Gustavo Franco, um dos pais do Real, acha privatizações e reformas lentas

Filiado ao Partido Novo, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco apoia a política econômica de Paulo Guedes, mas defende atuação mais contundente em privatizações, ajuste fiscal, reforma trabalhista
Leonardo Spinelli
Publicado em 28/09/2019 às 20:29
Filiado ao Partido Novo, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco apoia a política econômica de Paulo Guedes, mas defende atuação mais contundente em privatizações, ajuste fiscal, reforma trabalhista Foto: Foto: Divulgação


Economista que ficou conhecido como um dos pais do Plano Real, Gustavo Franco, presidente do Banco Central no primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, hoje toca a gestora de investimentos Rio Bravo. Como empresário, ele se diz otimista em relação ao futuro do Brasil, porque os “pessimistas se mudaram para Portugal”. Apesar dessa visão positiva, para ele, não é nenhuma surpresa a lenta recuperação econômica do Brasil, porque as reformas e medidas necessárias para mudar o modelo econômico do País estão em velocidade reduzida. “A dosagem ainda está pequena”. Franco sofreu um AVC no início de agosto e diz que já se recuperou 99%, tanto que retomou suas atividades profissionais. Uma delas ele cumpre na próxima terça-feira, no Recife, quando fala em evento promovido pela Finacap Investimentos sobre as perspectivas econômicas do País. Um pouco do que ele vai apresentar foi adiantado nesta conversa com Leonardo Spinelli. Confira os principais trechos da entrevista.


JORNAL DO COMMERCIO – O senhor sofreu um AVC no início de agosto, como está a recuperação?
GUSTAVO FRANCO – Felizmente muito bem, estou 99% recuperado, tanto que já posso retomar a minha rotina de trabalho normalmente.

JC – O senhor é considerado um dos pais do Plano Real, que completou 25 anos em 2019. Como o senhor avalia o sistema do tripé econômico de câmbio flutuante, meta fiscal e de inflação hoje?
GF – Nós viemos de um grande progresso do ponto de vista fiscal, quando o País começou a mostrar superávits primários, que infelizmente eu nunca dispus na minha época. Tivemos esse grande progresso que depois foi destruído por Dilma Rousseff, com consequências trágicas para o País. Produziu muito desemprego, muitas dificuldades. A gestão econômica de Dilma foi um desastre. Ao longo desse período, o Banco Central acumulou uma quantidade muito grande de reservas internacionais. Quando eu saí do Banco Central, ele devia ter em torno de US$ 50 a 60 bilhões de reservas e hoje está perto de US$ 300 bilhões. Então, no intervalo durante a vigência de um suposto regime de flutuação cambial, o BC adquiriu pra cima de US$ 200 bilhões de reservas internacionais. As duas coisas não podem conviver. Ou tem o regime flutuante e o BC não compra reservas, ou o BC vai acumulando reservas e isso interfere na taxa de câmbio. Então, na verdade, a gente não teve um regime de flutuação durante esses anos todos. Senão, o nível de reserva tinha que ficar parado e não ficou.

JC – Mas hoje a gente vive uma crise internacional por causa da guerra comercial entre EUA e China…
GF – Isso não é uma crise internacional, é no máximo uma tensão, uma discussão. Mas não tem nenhuma característica de crise Tem um impacto na economia global, e para nós, é claro, mas não é uma crise e nem é um assunto assim de instabilidade financeira, que geralmente tem uma influência mais aguda nos preços dos ativos financeiros, na taxa de câmbio, nos preços dos títulos brasileiros. Não. É só uma nuvem que a gente tem no cenário externo que, a despeito disso, no entanto, continua benigno .

Ritmo lento

JC – O partido a qual o senhor está filiado atualmente, o Novo, é um dos apoiadores da política econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes. Como o senhor avalia a atuação do ministro?
GF – Sim, o Novo apoia, acho que dos partidos hoje representantes no Congresso Nacional é o que mais apoio tem dado apoio às medidas econômicas do governo, que são, de fato, muito alinhadas com o pensamento do partido. As medidas estão corretas. O Novo talvez gostasse de ver mais, uma atuação mais contundente em privatização, ajuste fiscal, reforma trabalhista, em abertura. A gente gosta da direção, mas achamos pouco.

