A onda de investimentos chineses está chegando com mais força no Nordeste. A penúria de recursos federais para aplicar em infraestrutura, a oportunidade de expansão em setores no radar dos asiáticos e a decisão dos governadores da região de atuar em bloco criam um ambiente propício à atração de negócios. Se depender dos governadores nordestinos, a frase dita pelo presidente Jair Bolsonaro durante a visita do presidente chinês Xi Jinping, durante a Cúpula dos Brics no Brasil, na semana que passou cabe perfeitamente à região: “a China cada vez mais faz parte do futuro do Brasil”.
A economia chinesa é importante para o Brasil tanto do ponto de vista comercial quanto do investimento. Principal parceiro comercial do País há 10 anos, no ano passado a corrente de comércio entre os dois países chegou a US$ 100 bilhões e no acumulado até outubro deste ano está em US$ 81,5 bilhões. Para a China, o Brasil é o quarto principal destino de seus investimentos no mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Austrália e Canadá. E no Investimento Estrangeiro Direto (IED), os chineses aparecem em segundo lugar, tendo aplicado US$ 80,5 bilhões no Brasil entre 2003 e o terceiro trimestre de 2019, chegando perto dos norte-americanos com US$ 82,9 bilhões.
Enquanto no ano passado o presidente Bolsonaro aparecia nas manchetes internacionais com uma postura mais reativa, dizendo que “a China não ia comprar o Brasil”, os governadores nordestinos trataram de alinhavar parcerias por meio do Consórcio Nordeste, atuando em grupo e captando recursos para a região. Um dos projetos é o Nordeste Conectado, uma PPP (parceria público-privada) para instalar milhares de quilômetros de fibra ótica e conectar os Estados. As chinesas Huawei e a ZTE estão interessadas no negócio. A ZTE começou entrando pelo território piauiense, onde vai fornecer 5 mil km de fibra ótica para o projeto Piauí Conectado. E a Huawei é parceira do governo da Bahia, que investiu R$ 18 milhões em um sistema de reconhecimento facial e utiliza a tecnologia para auxiliar a Secretaria de Segurança Pública.
Pernambuco, Maranhão e Paraíba também estão negociando a aquisição de sistemas de reconhecimento facial com as chinesas. No Metrô do Recife foram investidos R$ 61,5 milhões na compra de 1.380 câmeras alta resolução da Dahua Technology. As câmeras fazem o videomonitoramento do sistema e ajudam a combater situações como depredação, invasão de área restrita, furto e assalto.
“Os investimentos chineses tiveram ciclos no Brasil. Até 2010 a predominância era das commodities, depois veio a fase do consumidor, com a venda de celulares, computadores e eletrônicos. A partir de 2014 avançaram os negócios nas áreas de infraestrutura e energia e no ano passado teve o boom de tecnologia e inovação, com o aparecimento das fintechs e a aquisição de aplicativos como a 99 Táxi pela Didi”, detalha o CEO do Lide China, José Ricardo dos Santos Luz Júnior.
Em agosto, o governador da Bahia e presidente do Consórcio Nordeste, Rui Costa, esteve em Brasília para apresentar o consórcio ao embaixador da China Yang Wanming. O Estado, aliás, é o que tem maior número de grandes empreendimentos negociados com os chineses. Dentre eles estão a Ponte Salvador-Itaparica e um VLT em Salvador (veja gráfico ao lado). Em Pernambuco, a expectativa é começar a captar investimentos em obras de infraestrutura. Algumas das oportunidades seriam o trecho da ferrovia Transnordestina até Suape, que poderá deixar de ser da CSN, e as obras do segundo terminal de contêineres de Suape. “Os executivos da CCCC (China Communications Construction Company) já disseram que têm interesse em construir o Tecon 2. Eles são especialistas na construção de terminais pelo mundo e entregam o equipamento pronto para operar”, diz o presidente do Porto de Suape, Leonardo Cerquinho.
No Ceará, as negociações caminham com empresas dos setores de saúde, renováveis, petróleo e gás e educação. “A China é a coqueluche do mercado mundial, não há quem não queira fazer negócio com eles, e o Nordeste oferece muitas oportunidades. Estamos produzindo a energia do futuro com o crescimento da eólica e da solar. E acredito que vai chegar um momento em que a região é quem vai abastecer o País. Temos portos importantes como os do Pecém, Suape e Itaqui e uma demanda gigante de investimentos em rodovias, saneamento e ferrovia. Todas essas áreas estão na mira dos chineses”, afirma o secretário de Desenvolvimento Econômico do Ceará, Maia Júnior.
Na área do comércio exterior o desafio é diversificar a pauta. “Hoje, 89% do que o Brasil exporta para a China são produtos básicos, enquanto compramos deles produtos manufaturados de alto valor agregado”, alerta José Ricardo, do Lide China.