Doze de janeiro de 2010. O dia já estava no fim, haitianos saíam do trabalho quando o país foi abalado por um forte tremor. Em menos de um minuto, estima-se que mais de 200 mil pessoas tenham morrido naquele que foi o pior terremoto já enfrentado pelo país em todos os tempos. O epicentro foi a 15 quilômetros (km) da capital, Porto Príncipe. O tremor principal registrou 7,3 graus na Escala Richter. Mais dois tremores secundários foram sentidos no país: um de 5,5 graus e outro de 5,3 graus. Em 1984, o país havia sofrido, até então, o maior terremoto de sua história, de 6,7 graus.
A TV Brasil, emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), da qual a Agência Brasil também faz parte, foi a primeira tevê a chegar ao Haiti depois do terremoto, em janeiro de 2010. A repórter Luciana Lima relembra: “Quando cheguei ao Haiti vi pessoas perdidas, sem saber para onde ir, sem direção, e pilhas e pilhas de corpos no meio da rua”. O repórter cinematográfico Gilvan Rocha, que acompanhava Luciana, também diz que ficou assustado com o que viu: “Era muita gente pedindo socorro, pedindo ajuda debaixo dos escombros.”
Passados cinco anos da tragédia, uma equipe de reportagem da EBC voltou ao Haiti com o objetivo de verificar como estão os esforços para a reconstrução do país. Há resquício do tremor por diversas cidades. A Catedral de Nossa Senhora da Assunção, a principal de Porto Príncipe, continua em ruínas. É possível ver apenas os escombros do que um dia foi a principal igreja da capital haitiana. No terremoto, morreram ali o arcebispo de Porto Príncipe, Joseph Serge Mioti, e o vigário-geral, Charles Benoit. O prédio do governo haitiano também aguarda reconstrução.
O país ainda não tem coleta de lixo e o esgoto corre a céu aberto. Por isso, é comum encontrar pelas ruas de Porto Príncipe pilhas de lixo sendo incineradas, o que faz com que a cidade fique constantemente cinza. Muitos haitianos ainda sofrem as consequências do terremoto. Joel Joseph é um deles. Artista de rua, perdeu um tio e tudo o que tinha. Teve que viver com a mãe, dois filhos e a esposa em um abrigo por dois anos e cinco meses. “Era horrível. Quando houve o terremoto, nós, todos os haitianos, sentíamos que o mundo já não existia mais. Sabíamos que não existiria um Haiti.”
A imagem das ruas destruídas dá, aos poucos, espaço para avenidas que começam a receber iluminação pública, solar, e semáforos – até então item desconhecido dos haitianos. A maior parte dos abrigos, os campos de deslocados como são chamados, já foi desativada. Em 2010, mais de 1 milhão de pessoas tiveram que viver nesses espaços. Hoje estima-se que esse número seja de um pouco mais de 150 mil pessoas. Passados cinco anos, os haitianos começam a reconstruir suas casas, algumas de alvenaria, outras de lona. Tudo para ter um “lar”.
Como o Mercado Venezuela, principal ponto de comércio de Porto Príncipe, também foi atingido pelo terremoto e ainda não foi reconstruído, o comércio informal está em todas as partes. Nas ruas, eles tentam ganhar dinheiro como podem. Os haitianos vendem um pouco de tudo: roupas, comida, remédios. A realidade ainda é dura: grande parte da população ainda vive com pouco mais de um dólar por dia. Os comerciantes do lugar se lembram que a correria foi grande e que muitos prédios ruíram. Gilbert Foirtine ficou entre os escombros e foi socorrido porque conseguiu manter os braços erguidos. “Quando a terra tremeu caiu tudo em cima de mim. O teto caiu em cima de mim. Fiquei com os braços para cima pedindo socorro. Daí vieram e me resgataram.”
Para o comerciante Jean Baptiste, o terremoto causou perdas irreparáveis. A mãe e o irmão morreram soterrados pelos escombros do mercado. “Perdi um pedaço de mim. Minha família não é mais a mesma sem eles. E também hoje está difícil arrumar emprego. Tenho que vender roupas por um dólar, para ver se consigo algum dinheiro.”
Mas o terremoto não atingiu apenas os haitianos. Militares brasileiros que atuam na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), no país desde 2004, também sentiram os reflexos do tremor. No total, 18 deles morreram. Ana Cardoso, capitã do Exército atuava como tradutora na Base Brasileira no Haiti. Ela relembra que se preparava para voltar ao Brasil quando ocorreu o terremoto. A militar mostrava a base para uma colega que ficaria em seu lugar. “A sensação que a gente tem, que eu tive, era que passava um rio caudaloso debaixo dos meus pés, era uma coisa assim, impressionante, ele foi muito, muito forte aqui”, lembra. Ela conta que os outros militares que estavam nos alojamentos, os contêineres, ficaram feridos.
Depois de relutar alguns anos, Ana voltou ao Haiti. “Hoje tô com uma sensação muito boa, é de realização mesmo. De poder voltar pra um lugar onde já tinha trabalhado e que hoje parece que eu vim complementar esse trabalho, fazer de forma diferente, fazer melhor, porque hoje eu tenho conhecimento do meu trabalho, da missão, do Haiti. Às vezes dá um friozinho na barriga, dá um medo de dar um terremoto de novo.”
Hoje, mais de 1,2 mil militares brasileiros, como Ana, auxiliam na reconstrução do país. Mas a missão coordenada pelo Brasil recebe críticas. O historiador da Universidade de Brasília Virgílio Arraes pondera a atuação das tropas. "Há um momento em que a sociedade hatiana, mesmo que com dificuldades, é que tem de ser senhora do seu próprio destino”, destacou. “Em alguns momentos, a presença foi importante para não aprofundar ainda mais o caos. Mas o problema é que, com o passar do tempo, a população haitiana se acostume.”
O comandante da Minustah, general José Luis Jaborandy Junior, discorda. “Uma Missão de Paz, uma presença internacional, não vem para ficar para sempre. Nós não podemos ficar aqui pra sempre. O Haiti precisa tomar conta dos seus próprios destinos, certo? Mas nós temos que saber o momento certo de sair”, explicou. “Se nós sairmos amanhã, simplesmente, de um dia para o outro, formos embora, sem experimentar um período de transição, talvez venhamos a pagar um preço muito caro, que seria ter que voltar.”
As forças atuam em diversos pontos do Haiti. Cité Soleil – comunidade onde vivem pouco mais de 300 mil pessoas e que, em 2004, foi considerada a região mais violenta do mundo pela ONU – parece mais calma. As ruas de Cité Soleil ainda não têm iluminação pública e os poucos pontos de luz podem ser vistos dentro das casas. As comunidades rivais de Simon e Pelé são as áreas mais preocupantes em relação à segurança. As casas marcadas de tiros nas paredes mostram que local é ainda dominado pelo conflito entre gangues.
Apesar dos problemas e de reconhecer lentidão na reconstrução, para o general Jaborandy é possível ver melhoras nesses cinco anos. “A gente ouve já discursos de autoridades nacionais falando da necessidade de investimento na educação, de retomada do crescimento econômico. Então, como eu disse, são evoluções lentas, mas são positivas. Isso faz com que a comunidade internacional se encha de esperança e continue apoiando o Haiti em sua caminhada rumo ao futuro.”