A crise econômica que atinge o País desde 2014, além da restrição de consumo, trouxe consigo uma espécie de “educação financeira forçada” a milhares de brasileiros. Com a renda cada vez mais comprometida, boa parte da população passou a pensar mais em como e por que gasta, mesmo após passada a pior fase da recessão. De acordo com levantamento da CNDL/SPC Brasil e do Banco Central, oito em cada dez brasileiros, ou seja, 79% das pessoas do País mudaram seus hábitos de consumo em função do impacto da crise, incluindo desde a adoção de táticas como a pesquisa de preço (59%), a redução de gastos com o lazer (56%) e o controle de gastos pessoais ou da família (55%).
Com uma redução drástica de salário na metade do ano passado, o hoje estudante de Direito Lucas Mendes, 24, passou a ter mais cuidado com o quanto tira do bolso. Até então trabalhando como pesquisador, por conta da graduação que tem em História, o jovem teve que mudar de profissão, iniciando a faculdade de Direito e ganhando 60% menos, agora como estagiário. “Tive que mudar meu lazer, diversão e algumas contas de serviços. Mudei a conta do celular, reduzindo o consumo de dados móveis e consequentemente pagando menos por isso. Costumava viajar mais de uma vez ao ano, e, agora, é no máximo uma vez, além de evitar ir a festas”, conta ele.
Embora a redução dos gastos não o garanta ainda um saldo pouco mais gordo na conta ao fim do mês, a mudança de hábito pelo menos já o permite ficar no azul. “Eu consegui deixar de ficar com dívidas. Se tivesse mantido o estilo de vida que tinha, não conseguiria terminar o mês positivo. Os pagamentos são realizados, mas não sobra muita coisa”, confessa Mendes.
Ainda de acordo com o SPC, devido às mudanças de hábito, 37% da população sente-se alegre por conseguir manter os gastos essenciais, 33% está aliviada por não estourar o orçamento e 32% ainda tem a sensação de estar limitada por não poder comprar o que quer. “A gente percebe que a crise econômica teve algum caráter educativo. Para o lado do consumidor, a mudança é importante porque se ele consegue se organizar, com certeza passa por um momento de crise com mais tranquilidade, mantendo esse hábito e podendo fazer um reserva financeira para qualquer tipo de serviço. Pelo lado do consumo, ele talvez consuma um pouco menos hoje, mas ele não vai ter problemas depois com inadimplência e impacto de arcar com juros mais elevados”, explica a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti.
Efeito direto da mudança nos gastos dos brasileiros ou não, o percentual de famílias brasileiras que apresentam algum tipo de dívida caiu para 60,1% em janeiro de 2019, segundo os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O valor representa uma queda em relação aos 61,3% apurados no mesmo período de 2018.
O total de inadimplentes – os que possuem dívidas ou contas em atraso – também caiu em relação a janeiro de 2018, registrando 22,9% no mês passado em comparação aos 25,% do período anterior. Da mesma maneira, também diminuiu o volume de famílias que declararam não ter condições de pagar suas contas, passando de 9,5% em janeiro de 2018 para 9,1% neste mês.
No caso de Pernambuco, o Estado apresentou a sexta alta consecutiva no percentual de endividados, ao fim do mês de janeiro de 2019. O movimento crescente foi iniciado em agosto de 2018, com a comemoração do Dia dos Pais e percentual de 62,2% da população endividada, frente 67,7% no mês passado, totalizando 345.168 mil famílias com alguma dívida. Em janeiro de 2018, 67,9% da população estava endividada.
“A gente sofreu muito em relação à crise. E isso fez com que muitas famílias tivessem uma educação financeira forçada. Essa postura mais conservadora em relação ao consumo faz a família valorizar muito mais a sua renda e fazer um planejamento do que vai consumir. O endividamento vinha numa queda, mas a partir de agosto começou a crescer, porém é importante destacar que o endividamento não deve ser demonizado, porque a dívida pode estar dentro controlada, diferente daqueles que não têm mais condição de pagar suas dívidas”, afirma o economista da Fecomércio-PE, Rafael Ramos.
Em relação a falta de condições de pagar as contas, pelo menos 30 mil família pernambucanas conseguiram sair dessa situação no período de um ano. Em janeiro de 2018, o percentual de famílias sem poder pagar as dívidas chegava aos 16%. No mesmo mês de 2019, o percentual caiu para 12% (61.825 mil famílias). “Muitas famílias conseguiram sair dessa posição crítica porque existe, de fato, um planejamento para não ficarem mais inadimplentes”, reforça Ramos.
Atualmente, em Pernambuco, 142.432 mil famílias estão com alguma conta em atraso (28%). A taxa é a maior desde abril de 2018, quando o percentual chegou a 28,6%. O tipo mais apontando de débito em aberto ainda é o cartão de crédito, atingindo 93,2%, seguido do endividamento com carnês (20,9%).