JC – Há alguma chance de as ideias de Guedes não darem certo? Há alguma diretriz que, na sua visão, deveria ser revista?
GF – Acho que os movimentos estão na direção correta e vão fazer bem ao País. Se a dosagem fosse maior, acho que seria melhor. Se fosse mais rápido e mais contundente no assunto privatização, acho que isso iria apressar o relógio. Tem coisas que são inevitáveis em matéria de programa econômico. Agora, no Brasil, às vezes o inevitável dura muitas décadas e poderia acontecer com mais rapidez. Então, é como se estivéssemos fazendo ajustes que deveriam ter sido feitos 20 anos atrás. É uma pena que ainda estamos discutindo se vamos privatizar a Eletrobrás e os Correios, quando me parece que isso é inevitável. 

JC – O governo deixou para o ano que vem o programa de privatização que Guedes gostaria de ter feito esse ano. Isso mostra uma falta de articulação do governo?
GF – Coisas como privatizações, e mesmo ajustes fiscais de maior profundidade, dependem do pessoal da área econômica, mas dependem também do presidente e do núcleo político do governo e depende também do Poder Legislativo. Para as reformas aparecerem, seja previdenciária, tributária ou privatizações, esses três núcleos de poder precisam se articular. E isso nem sempre acontece. Ou é o legislativo que tem pensamento contrário ao do Executivo, ou é o próprio presidente que não pensa exatamente como o ministro da Economia. Nós estamos vendo uma porção de dissonâncias entre esses três personagens que são importantes na eficácia das reformas. 

Modelo econômico

JC – O relatório trimestral de inflação do Banco Central mostrou na semana passada que a formação bruta de capital fixo, dez trimestres após o fim da última recessão, corresponde, no segundo trimestre, a um nível 70% menor do que seis ano antes. Além disso, a taxa de investimento está em 15,5% do PIB, quando o ideal serial 25%. O que falta para mudar esse quadro?
GF – A mudança de modelo econômico é o grande problema do País dos últimos 20, 30 anos. Dentro deste tempo estamos discutindo como vamos transferir para o setor privado as responsabilidade por investimentos que hoje pertencem ao setor público. Durante todos esses anos estamos discutindo, sem sucesso, esse tema. Privatização, concessão, PPP, todas essas fórmulas consistem em transferir para o setor privado, portanto, fazer crescer a formação bruta de capital, em contrapartida à redução, que me parece inevitável, dos investimentos públicos, já que o dinheiro acabou. Então, pra gente, de novo, ter um País que cresce, a gente precisa que agora o setor privado lidere o processo.

JC – O processo de reformas e ajustes na economia brasileira, como a Lei de Liberdade Econômica, estão avançando, apesar de a reforma da previdência estar demorando para deslanchar no Senado. A câmara agora discute a reforma tributária. O que está faltando para o despertar do “instinto animal” dos empresários, como diz o ex-ministro Delfim Netto?
GF – Está faltando aumentar bastante a intensidade dessas medidas que você citou, que estão todas na direção correta. Especificamente a Lei da Liberdade Econômica deveria ser uma série e ter várias temporadas. Precisamos de uma dúzia de novas leis de liberdade econômica. A gente só teve uma, foi um bom começo, mas tem muita resistência. É inacreditável que ainda tenhamos resistência a medidas que buscam elevar o nível de liberdade econômica no Brasil. A gente ainda tem muito o que progredir. Ou seja, foi um bom começo, mas falta muito. Tem que fazer 10 vezes mais do que isso. 

Empresários

JC – Mas porque os empresários ainda seguram os investimentos?
GF – Isso tem dois componentes, ao menos. Um é um pouco de decepção com o nível de execução das reformas e medidas necessárias para mudar o modelo econômico. A direção é correta, mas é pouco. Precisamos de mais privatização, mais leis de liberdade econômica, mais reformas e a gente está vendo como é difícil. Estamos andando muito devagar. Então, o empresário não tem certeza que a coisa vai mudar na direção desejada porque a dosagem ainda está pequena. E um segundo componente é a percepção do mundo empresarial quanto ao alinhamento entre equipe econômica, Presidência da República e Poder Legislativo. Esses três personagens nem sempre estão falando a mesma língua.

