As molas do crescimento transformaram-se em incógnita. Os escândalos de corrupção que ameaçam grandes empresas do País, somados a uma conjuntura de estagnação econômica, ajuste fiscal e turbulência política, colocaram em xeque o cronograma de importantes obras de infraestrutura, mobilidade e petróleo e gás. Na ponta, a consequência mais brutal: o desemprego. O cenário já fechou milhares de postos de trabalho desde o fim do ano passado. Em Pernambuco, empreendimentos emblemáticos como Refinaria Abreu e Lima, transposição do São Francisco e Estaleiro Atlântico Sul (EAS) estão contaminados. Atrasados e com os custos acima do previsto, os três são os maiores projetos federais no Nordeste e representam grandes heranças do governo petista para a região.
Um levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que existem ao menos 144 empreendimentos ameaçados em todo o Brasil: 109 obras de infraestrutura, duas gigantescas unidades de refino (Abreu e Lima e Comperj), duas plantas de fertilizantes e 31 contratações de embarcações junto a 18 estaleiros (entre eles o EAS). Juntos, representam, no mínimo, R$ 423,8 bilhões de investimentos, o que equivale ao Produto Interno Bruto (PIB) de Minas Gerais. Pernambuco é o terceiro colocado na lista de maiores volumes de investimento afetados (R$ 73,5 bilhões). Antes vêm Rio de Janeiro (R$ 105,8 bilhões) e São Paulo (R$ 78,2 bilhões).
Empresas de grande porte como OAS, Camargo Corrêa, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, Odebrecht, Galvão Engenharia, Sete Brasil, Engevix, Alumini (ex-Alusa), que, nos últimos anos, concentraram os contratos com o governo, agora estão com problemas de caixa, restrição para captar crédito e dificuldade para tocar obras, além de problemas de pagamento da Petrobras nas companhia ligadas aos setores de petróleo e gás. Sem dinheiro e com o fim de muitos contratos, as empresas se viram forçadas a demitir. Desde outubro de 2014, quando se intensificaram as denúncias da Lava Jato, 16 mil postos de trabalho foram fechados no setor de construção civil em Pernambuco, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego.
“As empresas estão parando porque os bancos não estão dando financiamento, e não há empresa que sobreviva sem apoio dos bancos. Esses negócios têm milhares de outros fornecedoras de bens e serviços, que envolvem milhões de empregos”, resume o presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira. O economista Claudio Porto, presidente da Macroplan Prospectiva Estratégia & Gestão, pondera que o impacto negativo não é função apenas do escândalo de corrupção, mas da conjuntura de escassez de recursos, recessão e aperto fiscal. “É quase uma ‘tempestade perfeita’, em que se combinam forças negativas que impactam investimentos e ambiente de negócios no País inteiro. E Pernambuco tem uma concentração de obras significativa”, explica.
Ele acredita que o clima de “ressaca” se estenda até o fim de 2016, “na melhor das hipóteses”. “Duração de obras e gastos são como uma regra de três simples: quanto mais se demora, mais se gasta”, pondera o presidente do sindicato dos trabalhadores da construção pesada de Pernambuco (Sintepav-PE), Aldo Amaral, frisando que as grandes obras estão a passos lentos.
Procurada para comentar o cenário de incertezas que agora se sobrepõe à comemoração dos investimentos, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Sdec) preferiu pronunciar-se por nota. O texto afirma que a conjuntura econômica, política e de investigações “tem, sim, impactos em Pernambuco”. Mas, “diferentemente do que o senso comum preconiza”, o momento tem estimulado a pasta a “estruturar novas políticas, apostar em áreas que têm conseguido superar o ambiente macroeconômico instável e olhar ainda mais para as cadeias produtivas e os Arranjos Produtivos Locais (APLs) já consolidados”.
