Corrupção trava grandes obras no Estado

Além dos problemas recorrentes com burocracia e atraso de verbas, grandes projetos sofrem com a participação das empreiteiras no escândalo do petrolão. Pernambuco é um dos Estados mais prejudicados
Raissa Ebrahim
Publicado em 19/04/2015 às 0:01
Foto: Guga Matos/JC Imagem


As molas do crescimento transformaram-se em incógnita. Os escândalos de corrupção que ameaçam grandes empresas do País, somados a uma conjuntura de estagnação econômica, ajuste fiscal e turbulência política, colocaram em xeque o cronograma de importantes obras de infraestrutura, mobilidade e petróleo e gás. Na ponta, a consequência mais brutal: o desemprego. O cenário já fechou milhares de postos de trabalho desde o fim do ano passado. Em Pernambuco, empreendimentos emblemáticos como Refinaria Abreu e Lima, transposição do São Francisco e Estaleiro Atlântico Sul (EAS) estão contaminados. Atrasados e com os custos acima do previsto, os três são os maiores projetos federais no Nordeste e representam grandes heranças do governo petista para a região.

Um levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que existem ao menos 144 empreendimentos ameaçados em todo o Brasil: 109 obras de infraestrutura, duas gigantescas unidades de refino (Abreu e Lima e Comperj), duas plantas de fertilizantes e 31 contratações de embarcações junto a 18 estaleiros (entre eles o EAS). Juntos, representam, no mínimo, R$ 423,8 bilhões de investimentos, o que equivale ao Produto Interno Bruto (PIB) de Minas Gerais. Pernambuco é o terceiro colocado na lista de maiores volumes de investimento afetados (R$ 73,5 bilhões). Antes vêm Rio de Janeiro (R$ 105,8 bilhões) e São Paulo (R$ 78,2 bilhões). 

Empresas de grande porte como OAS, Camargo Corrêa, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, Odebrecht, Galvão Engenharia, Sete Brasil, Engevix, Alumini (ex-Alusa), que, nos últimos anos, concentraram os contratos com o governo, agora estão com problemas de caixa, restrição para captar crédito e dificuldade para tocar obras, além de problemas de pagamento da Petrobras nas companhia ligadas aos setores de petróleo e gás. Sem dinheiro e com o fim de muitos contratos, as empresas se viram forçadas a demitir. Desde outubro de 2014, quando se intensificaram as denúncias da Lava Jato, 16 mil postos de trabalho foram fechados no setor de construção civil em Pernambuco, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego.

“As empresas estão parando porque os bancos não estão dando financiamento, e não há empresa que sobreviva sem apoio dos bancos. Esses negócios têm milhares de outros fornecedoras de bens e serviços, que envolvem milhões de empregos”, resume o presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira. O economista Claudio Porto, presidente da Macroplan Prospectiva Estratégia & Gestão, pondera que o impacto negativo não é função apenas do escândalo de corrupção, mas da conjuntura de escassez de recursos, recessão e aperto fiscal. “É quase uma ‘tempestade perfeita’, em que se combinam forças negativas que impactam investimentos e ambiente de negócios no País inteiro. E Pernambuco tem uma concentração de obras significativa”, explica. 

Ele acredita que o clima de “ressaca” se estenda até o fim de 2016, “na melhor das hipóteses”. “Duração de obras e gastos são como uma regra de três simples: quanto mais se demora, mais se gasta”, pondera o presidente do sindicato dos trabalhadores da construção pesada de Pernambuco (Sintepav-PE), Aldo Amaral, frisando que as grandes obras estão a passos lentos. 

Procurada para comentar o cenário de incertezas que agora se sobrepõe à comemoração dos investimentos, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Sdec) preferiu pronunciar-se por nota. O texto afirma que a conjuntura econômica, política e de investigações “tem, sim, impactos em Pernambuco”. Mas, “diferentemente do que o senso comum preconiza”, o momento tem estimulado a pasta a “estruturar novas políticas, apostar em áreas que têm conseguido superar o ambiente macroeconômico instável e olhar ainda mais para as cadeias produtivas e os Arranjos Produtivos Locais (APLs) já consolidados”.

