialmente nas novas contratações”, afirma a gerente de HR Solutions na Randstad Professionals, Ana Flávia Stella. Para ela, a disparidade é mais comum entre quem já está há mais tempo no mercado. “Hoje, quando as vagas são abertas, os salários são os mesmos”, destaca Ana Flávia, que atua com recrutamento para cargos de média e alta gerência.

Para Eline Nascimento, a evolução da gestão nas companhias é aliada na luta feminina pelo respeito salarial. “Quando a empresa implanta um plano de carreiras, não há margem para fazer uma diferenciação de gênero”. Ela avalia ainda que o enfraquecimento da discriminação é mais significativo entre as profissões com maior nível de qualificação, pela pressão do mercado: “As empresas estão sendentas por mão de obra qualificada e precisam priorizar a competência”. 

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