JC – O governo voltou atrás na questão da CPMF na reforma tributária. A Câmara e o senado têm suas próprias propostas baseadas na ideia de um IVA. Que proposta deveria vir do executivo?
GF – Eu pessoalmente não gosto da ideia de CPMF, acho que deveria ser abandonada e acho que já foi. Agora, um Imposto de Valor Agregado é uma ideia já antiga e já amadurecida e já devia ter acontecido, 10, 15 anos atrás. Já devia estar em vigor. Outras coisas poderiam ser feitas, claro, para diminuir o nível de complexidade do sistema tributário brasileiro, que muita gente descreve como um manicômio. Como o assunto da liberdade econômica, é uma área que você pode ter uma diferente série de reformas. Agora, está uma lentidão exasperante, não acontece nada. Tem 20, 30 anos que estamos discutindo simplificação.

Década perdida

JC – Há algum risco de a gente perder mais uma década?
GF – Sim. Na verdade acho que já perdemos. Nós perdemos a década de 80 e acho que perdemos as duas que se seguiram. Hoje o Brasil tem um nível de renda per capita equivalente a 25% da renda per capita americana, que é o mesmo nível que tínhamos nos anos 80. Não perdemos uma década, perdemos três e vamos perder mais uma senão começar a apressar o passo nas reformas. 

JC – Os últimos números do Caged mostram cinco meses seguidos de criação de vagas formais. Estamos num ponto de virada?
GF – Temos observado uma melhora, porém muito lenta. São 12 milhões de desempregados e uma leitura do Caged que foi muito boa, veio com uma criação de 100 mil vagas. Nesse ritmo vai demorar muitos anos para a gente acabar com esse desemprego todo. Portanto, está lenta a recuperação, tinha que ser melhor.

JC
O que o senhor achou do discurso de Bolsonaro na ONU. A postura agressiva pode atrapalhar?
GF
Eu acho que não há dúvida que atrapalha. Não tem nenhuma crítica contra a legitimidade, contra o pronunciamento. Ele é um presidente eleito e foi eleito falando essas coisas que a gente ouviu na assembleia das Nações Unidas. Portanto, ele não mudou de ideia e é o mesmo personagem que venceu as eleições. Não é o meu favorito, não é o que é melhor, eu creio, para a economia. Acho que é a mesma coisa da época de Dilma Rousseff, que não sabia falar com o mundo empresarial e também quando foi à ONU não fez, propriamente, bonito. Paciência, é o que a gente tem.

Perspectivas


JC – O banco central melhorou um pouco a previsão do crescimento do PIB para este ano. Qual a sua perspectiva para o ano que vem e os próximos em termos de crescimento, inflação e juros?
GF – Acho que continuamos com um processo de recuperação econômica ainda lenta, um pouco menos lenta, talvez, do que vinha sendo durante a presidência de Michel Temer, já que tem uma percepção de reformas um pouco mais intensas. Mas ainda considerada lenta pelo mundo empresarial. Então, a melhora da situação econômica tem sido lenta. O panorama para inflação de fato é benigno, o que permitiu que o Banco Central explorasse o terreno novo para as taxas de juros, nunca tivemos uma Selic tão baixa. Isso já era previsível e uma hipóteses que muitos agentes financeiros consideravam, é uma transformação, é importante. Agora, para que tenha consequência é preciso que as contas fiscais, as contas do governo em termos gerais, se adaptem. É uma condição necessária para a gente ter uma mudança do investimento público para o privado, mas não é suficiente para fazer com que aconteça. 

JC – O senhor está otimista?
GF – Sou otimista, claro, senão não seria empresário. Difícil estar nas duas categorias ao mesmo tempo. Pessimistas são os caras que se mudaram para Portugal. Quem está aqui e está na batalha é porque está acreditando que vai funcionar. Acreditando e torcendo. Me sinto otimista.

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