Entre os pontos enaltecidos pelo governo, estão a geração de energias renováveis, com destaque para Casa dos Ventos (R$ 6 bilhões no longo prazo), no Agreste, visitas constantes ao polos gesseiro, de confecções e de laticínios, fomento à cadeia metalmecânica, Polo Automotivo Jeep (R$ 7 bilhões), Centro de Distribuição da Toyota (R$ 15 milhões) e aprovação recente de 14 novos projetos industriais (R$ 99,9 milhões) – volume este que, para analistas, poderia ter sido maior não fosse a desaceleração econômica. A Secretaria das Cidades respondeu aos questionamentos da reportagem, mas não disponibilizou porta-voz nem teceu maiores comentários sobre o cenário e o comprometimento das obras de mobilidade. 

O dilema de punir sem deixar o País parar

Num cenário tão adverso, a grande questão é como punir os responsáveis sem quebrar o País, permitindo a continuidade dos investimentos. Coloca-se agora na balança o peso do perdão parcial e o peso da punição. O governo federal vem defendendo e desenhando os acordos de leniência, com o argumento de que possíveis quebras de contrato e falências podem piorar ainda mais a situação do Brasil. O Ministério Público Federal, no entanto, vem tecendo críticas ao processo, alegando que o instrumento de investigação pode terminar sendo usado como instrumento de perdão. Na visão da Controladoria-Geral da União (CGU), é preciso negociar para também garantir que os cofres públicos sejam ressarcidos. Nos acordos de leniência, empresas e pessoas físicas denunciam esquemas, auxiliam nas investigações e, em troca, podem receber redução de pena e isenção de multa.

“Estou preocupado porque não estou vendo o Poder Executivo como uma liderança para colocar todos na mesa e resolver o que fazer. O tempo econômico é mais curto que o tempo político e jurídico”, comenta o presidente da Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. “É como ouvi em Brasília recentemente: a sensação que dá é que tem um tsunami se formando e só estamos parados admirando os coqueiros da praia”, acrescenta. Eugênio, no entanto, aponta também o lado bom dos acontecimentos.

“A boa novidade é vermos os corruptos na cadeia. Ao final, vai ser bom, mas nesse meio tempo, é preciso encontrar uma fórmula de saída”, reforça. Na avaliação dele, a multa com a qual as empresas têm que arcar têm que ser grandes a ponto de desestimulá-las a reconstruir o esquema, mas também não podem chegar a quebrá-las. E defende que os punidos devem ser os diretores e envolvidos, como acontece nos Estados Unidos. “Colocar empresários na cadeia vai solucionar o problema por completo? Acredito que não, mas é um exemplo extraordinário”, argumenta.

Perguntando sobre possíveis alternativas práticas, Eugênio diz que apostaria numa espécie de Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), implementado no governo Fernando Henrique Cardoso, antes da promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, para recuperar as instituições financeiras com graves problemas de caixa e que poderiam gerar uma crise econômica sistêmica no País.

“É provável que algumas dessas empresas não sobrevivam ou se vejam forçadas a diminuir de tamanho. Eu vejo isso como algo bastante positivo, para que haja mudança no ambiente de negócios”, compartilha Claudio Porto, presidente da Macroplan. E acrescenta que o momento em Pernambuco pode abrir espaço para pequenas e médias empresas, que podem começar a ocupar mais espaço.“É o movimento natural do mercado, e ele é salutar”. Porto faz um comparativo com o que aconteceu na Itália no início da década de 1990, quando a Operação Mãos Limpas promoveu uma reconfiguração importante entre empresas e poder público, após investigações de corrupção. Aqui e lá os problemas tinham origem no financiamento do sistema eleitoral. 

Na Europa, o escândalo não terminou em pizza. Foi o fim da chamada Primeira República Italiana, apesar de que a Itália viu-se, por vários anos, na sequência, nas mãos do polêmico Silvio Berlusconi. Além disso, Porto diz que vê com muita pressa as tentativas de acordos de leniências que vêm sendo traçadas. “É preciso punir os corruptores. As empresas têm partes saudáveis que não podem ser aniquiladas, têm capacidade técnica, operacional e financeira”, defende.

 

Grandes investimentos com execuções ameaçadas

No Brasil

Infraestrutura
Usina de Belo Monte (PA): R$ 28,9 bi
Usina de Jirau (RO): R$ 15 bi
Usina de Angra 3 (RJ): R$ 13,9 bi
Usina de Santo Antônio (RO): R$ 13 bi
Pacote de obras para Jogos Olímpicos: R$ 10,0 bi
Metrô Linha 6 (SP): R$ 9,6 bi
Aeroporto de Viracopos (SP): R$ 9,5 bi
Metrô Linha 5 (SP): R$ 8,9 bi
Metrô Linha 4 (RJ): R$ 8,8 bi
Porto Maravilha (RJ): R$ 8 bi

Petróleo & Gás
Comperj (RJ): R$ 27,8 bi
Estaleiro Brasfels (RJ): R$ 17,2 bi
Estaleiro Jurong (ES): R$ 15,2 bi
Estaleiro Brasa (RJ): R$ 11,1 bi

Em Pernambuco

Edmar Melo/JC Imagem
Estaleiro Atlântico Sul (EAS) - Edmar Melo/JC Imagem
Guga Matos/JC Imagem
BR-101 - Guga Matos/JC Imagem
Guga Matos/JC Imagem
Via Mangue - Guga Matos/JC Imagem
Helia Scheppa/Acervo JC Imagem
Porto do Recife - Helia Scheppa/Acervo JC Imagem
Heudes Regis/JC Imagem
Refinaria Abreu e Lima - Heudes Regis/JC Imagem
Ricardo Labastier/JC Imagem
Transposição do Rio São Francisco - Ricardo Labastier/JC Imagem
Sérgio Bernardo/JC Imagem
Ramal Externo da Cidade da Copa - Sérgio Bernardo/JC Imagem
Diego Nigro/JC Imagem
Corredor Leste-Oeste - Diego Nigro/JC Imagem






Refinaria Abreu e Lima

Custo: R$ 37,4 bilhões
Status: Deveria ter ficado pronta em 2010. Trem 1 de refino em operação, mas refinaria opera com 20% da capacidade total devido ao atraso na unidade de tratamento de gases tóxicos (Snox). Trem 2 tinha entrega prevista para maio, mas está com obras suspensas.
Envolvidas presentes nos principais contratos: Alumini (antiga Alusa - recuperação judicial), OAS (recuperação judicial) e Odebrecht (Consórcio Conest), Camargo Corrêa (Consórcio CNCC), Queiroz Galvão (Consórcio Ipojuca Interligações) e Engevix
O que diz a Petrobras? Está revisando seu planejamento para 2015, implementando ações para preservar o caixa e viabilizar investimentos. A previsão de conclusão da Rnest será informada na divulgação do novo Plano de Negócios e Gestão 2015-2019. As obras da Snox estão paralisadas, pois os contratos com o Consórcio EBE-Alusa foram rescindidos em dezembro de 2014, por descumprimento de obrigações. A Petrobras está conduzindo processo licitatório para conclusão do escopo remanescente.
O que diz a OAS? A recuperação judicial não impactou o projeto da Rnest.
O que diz a Odebrecht? As obras sob responsabilidade do Conest estão sendo realizadas de acordo com o previsto em contrato. O atual cronograma reflete as necessidades e solicitações do cliente (Petrobras)
O que diz a Camargo Corrêa? Preferiu não se pronunciar. No mercado, a informação é de que as obras a cargo da CNCC estão 95% concluídas. 
O que diz a Queiroz Galvão? Não respondeu até o fechamento da edição.
O que diz a Engevix? Preferiu não comentar
O que dizem os trabalhadores (Sintepav-PE)? Acreditam numa retomada lenta. Se o Trem 2 estivesse em operação, a refinaria estaria com pelo menos 30 mil empregos ativos, hoje são 15 mil. 

Estaleiro Atlântico Sul

Custo: R$ 25,5 bilhões (sondas e petroleiros)
Envolvida: Sete Brasil
Status: A quebra do contrato com a Sete Brasil, em fevereiro, paralisou a construção dos sete navios-sonda contratados, sendo que três deles já haviam começado a ser cortados. O cronograma previa entregar os dez primeiros petroleiros do do Promef em 2016. Por enquanto, quatro estão em operação (João Cândido, Zumbi dos Palmares, Dragão do Mar e Henrique Dias) e quinto (André Rebouças) entrará em operação nos próximos dias.
O que diz o EAS? Não se pronunciou
O que diz a Petrobras? Os contratos para construção dos navios-sonda são entre a Sete Brasil e os estaleiros. Até o fim de 2016, pelo menos mais três navios da série deverão ser entregues pelo EAS.

