Entenda como a reforma administrativa pode mexer em concursos, estabilidade e salários de servidores

O governo mira com a proposta o que considera "excessos" que beneficiam carreiras públicas
Lucas Moraes
Publicado em 31/01/2020 às 17:37
O governo mira com a proposta o que considera "excessos" que beneficiam carreiras públicas Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil


A proposta de reforma administrativa que será enviada pelo governo federal ao Congresso pode ser considerada um complemento à já aprovada reforma da Previdência e, por que não, uma aliada para a, também em discussão, reforma tributária. O governo mira com a proposta o que considera "excessos" que beneficiam carreiras de servidores. E se conseguir arrumar a casa, nesse aspecto, pode trazer uma ganho substancial para o erário e, na melhor das teorias, investimentos em outros setores.

Embora discutidas em campos diferentes, as três reformas se complementam. A da Previdência, depois de muito estica e puxa, passou no Congresso e deu início a um processo de saneamento dos gastos do governo com inativos e pensionistas. A reforma tributária, tenta simplificar o sistema de arrecadação, o que pode melhorar a porta de entrada dos recursos mas não é capaz de trazer um maior controle sobre a porta de saída. E é justamente aí que entra a reforma administrativa.

“A Reforma da Previdência foi um passo positivo, na direção de reequilibrar as contas públicas no longo prazo. Contudo, a situação fiscal do país ainda exige cautela. A Reforma Administrativa é mais uma oportunidade que teremos para racionalizar a despesa pública. Entretanto, é um tema complexo e deve ser bem debatido de forma técnica, evitando a demonização dos servidores”, afirma o analista da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal Alessandro Casalecchi, autor do estudo Retrato das Despesas de Pessoal no Serviço Público Federal Civil.

Mesmo que a proposta não tenha ainda sua íntegra apresentada, alguns pontos como fim das promoções e progressões exclusivamente por tempo de serviço e vedação das aposentadorias como forma de punição aos servidores são dados como certo, atingindo as regras dos funcionários da União, dos Estados e dos municípios.

“A reforma administrativa é essencial. A despesa com pessoal é o segundo maior item de despesa do governo federal, e diante dessa crise fiscal, com um déficit de R$ 124 bilhões, para se chegar a um reequilíbrio vai se passar necessariamente pela redução das despesas obrigatórias”, avalia o secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco.

Com a proposta de reforma administrativa do governo, os concursos deverão deixar de ser a porta de entrada definitiva para o serviço público. Quem passar em concurso só será efetivado como servidor depois de um período trabalhando. Nessa fase, ele será avaliado para a aptidão ao cargo. O prazo para avaliação, no entanto ainda está sendo definido.

“As medidas serão efetivadas apenas para novos servidores. Ao que me parece, a intenção é não atingir os atuais. Para os novos servidores, haveria redução dos salários iniciais, inclusive para alongar o tempo do início da carreira até o fim, atualmente o espaço é muito pequeno e o servidor chega rápido ao teto do salário. Outro ponto que deve ser atacado é a própria estabilidade. Ela foi criada como esse benefício de defender o servidor de punições políticas, mas isso acabou de uma maneira generalizada. Em certas carreiras pode manter, mas em outras pode ser semelhante à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)”, pondera Branco.

Segundo levantamento feito pelo Banco Mundial, com dados de 2017, os servidores federais têm, em média, um salário 96% maior que profissionais da iniciativa privada em cargos semelhantes e na mesma área de atuação. Além disso, a diferença no Brasil entre os salários do setor público federal e do privado é a maior dentre os 53 países comparados pelo banco, 21% acima da média internacional.

“Nesse sentido (dos salários) pode sim haver um excesso que, para algumas carreiras, não se justifica. Contudo, o estudo (do banco mundial) mostrou que a quantidade de trabalhadores no setor público não destoa muito do padrão internacional. Por isso, os excessos parecem estar mais associados ao salários que estes trabalhadores recebem do que ao número de funcionários públicos que o setor emprega. Estes detalhes revelam que é preciso ser cuidadoso no debate da reforma administrativa, evitando ideias simplistas sobre o funcionalismo público”, pondera o analista do IFI.

Apresentação da reforma administrativa

Quanto à estabilidade, segundo ele, ao se tornar mais difícil o acesso, o incentivo que o trabalhador tem para o aumento de sua produtividade é maior. “Tal incentivo pode repercutir positivamente na qualidade dos serviços públicos prestados à população”, resume Casalecchi.

O secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, já antecipou, em entrevista, que a PEC será enviada em fevereiro. Ele tem dito que a expectativa do governo é que todas as normas sejam aprovadas e implementadas até 2022.

 

No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro adiou o envio da proposta, pedindo um texto mais "suave". Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, a proposta é mais fácil de aprovar “porque não atinge os direitos atuais.”

Até 2016, nas contas do Ipea, o número total de servidores públicos no País, nas três esferas de governo, sem contar as estatais, era de 11,5 milhões, para um gasto que girava em torno de 13,1% do PIB, conforme o Banco Mundial. “Pelo menos 26% dos servidores vão se aposentar até 2022. Há uma enorme concentração e a União vai ter uma oportunidade muito grande para pode implantar essas medidas e ter um ganho de qualidade na redução das despesas”, diz Castello Branco.

TAGS
reforma administrativa SERVIDORES funcionalismo público
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory