Pelé fala sobre seleção, filho Edinho e racismo em entrevista pós-cirurgia

Rei do futebol se mostrou otimista sobre vários assuntos polêmicos que norteiam o futebol
JC Online
Publicado em 15/11/2019 às 8:15
Rei do futebol se mostrou otimista sobre vários assuntos polêmicos que norteiam o futebol Foto: AFP


Sentado em uma cadeira alta em seu escritório no segundo andar do museu que leva seu nome na região portuária de Santos, Pelé esbanja alegria. Sobre a mesa, uma coroa. A perna esquerda permanece apoiada improvisadamente em uma caixa. A posição é mais confortável para sua coluna, recém-operada. No fundo, um quadro em forma de retrato, quase em tamanho natural, colorido, em que ele aparece com a camisa da seleção brasileira.

Antes da primeira pergunta do Estado, abraços e apertos de mão em um casal que veio vê-lo, numa típica cerimônia de beija-mão. Pelé sorri. Recebeu muitos naquele dia, entre eles alguns jogadores do passado do Santos, como Clodoaldo, Dorval, Pepe e Mengálvio. 

Os olhos ficaram avermelhados quando referiu-se ao filho Edinho, solto da prisão e agora trabalhando na base do Santos. "Ele pagou a pena sozinho", disse.

CONFIRA A ENTREVISTA

 

Como você está vendo o País nesse momento?

O Brasil sempre vai ser um país grande. Infelizmente, estamos atravessando um momento ruim. Mas já vivemos isso antes, já atravessamos situações difíceis antes. Quando estava em Bauru, muitos amigos do meu pai, seu Dondinho, já diziam que o Brasil não tinha jeito, que isso, que aquilo... Mas vamos sair dessa, melhorar. O Brasil tem jeito, sim. Temos de confiar. Temos de ter fé em Deus e nos homens e vamos sair dessa mais uma vez. Viva o Brasil!

O futebol tem presenciado momentos de racismo nos estádios. O que você pensa disso?

Não sei exatamente o que aconteceu recentemente com jogadores brasileiros lá fora, qual foi o grau do desrespeito. Há coisas que a gente vê no futebol e fora dele. Mas isso sempre houve. Na Argentina, por exemplo, a torcida me chamava de negro. O Santos sofria com isso (essas provocações). Na Suécia não havia negros. Eu me sentia diferente lá. As meninas passavam a mão no meu rosto por causa da minha cor. Mas Deus foi tão bom comigo que nunca tive problema desse tipo... Só na Argentina, onde me chamavam de "negrón". Eu deixava passar. Mas numa época como a nossa hoje, é estranho. Há tantas outras coisas ruins no mundo de hoje, por exemplo, o feminicídio... Homens dando pancadas em mulheres, até matando as mulheres. Continuo orando para que Deus me dê força para sempre estar do lado do bem e positivo na vida

Quando fez o milésimo gol, você pediu para as crianças. Foi mal interpretado em alguns casos, chamado de demagogo...

Há 50 anos, falei do desrespeito com as crianças... Fiz até uma musiquinha. Mas não era tão grave como é agora. As crianças eram mais bem tratadas lá atrás. Agora estão matando e abusando delas Então, eu estava certo.

Como foi receber o Edinho de volta, após seu filho ter sido solto da prisão e pagado pena?

Por mais que você queira dizer que não, que tem de pagar porque errou, um pai sempre quer proteger os filhos. Isso é o que a gente faz. O que aconteceu, não foi só com o Edinho. Tinha dois ou três jogadores do Santos que foram liberados. Mas o Edinho teve de pagar a pena. Graças a Deus ele está de volta e trabalhando no Santos. Espero que sirva de exemplo para outros. Está recuperado, o que era mais preocupante para mim. Como ele voltaria? Como iríamos encontrá-lo? Mas está bem. Agradeço ao Santos por ter dado trabalho a ele e espero não ter mais surpresas nesse sentido.

Aprova a seleção brasileira?

Sim. O time foi bem montado, ganhou a Copa América, mas dá para exigir um pouco mais. Sempre dá para jogar melhor.

E o futebol brasileiro?

Não sei se é o futebol brasileiro que está mal. De uma maneira geral, é a política do País. O Brasil está assim. O futebol ainda está dando alegria. Quem está na final da Libertadores? O Flamengo. Então o futebol tem feito sua parte. O Flamengo está representando o futebol brasileiro no mundo. Espero que seja campeão. Esperava que fosse o Santos, mas o Santos está bem também. É o que temos no Brasil no momento, não adianta exigir mais do que temos atualmente.

Você disse há cinco anos que queria diminuir o ritmo, ter uma sala no museu e ficar olhando o porto. A sala está pronta..

Deu para diminuir o ritmo nos últimos anos, mas não como gostaria. A partir do ano que vem e da próxima Copa, vou ter mais tranquilidade. O que aconteceu comigo foram problemas de saúde. Este mês, mesmo com a cirurgia na coluna, estou atendendo Fiz algumas viagens. Quem sabe não jogo a próxima Copa e aí penduro a chuteira de vez?

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