Entre os pontos enaltecidos pelo governo, estão a geração de energias renováveis, com destaque para Casa dos Ventos (R$ 6 bilhões no longo prazo), no Agreste, visitas constantes ao polos gesseiro, de confecções e de laticínios, fomento à cadeia metalmecânica, Polo Automotivo Jeep (R$ 7 bilhões), Centro de Distribuição da Toyota (R$ 15 milhões) e aprovação recente de 14 novos projetos industriais (R$ 99,9 milhões) – volume este que, para analistas, poderia ter sido maior não fosse a desaceleração econômica. A Secretaria das Cidades respondeu aos questionamentos da reportagem, mas não disponibilizou porta-voz nem teceu maiores comentários sobre o cenário e o comprometimento das obras de mobilidade.
O dilema de punir sem deixar o País parar
Num cenário tão adverso, a grande questão é como punir os responsáveis sem quebrar o País, permitindo a continuidade dos investimentos. Coloca-se agora na balança o peso do perdão parcial e o peso da punição. O governo federal vem defendendo e desenhando os acordos de leniência, com o argumento de que possíveis quebras de contrato e falências podem piorar ainda mais a situação do Brasil. O Ministério Público Federal, no entanto, vem tecendo críticas ao processo, alegando que o instrumento de investigação pode terminar sendo usado como instrumento de perdão. Na visão da Controladoria-Geral da União (CGU), é preciso negociar para também garantir que os cofres públicos sejam ressarcidos. Nos acordos de leniência, empresas e pessoas físicas denunciam esquemas, auxiliam nas investigações e, em troca, podem receber redução de pena e isenção de multa.
“Estou preocupado porque não estou vendo o Poder Executivo como uma liderança para colocar todos na mesa e resolver o que fazer. O tempo econômico é mais curto que o tempo político e jurídico”, comenta o presidente da Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. “É como ouvi em Brasília recentemente: a sensação que dá é que tem um tsunami se formando e só estamos parados admirando os coqueiros da praia”, acrescenta. Eugênio, no entanto, aponta também o lado bom dos acontecimentos.
“A boa novidade é vermos os corruptos na cadeia. Ao final, vai ser bom, mas nesse meio tempo, é preciso encontrar uma fórmula de saída”, reforça. Na avaliação dele, a multa com a qual as empresas têm que arcar têm que ser grandes a ponto de desestimulá-las a reconstruir o esquema, mas também não podem chegar a quebrá-las. E defende que os punidos devem ser os diretores e envolvidos, como acontece nos Estados Unidos. “Colocar empresários na cadeia vai solucionar o problema por completo? Acredito que não, mas é um exemplo extraordinário”, argumenta.
Perguntando sobre possíveis alternativas práticas, Eugênio diz que apostaria numa espécie de Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), implementado no governo Fernando Henrique Cardoso, antes da promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, para recuperar as instituições financeiras com graves problemas de caixa e que poderiam gerar uma crise econômica sistêmica no País.
“É provável que algumas dessas empresas não sobrevivam ou se vejam forçadas a diminuir de tamanho. Eu vejo isso como algo bastante positivo, para que haja mudança no ambiente de negócios”, compartilha Claudio Porto, presidente da Macroplan. E acrescenta que o momento em Pernambuco pode abrir espaço para pequenas e médias empresas, que podem começar a ocupar mais espaço.“É o movimento natural do mercado, e ele é salutar”. Porto faz um comparativo com o que aconteceu na Itália no início da década de 1990, quando a Operação Mãos Limpas promoveu uma reconfiguração importante entre empresas e poder público, após investigações de corrupção. Aqui e lá os problemas tinham origem no financiamento do sistema eleitoral.
Na Europa, o escândalo não terminou em pizza. Foi o fim da chamada Primeira República Italiana, apesar de que a Itália viu-se, por vários anos, na sequência, nas mãos do polêmico Silvio Berlusconi. Além disso, Porto diz que vê com muita pressa as tentativas de acordos de leniências que vêm sendo traçadas. “É preciso punir os corruptores. As empresas têm partes saudáveis que não podem ser aniquiladas, têm capacidade técnica, operacional e financeira”, defende.
Grandes investimentos com execuções ameaçadas