Como o Minha Casa Minha Vida salvou as construtoras na crise

A crise econômica fez o apetite da classe média por imóveis diminuir, e o MCMV chegou a 2017 representando 72% do PIB do setor no Brasil
Lucas Moraes e Edilson Vieira
Publicado em 25/03/2019 às 10:55
A crise econômica fez o apetite da classe média por imóveis diminuir, e o MCMV chegou a 2017 representando 72% do PIB do setor no Brasil Foto: Foto: Agência Brasil


A enchente de 2010 que atingiu a Zona da Mata pernambucana, destruindo mais de 17 mil residências, foi a razão pela qual a AWM Engenharia – àquela época atuando há mais de dez anos no mercado imobiliário – construiu pela primeira vez imóveis do programa Minha Casa Minha Vida. Atendendo a um chamamento público feito pelo governo do Estado para “reconstrução” da região, não só a AWM, mas outras cinco construtoras filiadas à Associação das Empresas imobiliárias de Pernambuco (Ademi-PE) uniram-se para erguer 12.386 mil moradias, e acabaram por conhecer uma nova fatia do mercado imobiliário. Nove anos depois, o novo pedaço passou a ser quase o todo. A crise econômica fez o apetite da classe média por imóveis diminuir, e o MCMV chegou a 2017 representando 72% do Produto Interno Bruto do setor no País, com geração de R$ 622 bilhões em valor agregado ao PIB.

“Eu construía muito nas faixas média e alta, mas veio a crise. Embora já conhecesse o Minha Casa Minha Vida, a expertise no programa só chegou com a enchente na Zona da Mata. Participamos da concorrência para execução do projeto, e a partir daí continuei produzindo imóveis na faixa 1”, conta o diretor da AWM, Alexandre Mirinda, que hoje já atua em todas as faixas do programa e, só na faixa 1, já conta com mais de mil unidades entregues em municípios como Pesqueira e Olinda.

Conforme os números do Indicadores Abrainc/Fipe de dezembro de 2018, o ano passado representou o terceiro ano consecutivo de crescimento dos lançamentos de imóveis, após recuos de 16% entre 2014 e 2015. O volume cresceu 72% entre 2016, 2017 e 2018. Boa parte desse percentual é fruto do papel do MCMV na recuperação do mercado. Enquanto os empreendimentos de médio e alto padrão (MAP) representaram 21,2% das unidades residenciais lançadas no ano passado e 29,4% das unidades vendidas, os empreendimentos vinculados ao Minha Casa Minha Vida alcançaram a maior parte dos lançamentos (78,8%), além de deterem 70,6% do número total de vendas, nas faixas comerciais – faixa 1,5, faixa 2 e faixa 3.

A safra para o MCVM parece ser tão boa, que até construtor especializado em outros segmentos resolveu embarcar em novos modelos de negócio. Thiago Mendonça, que até então trabalhava em empresas que construíam imóveis na faixa 1, deixou de ser diretor de desenvolvimento de negócios em construtoras voltadas à área subsidiada do programa para se tornar sócio de uma nova construtora, a Apemax, especializada em produtos de mercado do MCMV. “Não acredito mais no faixa 1 pela escassez de recursos. O governo fala de um déficit enorme no Orçamento, então o que a gente acredita mesmo é no produto de mercado. Eu venho do segmento faixa 1 e me associei para continuar no ramo imobiliário”, diz Mendonça, que já conta com três empreendimentos sob análise para lançar e vender um total de 1,5 mil unidades habitacionais em Pernambuco. 

No Estado, conforme o Índice de Velocidade de Vendas (IVV) de dezembro, enquanto o indicador chega a 4,7% na avaliação dos imóveis como um todo, exclusivamente no âmbito do Minha Casa Minha Vida, o IVV sobe para 13,9%. Ao longo dos doze meses daquele ano, a média do IVV para os imóveis do MCMV foi de 9,63%, enquanto os imóveis adquiridos com os demais recursos tiveram média de 4,1%. A pesquisa apontou ainda uma queda de 36,75% nos estoques, com 55% das ofertas enquadradas no programa do governo federal. Do total de vendas dos doze meses (4.391 mil), 54,33% foi do Minha Casa Minha Vida, com preço médio R$ 3.035 mil por m², contra R$ 6.457 do m² dos demais imóveis.

Se os lançamentos acontecem, consequentemente novos empregos também são gerados. A Baptista Leal, que iniciou este ano obras para imóveis faixa 2 em Cajueiro, no Recife, espera contratar 60 trabalhadores diretos e outros 20 terceirizados até o fim da construção.

Desde que entrou para o segmento da construção civil como servente de obras, em 2010, Djalma Porfírio Souto, 44 anos, só tem conseguido emprego em construtoras de pequeno e médio porte, justamente para entrega de unidades do MCMV. “Fui contratado em fevereiro pela Baptista Leal. Fazia um ano e um mês que estava desempregado. A maioria das pessoas que trabalham comigo agora só têm conseguido vaga em construtoras menores mesmo. Para mim, ter emprego é muito bom, porque a minha mulher segue desempregada e a única renda de casa para nós e minhas duas filhas é a minha”, comemora.

Interesse no MCMV

De acordo com o diretor de política habitacional da Ademi, Genildo Valença, das 100 empresas hoje filiadas à entidade, pelo menos metade atuou, está atuando ou tem interesse em entrar no mercado do MCMV, principalmente nas chamadas faixas comercias, que não dependem de recursos da União para subsídio e, consequentemente, sofrem menos com a escassez de verba. “Especificamente na faixa 1, no entanto, não me chegou informação de tantas construtoras com interesse. No caso das faixas comerciais, o construtor procura áreas que tenham demanda, com infraestrutura urbana e saneamento. Já as áreas subsidias vêm de chamamento público. O governo ou a prefeitura de um município enxerga uma área para habitação de interesse social e habilita construtoras para fazerem a obra”, justifica Valença. 

No caso do Recife, despertar o interesse das construtoras pelo MCMV, sobretudo na faixa 1, é um desafio que envolve, além das dificuldades de repasses, a falta de terrenos com preços mais populares. “O tereno é uma dificuldade porque o dono geralmente quer um valor mais alto do que é possível à construtora pagar dentro dos custos de um MCMV. Se não encontrar um terreno um pouco mais periférico, não consegue entregar seu produto. Um imóvel MCMV custa cerca de R$ 130 mil (faixa 1,5). No Recife, a maioria dos imóveis do mercado está acima de R$ 200 mil. Para se ter uma ideia, numa troca de unidades por área de terreno, em se tratando do MCMV, o dono do terreno fica com 10% a 12% das unidades. No Recife, esse percentual chega a 20%. Não dá para o empreendedor pagar, porque a margem de lucro não chega”, explica o vice-presidente da Ademi-PE, Thiago Melo. 

Marco

Reconstrução de habitações na Zona da Mata, após as enchentes de 2010, representou o ponto de partida para muitas construtoras que passaram a atuar no MCMV. Ao lado, Djalma Porfírio Souto, 44 anos, conseguiu emprego numa construtora de médio porte, com a retomada do crescimento das faixas comerciais do programa, que voltam a estimular o setor

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