Transposição do Rio São Francisco

Custo: R$ 8,2 bilhões
Cronograma: Deveria ter ficado pronta em 2012. Nova previsão: 2016
Status: 72,9% concluída
Envolvidas: Mendes Júnior, Queiroz Galvão e Engevix (todas no Eixo Norte). A Mendes Júnior é a maior concentradora, responsável por dois contratos, um das estações de bombeamento (Lote 8) e outro de canais e barragens (Metas 1N). A Meta 1N tem 140 km (maior trecho), vai da captação do São Francisco, em Cabrobó (PE), ao reservatório de Jati, em Jati (CE). As obras passam pelos municípios de Cabrobó (PE), Terra Nova (PE), Salgueiro (PE), Verdejante (PE) e Penaforte (CE).
O que diz a Mendes Júnior? O andamento das obras da Transposição nos lotes de sua responsabilidade encontra-se dentro do previsto.
O que diz a Queiroz Galvão? Não respondeu até o fechamento da edição.
O que diz a Engevix? Preferiu não comentar.
O que diz o Ministério da Integração? O cronograma de pagamento do projeto segue o fluxo normal e não há débitos por parte do ministério. 
O que dizem os trabalhadores (Sintepav-PE)? Sindicato não acredita numa entrega em 2016. Há canais que nem sequer têm terraplanagem, e muitos trechos já precisam de reparos.

Porto do Recife
Reforma, reforço e ampliação dos cais 7 a 10 e dragagem do canal de acesso
Custo total: R$ 160 milhões 
Envolvidas: Galvão Engenharia (recuperação judicial). Queiroz Galvão e Odebrecht são, respectivamente, a segunda e a terceira colocadas da licitação, de 2013.
Status: O Orçamento Geral da União 2015 prevê 30% dos R$ 160 milhões (R$ 48 milhões), mas o Porto aguarda liberação de recurso, ainda sem sinal. O contrato com a Galvão é de R$ 130 milhões, os outros R$ 30 milhões são para defensa (estrutura para proteger as embarcações), finalização e outros detalhes.
O que diz o Porto do Recife? A princípio, a recuperação judicial da Galvão não inviabiliza o que já está contratado. 
O que diz a Galvão Engenharia? Tem plenas condições de executar as obras nos termos dos contratos assinados, firmes e ativos.

Recuperação e requalificação da BR-101

Custo: R$ 200 milhões (em revisão)
Envolvida: Mendes Júnior
Status: Paralisada, praticamente nada foi feito. A Mendes Júnior desistiu da obra. 
O que diz o Governo de Pernambuco? A Ferreira Guedes, 2ª colocada na licitação, foi consultada sobre assumir a obra, mas não aceitou. A Secretaria das Cidades realizou nova licitação para manutenção emergencial da BR-101, que deve ser encerrada em maio. 
Enquanto isso, a rodovia continua cheia de buracos e sendo palco de constantes acidentes. 

Corredor Leste-Oeste

Custo: R$ R$ 168,7 milhões
Envolvida: Mendes Júnior (em consórcio com Servix)
Status: Deveria ter ficado pronto para a Copa. Foram investidos R$ 136 milhões. Obra 80% concluída. O Túnel da Abolição foi entregue neste mês com várias falhas. Ainda faltam 12 estações de BRT e dois terminais integrados de ônibus (III e IV Perimetrais), além de 12 das 25 paradas.
O que diz o Governo de Pernambuco? Secretaria das Cidades está analisando a possibilidade de rescisão do contrato.
O que diz a Mendes Júnior? Não se manifestou.

Ramal Externo da Cidade da Copa

Custo: R$ 163 milhões
Envolvida: Mendes Júnior
Status: Deveria ter ficado pronto para a Copa. Foram investidos R$ 150 milhões. Com 92% de conclusão, obras estão paralisadas. Falta construir uma das duas faixas previstas no projeto. Uma via simples permite a passagem dos BRTs do TI Cosme e Damião até a Arena. 
O que diz o Governo do Estado? No momento, Secretaria das Cidades está reavaliando o cronograma e analisando a possibilidade de rescisão do contrato.
O que diz a Mendes Júnior? Não se manifestou.

Via Mangue

Custo: R$ 431 milhões
Envolvida: Queiroz Galvão
Status: Paralisada desde setembro. Falta a liberação de R$ 26 milhões (parte da contrapartida do município) pela Caixa Econômica Federal para finalização da via leste (sentido subúrbio-cidade), ajustes de meio-fio e de drenagem, ciclovia e passeio público, conclusão de calçadas e adequações da pista nova com ruas já existentes. 
O que diz a Prefeitura do Recife? A Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos informa que ainda aguarda liberação da CEF.
O que diz a Queiroz Galvão? Não respondeu até o fechamento da edição.

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