Petrobras e Governo Federal atuam pela abertura do mercado de gás brasileiro

Na semana passada, a Petrobras anunciou a venda da Transportadora Associada de Gás (TAG), que atende a boa parte do Nordeste
Lucas Moraes
Publicado em 14/04/2019 às 16:04
Na semana passada, a Petrobras anunciou a venda da Transportadora Associada de Gás (TAG), que atende a boa parte do Nordeste Foto: Foto: Renato Spencer/ Acerco JC Imagem


Considerada a maior transação da história na área de fusões e aquisições da Petrobras, a venda de 90% da Transportadora Associada de Gás (TAG) é tida por especialistas do setor de gás natural brasileiro como o primeiro passo para andamento da abertura do mercado à atuação da iniciativa privada. Na prática, o negócio representa apenas a troca de gestão, colocando nas mãos da francesa Engie e do fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec (CDPQ) – ao preço de R$ 33 bilhões – o controle da infraestrutura de transporte de gás que corta boa parte do Nordeste. No entanto, a iniciativa tem dado fôlego às discussões em torno da quebra do monopólio de gás no País e de questões regulatórias que inibem a competitividade.

Assim como a venda em 2016 dos gasodutos da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), a passagem da TAG para as mãos da iniciativa privada é parte das ações de desinvestimento da Petrobras para reforçar o caixa abalado pelas perdas com escândalos de corrupção nos últimos anos. Só que desta vez, a venda dos 4,5 mil quilômetros da TAG – cuja negociação foi iniciada ainda na gestão Temer (em 2017) – está garantindo à estatal a possibilidade, segundo estimativa de analistas, de reduzir em até 10% o seu endividamento líquido (R$ 268 bilhões ao fim de 2018) e acontece justamente no momento em que o governo atua contra a impossibilidade de entes privados fazerem uso das redes de dutos 100% contratadas pela Petrobras, mas com apenas pouco mais da metade da capacidade total utilizada.

“O mercado brasileiro, de forma geral, estruturou-se sob a liderança da Petrobras e seu monopólio. Nós hoje estamos num momento linear de quebra disso, para tentar dar transparência nos preços e maior competitividade até o gás chegar no consumidor final. Até 2016, a Petrobras controlava toda a malha de gasoduto do País. Agora, mesmo que ela esteja abrindo mão desses ativos, ainda é preciso criar um mecanismo que permita que outros comercializadores também possam acessar o sistema”, explica o sócio-diretor da consultoria Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto. Segundo ele, o arcabouço legal do setor já tem determinação para acesso de terceiros aos gasodutos, mas isso está na lei desde 2009 e ainda não aconteceu por falta de atualização.

Conforme a consultoria, a existência de um monopólio de gás no Brasil é o principal motivo para fazer com que os preços praticados no País ao consumidor não sigam as tendências internacionais. Enquanto na Europa e Ásia paga-se cerca de US$ 8 por milhão de BTU (medida de poder calorífico); e nos Estados Unidos, entre US$ 3 e US$ 4, no Brasil, os compradores pagam de US$ 12 a US$ 17 por milhão de BTU. “A ANP, a Petrobras e também os transportadores já estão estudando como, respeitando os contratos existentes, poder ao mesmo tempo permitir que a iniciativa privada entre no mercado”, reforça Moreira Neto.
Ao passo que a Petrobras se desfaz dos seus ativos de gás, a ANP tem avançado na coleta de propostas para mudanças na regulamentação do segmento. Na última quarta-feira, foi realizada audiência pública sobre a minuta do edital da chamada pública para contratação da capacidade no gasoduto Bolívia Brasil (Gasbol). A chamada pública da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia Brasil (TBG) representa o primeiro passo na direção da implementação do regime de entrada e saída no transporte de gás natural no Brasil.

Em outra frente, a ANP também abriu uma tomada pública de contribuições para avaliar, entre outros pontos, as propostas de modelos de independência para o gás e a harmonização das regras de regulação para distribuição nos Estados.

De acordo com a Petrobras, a malha de dutos de transporte da companhia atualmente se estende por mais de 9 mil quilômetros e tem capacidade de entregar mais de 100 milhões de m³/dia. Os preços de venda de gás natural para as distribuidoras, seguem fórmula que prevê variação vinculada a cotações internacionais de óleos combustíveis, além da taxa de câmbio do dólar. Embora reconheça “dominar historicamente a cadeia produtiva, desde a produção até a comercialização”, a estatal diz entender que a evolução do mercado brasileiro de gás natural atingiu um ponto de maturidade e, agora, “defende a entrada de novos agentes”.

Para a Federação Única dos Petroleiros (FUP), a venda da TAG pode simbolizar, no longo prazo, um custo a mais no preço final do gás. Segundo a entidade, no caso da venda da NTS, a estatal passou a pagar algo em torno de R$ 1 bilhão em aluguel pelo uso da estrutura que antes era sua. “A Brookfield pagou pela NPS a bagatela de US$ 4,23 bilhões, sendo US$ 2,59 bilhões em ações e US$ 1,64 bilhão em títulos de dívida. Em média, a estatal gasta R$ 1 bilhão por trimestre com aluguel de dutos. Ou seja, em menos de quatro anos, já terá pago à Brookfield todo o valor que arrecadou com a privatização da NTS”, diz em comunicado.

Na quinta-feira, a FUP entrou com Ação Popular na Justiça Federal do Rio de Janeiro, cobrando a suspensão imediata do processo de venda da TAG. A ação denuncia os supostos prejuízos que a operação pode causar.

Copergás

Assim como na produção e transporte o governo se articula para abertura à iniciativa privada, em outra ponta, nas distribuidoras estaduais, o Ministério de Minas e Energia e o Ministério da Economia também tentam garantir a atração de novos investimentos. De acordo com o projeto do novo plano de socorro aos Estados, desenvolvido pelo secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, entre outros compromissos a serem adotados pelas unidades federativas com dificuldades orçamentárias, está a abertura do mercado estadual de distribuição de gás.

O Plano de Equilíbrio Financeiro (PEF), que será apresentado ao Congresso até o final de abril, emprestará até R$ 10 bilhões (em parcelas) aos Estados que apresentaram nota C na avaliação da Capacidade de Pagamento (Capag) do Tesouro. Essa foi justamente a última classificação dada a Pernambuco em 2017. Caso o Estado precise acessar recursos do PEF, um dos caminhos seria a venda de ativos da Companhia Pernambucana de Gás (Copergás), que hoje distribui 1,5 milhão de m³/dia de gás natural para o mercado não térmico.

Desse total, 1,207 milhão m³/dia vão para a indústria. Só a fábrica da Vivix, em Goiana, consome por dia 130 mil m³ para a produção de 950 toneladas de vidro. “Em termos de competitividade interna, a Copergás está em linha com os demais Estados, mas quando comparado com preços internacionais, pagamos no mínimo o dobro do preço. A abertura na distribuição é positiva porque o Estado tem que se preocupar com as atribuições que lhe são mais pertinentes”, diz o presidente da Vivix, Paulo Drummond. O uso do gás como fonte de energia garante-lhe uma economia de até 25%.

Atualmente, a Copergás está comprometida com a interiorização da rede. Nos próximos cinco anos, a expectativa é aumentar o número de municípios atendidos (hoje são 23) e ampliar a rede de 800 km para 1 mil km. “O que se espera é um avanço na regulamentação. O País tem que resolver as questões regulatórias e fiscais para a atividade no Brasil inteiro”, afirma o diretor técnico comercial da Copergás, José Waldir Ferrari.

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